1984, o lendário comercial da Apple

1984, o lendário comercial da Apple

Este é o primeiro post de uma série de artigos especiais em que cada um deles relembrarei fatos importantes que marcaram o mundo da tecnologia.  Histórias e curiosidades de momentos únicos. 

Para abrir esta série resolvi relembrar a história do antológico comercial 1984 da Apple. Lançado no ano que dá título a peça publicitária e que foi a forma que a empresa fundada por Steve Jobs e Steve Wozniak encontrou para comunicar um lançamento importante, o primeiro Macintosh.

1984, o rei dos comerciais

“Em 24 de janeiro, a Apple Computer apresentará o Macintosh e você verá por que 1984 não será como 1984”. Assim se encerra esse que é considerada por muitos como o “rei dos comerciais”. Sem dúvidas, uma das peças publicitárias mais lembradas e discutidas na história.

Os motivos para isso não inúmeros. Mas não vamos apressar as coisas. Vamos do início. 1984 é um comercial de 60 segundos que recebeu o mesmo nome do livro que é a referência máxima quando o tema é narrar uma distopia. 

O livro é um clássico absoluto que, mesmo após mais de 70 anos da sua publicação original, continua figurando nas listas de ficções mais vendidas anos após ano. A história impressiona pelo seu fator preditivo. A discussão da vigilância exacerbada tratada no livro é pauta recorrente nos últimos anos com a ascensão das Big Techs.

O enredo do comercial da Apple remete ao conceito do “Grande Irmão”, o famoso termo Big Brother. Este termo que recebeu a alcunha de “orwelliano”, em referência a George Orwell, pseudônimo de Eric Arthur Blair, autor do livro 1984, trata da atomização da sociedade por um estado totalitário.

Levando esse recorte para o mundo da tecnologia, e no contexto da época em que o comercial da Apple foi lançado, seria a tradicional e poderosa IBM como esse Big Brother, a totalitária do universo da computação. E a Apple se colocando na posição de quebrar isso, chamando pra si a responsabilidade de elemento central na luta contra o sistema. 

Para essa ruptura, esse antagonismo direto à IBM, a Apple desenvolveu o que entendia como o produto que daria o “poder da computação às massas”. O Macintosh. Olhando para o passado e para os tempos atuais, o Macintosh se tornou realmente o produto que a Apple seguiu investindo como sua grande plataforma em termos de computação pessoal.

No entanto, o primeiro Macintosh não alcançou o que a Apple planejara, foi, inclusive, motivo de uma “queda de braço” interna que resultou na saída de seu cofundador, o sempre lembrado, Steve Jobs.

Steve fracassou em dois projetos anteriores em que assumiu as rédeas internamente na Apple. O Apple III e o Apple Lisa. O Macintosh viria para romper isso. Mas não foi assim. Acabou que o comercial com toda sua mensagem ideológica teve mais impacto que o próprio produto.

O grande lance do comercial 1984 é o momento em que uma uma mulher surge em cena, com direito a uma camisa com a silhueta do Macintosh como estampa (a mesma imagem que aparece na caixa do Macintosh). Ela arremessa sem pudor um martelo contra uma grande tela em que o Big Brother, encarnado no comercial pelo ator David Graham, transmitia sua mensagem.

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A garota de atitude aniquila de uma vez por todas o discurso doutrinador. Destruindo uma hegemonia que doutrina as massas de uma maneira estúpida e apática – sensação muito bem representada pelo tom de cinza dos personagem do comercial que marcham e seguem em estado hipnótico perante ao discurso autoritário.

A mulher que mostra a iniciativa de romper com esse padrão destoa totalmente do resto do vídeo. Ela tem cores e a virilidade de quem luta pelo seu ideal. É assim que a Apple queria se vender em 1984. A empresa descolada que luta contra tradições burocráticas e engessadas, como era o caso da IBM – na visão de Jobs e outros executivos da Apple.

