São poucos aqueles que podem ostentar uma vida financeira totalmente resolvida aos 30 anos, e com o plus de serem reconhecidos por sua participação direta em alguma área, que contribuíram diretamente para o seu desenvolvimento.
E ainda mais raro é encontrar alguém desta idade que consiga reunir na festa em celebração ao trigésimo aniversário celebridades dos mais variados segmentos , e de tabela ainda ter a lenda do jazz Ella Fitzgerald cantando parabéns pra você na ocasião. Bom, aos 30 anos Steve Jobs já estava nesse patamar.
E foi justamente no ano em que trintou que o lendário cofundador da Apple enfrentou seu maior dilema profissional. Ele estava fora da Apple. Neste artigo vamos relembrar o dia em que Steve Jobs foi “demitido” da Apple. Entre aspas mesmo. Você vai entender o porquê!
A extravagância prega uma peça
Em meados dos anos 80, Steve Jobs era o cara da indústria dos computadores. Assim como praticamente qualquer jovem, Jobs sofreu daquilo que Nelson Rodrigues alertara: o jovem tem todos os defeitos dos adultos e mais um – o da imaturidade. E, às vezes, a insistência numa ideia, a birra, a realidade adaptada ao seu próprio desejo, pregam peças cruéis. Steve foi alvo de uma dessas peças.
Em 1984, a Apple lançou um computador que é sempre lembrado, em grande parte pela espetacular peça publicitária usada em sua promoção. E também por sua apresentação apoteótica, conduzida com maestria por Steve.
Este computador é o Macintosh. Computador que chegou a ser um dos responsáveis por um dos embates mais hilários entre Steve Jobs e Bill Gates.
A máquina que foi um projeto desenvolvido diretamente sob o comando de Steve, um aficionado contumaz pelos produtos e por todos os detalhes de como eles seriam projetados e lançados, causou um grande barulho em seu lançamento, mas, no segundo semestre do seu ano de estreia, as vendas começaram a cair drasticamente. Em parte por algumas convicções que Jobs bateu o pé e não abriu mão ao longo do desenvolvimento do projeto.
Entre os problemas, temos a questão da ausência de ventoinhas (Jobs achava que a ventoinha prejudicava a “calma do computador”) e também a ausência de um disco rígido. O Macintsoh contava apenas com uma unidade de disquete. Decisões como essa, que partem diretamente da liderança do projeto, acabaram prejudicando a máquina no mercado, que chegou a ser taxada de “torradeira bege”, conforme é relatado na biografia de Steve Jobs.
As decisões tresloucadas de Jobs em torno do desenvolvimento do Macintosh apareciam até mesmo na linha de produção do computador. Steve cismou que as máquinas que iriam produzir o Macintosh tinham que ser pintadas, todas elas bem coloridas, mais precisamente com cores vivas, ao estilo que a Apple usava em seu logo na época.
A demora em relação à escolha dos tons foi tão grande, que foram instaladas máquinas com cores tradicionais, em tons de cinza ou bege. Evidentemente para desgosto de Jobs, que mandou que tudo fosse repintado.
As inúmeras extravagâncias de Steve foram criando um certo desgaste que, somado ao fato das vendas da bola da vez, o Macintosh, não estarem indo bem, de nada contribuiu para que a “névoa fosse dissipada”.
Até mesmo casos que aconteciam fora dos confins da Apple, e envolviam Steve, pintam um cenário que parece até ficção. Numa visita a Europa, meses após o lançamento do Macintosh, Jobs organizou um jantar em Paris para desenvolvedores de software da França. Do mais absoluto nada, conforme relata Joanna Hoffman, chefe de Marketing do Macintosh na época, Jobs disse que não iria mais. Os desenvolvedores que estavam no Jantar ficaram furiosos com a atitude.
Com a reputação de um cara sem freio, Jobs foi esgotando a paciência de todos, inclusive daquele que foi um outro personagem crucial na Apple dos anos 80, e que passou de best friend forever de Steve para seu grande algoz profissional. John Sculley, contratado em 1983 para ser o CEO da Apple.
Além de um belo contrato, que passava por um salário de US$ 1 milhão ao ano, entre outras benesses, foi durante o processo de convencimento de Steve para levar Sculley à Apple que o cofundador da gigante de Cupertino disparou uma de suas frases mais relembradas: você quer passar o resto da vida vendendo água com açúcar (Sculley na época era CEO da Pepsi) ou quer uma chance de mudar o mundo?
A pressão do conselho, o projeto da vez indo mal, a imaturidade de Jobs e a falta de pulso de Sculley, foram minguando a amizade e criando um ambiente em que uma cisão parecia ser impossível de ser evitada…
A bala de prata que não funcionou
Steve era daquele que cairia atirando. Não aceitaria ser rebaixado no próprio quintal que ajudou a moldar, ainda mais por alguém que ele mesmo insistiu que entrasse pro grupo.
Em março de 1985, John Sculley decidiu tomar uma posição dura, condizente com o que se esperava dele como um executivo tradicional, acostumado a “apagar incêndios”. Decidiu que Steve Jobs teria que renunciar ao cargo de chefe da divisão de produtos do Mac.
Como você já deve estar imaginando, nem de longe Jobs aceitou bem essa ideia. Tentou reverter o processo tanto no modo pacífico, quanto no modo feroz, sem limites e esbravejador que lhe era característico.