Um comercial com uma mensagem de tamanho impacto, capaz de gerar interpretações que fogem completamente do mundo tech, obviamente, passou por uma tremenda resistência interna. A mensagem jovial e disruptiva que a Apple queria passar para o mundo também rivalizava internamente com executivos que temiam uma divulgação de tamanho impacto.

A decisão de lançar ou não o comercial orçado em 700 mil doláres e produzido pela agência de publicidade Chiat / Day, atualmente chamada de TBWA\Chiat\Day, foi um dos primeiros grandes embates internos que Jobs enfrentara até renunciar seu cargo na Apple e se afastar da empresa que ajudou a fundar. 

John Sculley, CEO da Apple na época, e que se tornou o grande algoz na carreira de Jobs, ficou bastante receoso com a ideia de lançar um comercial dessa maneira. Não só ele, outros membros do conselho também desaprovavam a ideia de dar o aval para o comercial. Mas dessa vez Steve venceu.

Como é descrito no livro “Como Steve Jobs virou Steve Jobs” (Editora Intrínseca, 2015), Bill Campbell, que na época era diretor de marketing da Apple, resolveu apoiar a ideia e lançar o comercial. E assim foi feito.

Filmado em Londres, com direção de Ridley Scott, que estava em um excelente momento pelo sucesso de Blade Runner, e participações do já citado David Graham e da Anya Major – a responsável por arremessar o martelo na tela -, o comercial foi veiculado pouquíssimas vezes. A ação de maior impacto aconteceu no dia 22 de Janeiro de 1984, quando o comercial foi exibido no intervalo do Super Bowl XVIII.

Não demorou muito para que a peça se tornasse um momento marcante, assim como o livro que a originou. Mais de 96 milhões assistaram o comercial que se tornou um clássico e um viral, motivo de discussões e menções constantes numa era pré-internet comercial, uma era em que redes sociais como conhecemos hoje não era nem um conceito abstrato.

O vídeo também foi um chacoalhão para que outras empresas também apostassem de maneira mais enfática em comerciais superproduzidos. 

Está lembrado que eu disse que o comercial e o próprio Macintosh contribuíram para a saída de Steve Jobs da Apple? Bom, é isso. O Macintosh fez um extremo barulho, em grande parte pelo comercial e pela apresentação irretocável que Jobs fez do produto dois dias após a exibição do comercial durante o intervalo do Super Bowl, mas, as vendas decepcionaram.

O primeiro Mactintosh, conhecido como Macintosh 128K (em alusão a sua memória interna ) fracassou. As vendas do produto despencaram no segundo semestre de 1984. Decisões estratégicas acabaram culminando em uma experiência ruim para o usuário, como a decisão de Steve de não incluir mais do que 128K de memória, a fim de manter o preço do produto baixo (chegou ao mercado por US$ 1.995).

O grande legado do primeiro Macintosh foi mostrar ao mundo como a experiência do usuário com um sistema operacional com ambiente gráfico poderia ser bonita, intuitiva e ao mesmo tempo que facilita a vida de quem utiliza o computador.

Como dizia Jobs, o computador é como uma bicicleta pra mente. Para esse aprendizado, no sentido abstrato de “pedalar”, a interface gráfica, que foi sendo refinada a partir do boom do primeiro Macintosh, foi determinante.

Com o fracasso das vendas e uma disputa interna com o CEO John Sculley, Steve perdeu. Saiu da Apple. Retornou apenas nos anos 90, devido a um conjunto de fatores no maior estilo “obra do destino”. Mas isso é papo pra outra hora.

O comercial 1984 trouxe uma reflexão de grande impacto para a apresentação de um produto. Sem dúvidas, um grande momento da história da tecnologia.

Sobre o Autor

Editor-chefe no Hardware.com.br, aficionado por tecnologias que realmente funcionam. Segue lá no Insta: @plazawilliam Elogios, críticas e sugestões de pauta: william@hardware.com.br
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