No entanto, naquele momento a maré estava contra ele. Até mesmo nomes do conselho que eram apoiadores convictos de Jobs entendiam que o melhor para a Apple naquele momento era o que Sculley dizia.
Jobs, que nunca se furtou de jogar sujo para se defender e propagar o que acreditava com unhas e dentes, usou a última bala que ainda restava. Simplesmente tentou cavar uma demissão de Sculley.
A Apple conseguiu adquirir o direito de exportar seus computadores para a China. Steve Jobs foi convidado para ir até lá e assinar o contrato com todas as honrarias. Jobs comentara o fato com Sculley que decidira que a melhor alternativa era ele mesmo ir até lá e cuidar disso.
Já ouviu falar que quando o gato não está os ratos fazem a festa? Com essa ausência de Sculley programada, Jobs começou a arquitetar a sua última e temerária jogada, tentar um golpe contra Sculley.
Jobs se reuniu com várias pessoas, fez suas tradicionais caminhadas com cada uma delas, e tentou de todas as maneiras convencê-los de que a saída de Sculley era o melhor para a Apple. Jobs era tão autoconfiante que cometeu um erro imperdoável para as pretensões do seu plano. Contou o que estava arquitetando para Jean-Louis Gassé, justamente o cara que foi o nome escolhido por Sculley para assumir o posto de Jobs como líder do Mac. Gassé contou para Sculley o que Jobs iria fazer.
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Sculley cancelara a viagem para a China e o tempo fechou. Toda a ausência de pulso que alguns apontavam em Sculley em alguns momentos foi compensada na reunião em que ele confrontara Jobs sobre o fato. Jobs não arregou e ainda disse que Sculley era ruim para a Apple. Não tinha mais o que fazer. O cenário polarizado e caótico estava instaurado de uma vez por todas e Sculley resolveu dar um all in. E foi curto e grosso aos membros do conselho: ou eu ou Steve.
O conselho, apoiado nos votos de A.C. Markkula Jr, Peter O. Crisp, Philip S. Schlein, Arthur Rock e Henry E. Singleton, decidira de maneira unânime em abril de 1985 contra Steve Jobs. No fim de maio daquele ano, Steve teve que se sentar no fundo do auditório da Apple e assistir de camarote Sculley promover a reformulação da Apple.
Steve virou nada mais que uma alegoria na Apple, sem ninguém se reportando a ele. A punição foi tão severa e implacável que os executivos da Apple deram a Steve um escritório fora do prédio da companhia, um isolamento total.
Em setembro, Jobs comunicara em uma reunião do conselho, com a presença de Sculley, seus planos de fundar uma nova empresa. Essa nova empresa foi a Next.
Durante 12 anos Steve ficou afastado da empresa que ajudou a fundar. Em 1997, num alinhamento do destino impressionante, Steve estava de volta à Apple. Não apenas para salvar a companhia da falência, mas para tornar a empresa um verdadeiro titã do mercado. Mas isso é papo para uma outra hora.
Lembra que mencione no início que a demissão de Jobs era entre aspas? Bom, como o próprio Steve Wonziak, cofundador da Apple, junto com Steve, disse uma vez, Jobs nunca foi demitido, levando em conta o significado tradicional que estamos acostumados a associar. Ele simplesmente saiu. A frustração em não conseguir continuar em curso com a visão que ele tinha da empresa fez com que optasse por buscar um novo caminho.
Esse mesmo discurso é corroborado por Sculley, elemento central em toda a história. “Steve nunca foi demitido. Ele pegou um sabático e ainda era presidente do conselho. Ele estava para baixo, ninguém o empurrou, mas ele estava fora do Mac, que era o seu negócio. Ele nunca me perdoou por isso”
Steve sempre vendeu a ideia da demissão. Um afastamento que também serviu como uma mola propulsora para que ele seguisse em frente. No seu brilhante discurso para os formandos de Stanford em 2004, Steve afirmou o seguinte:
“Não percebi, na época, mas ser demitido da Apple foi a melhor coisa que poderia ter acontecido. O peso do sucesso foi substituído pela leveza do recomeço. Isso me libertou para um dos mais criativos períodos de minha vida.
Nos cinco anos seguintes, criei duas empresas, a NeXT e a Pixar, e me apaixonei por uma pessoa maravilhosa, que veio a ser minha mulher. A Pixar criou o primeiro filme animado por computador, Toy Story , e é hoje o estúdio de animação mais bem sucedido do mundo. E, estranhamente, a Apple comprou a NeXT, eu voltei à empresa e a tecnologia desenvolvida na NeXT é o cerne do atual renascimento da Apple. E eu e Laurene temos uma família maravilhosa.
Estou certo de que nada disso teria acontecido sem a demissão. O sabor do remédio era amargo, mas creio que o paciente precisava dele. Quando a vida jogar pedras, não se deixem abalar. Estou certo de que meu amor pelo que fazia é que me manteve ativo. É preciso encontrar aquilo que vocês amam – e isso se aplica ao trabalho tanto quanto à vida afetiva. Seu trabalho terá parte importante em sua vida, e a única maneira de sentir satisfação completa é amar o que vocês fazem. Caso ainda não tenham encontrado, continuem procurando. Não se acomodem. Como é comum nos assuntos do coração, quando encontrarem, vocês saberão. Tudo vai melhorar, com o tempo. Continuem procurando. Não se acomodem”.
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