Quando definiu que lançaria seu próprio console, a Microsoft tinha como estratégia lançar um videogame baseado em componentes de PC. Desse conceito surgiu o Xbox, lançado em 2001. Relembrei recentemente as especificações dele neste artigo.
Essa ideia da união de uma plataforma para jogos com cara de PC fica ainda mais evidente quando nos deparamos com a versão alpha do DevKit do primeiro Xbox. Literalmente um gabinete no estilo torre. Mais clássico e relacionado ao mundo dos PCs impossível.
Xbox Alpha 1 & 2 Development Kits
byu/gamebox_ukv inoriginalxbox
Mas você sabe exatamente o que é a versão DevKit de um console? Bom, esse é o objeto de discussão desse artigo. Vamos passar sobre esse elemento tão importante para o desenvolvimento de jogos.
É importante pontuar aqui que focarei no sentido de DevKit para o mercado de consoles. O termo DevKit é aplicado de maneira bem mais ampla, não necessariamente relacionado somente a consoles e jogos.
O que é um Devkit?
Um DevKit, ou Development Kit, trata-se basicamente de um material que é de suma importância para desenvolvedores em determinada aplicação.
Correlacionando ao mundo da música, esse kit de desenvolvimento seria como um click para a marcação da bateria, ou uma voz guia. Elementos que auxiliam a desbravar um arranjo. No caso de hardware e software, o DevKit é um meio para que os desenvolvedores saibam em que “terreno estão pisando”. Em suma, contribui para a precisão da criação, do desenvolvimento.
E o que é o DevKit de um console?
Um console DevKit é basicamente um videogame para aqueles que criam os jogos. Esse console prévio, uma versão que não é voltada ao público, é o primeiro contato que desenvolvedores parceiros da marca do videogame terão com o projeto, em termos de hardware e software. É entender o que aquela determinada plataforma pode oferecer. E encaixar a estratégia de desenvolvimento tendo esse fator como base.
Esses Devkits são desenvolvidos para trazer uma certa flexibilidade para os desenvolvedores. Portanto, podem garantir mais capacidade de processamento e memória, por exemplo, quando comparado com a versão final, que chegará ao consumidor.
A cópia
Uma história lendária envolvendo um DevKit aconteceu em 1990. A EA simplesmente fez engenharia reversa no kit de desenvolvimento do SEGA Genesis, o famoso Mega Drive.
A EA queria o DevKit do Genesis, eles tinham objetivo em produzir games para esse console, mas a SEGA não estava dando conta da demanda de entregar o console para todos os interessados.
O pessoal da EA conseguiu acesso a um Devkit de um terceiro. Como eles teriam que devolver, estudaram a máquina de cabo a rabo, e fizeram a sua própria versão do kit de desenvolvimento do Genesis. Esse Devkit pirata segue até hoje em exibição no escritório da SEGA, em São Francisco, EUA.
No livro “Stay Awhile and Listen: How Two Blizzards Unleashed Diablo and Forged a Video-Game Empire”, David Bevik, cofundador da Blizzard menciona que o DevKit do Genesis era um excelente kit de desenvolvimento.
“O kit de desenvolvimento para o Genesis era um excelente DevKit. Para os kits da época, estava muito bem feito. Era possível codificar na própria caixa, mas não era possível testar (o código em qualquer máquina) exceto neste kit”, afirmou Bevik.
Quando começou essa prática de um console Devkit?
A história acima remonta a década de 90, isso simboliza que essa prática de entregar aos Devs uma máquina para eles entenderem melhor do que se trata aquela plataforma é algo antigo.
Na verdade, isso teve um start nos anos 80. A Nintendo se notabilizou por disponibilizar o primeiro Devkit da maneira como conhecemos hoje. Um kit de desenvolvimento para o primeiro console da marca, o Famicom, também conhecido como NES, ou Nintendinho para os brasileiros. Abaixo você pode ver como era o DevKit desse console.
Começa de um jeito, termina de outro
Não necessariamente o DevKit tem apenas um aspecto, tanto funcional quanto de design. Em algumas ocasiões, mais de uma versão é produzida. A imagem que mostramos lá no topo da matéria, com o DevKit do Xbox no formato de um gabinete torre, foi o modelo alpha do kit de desenvolvimento do primeiro console da Microsoft, mas depois ele ficou bem diferente, parecido com a versão comercial do aparelho.
O mesmo aconteceu com o Devkit do PlayStation. E há uma história bem curiosa em relação a ele.
O kit inicial de desenvolvimento do PS1 tinha relação direta com o PC. Era uma grande caixa chamada PSOne Tool que conectava a um computador e custava aos desenvolvedores cerca de US$ 14.600.
Essa grande caixa tinha placas ISA com o chipset do console, RAM e tudo relacionado a parte técnica. Basicamente consistia em rodar o videogame num computador com Windows 95. Em relação às diferenças entre a versão final do console o destaque ficava por conta da quantidade de RAM: 8 MB no PSOne Tool e 2 MB na versão final.
Posteriormente foi desenvolvida outra versão, conhecida como MW.3, que pode ser considerada como o verdadeiro primeiro protótipo do console. Essa versão chegou às mãos de alguns desenvolvedores. O design era claramente inspirado na linha de computadores NEWS, lançada pela Sony no fim dos anos 80.
O DevKit mais próximo da versão final do console era o que ficou conhecido como “Blue Debbuging PlayStation“.
A SN Systems chegou a desenvolver uma interface chamada PSyQ, que ficava na parte traseira do console, utilizada para a conexão a um PC com Windows 95.
A relação do PS com o PC se estendeu também para o usuário final com um “DevKit caseiro” para o PS2. Em 2002, a Sony criou um kit oficial pensado naqueles que queriam usar o console como um computador pessoal. Este kit incluia um sistema operacional baseado em Linux, mouse, teclado, HD e até adaptador de rede. Esse kit ficou conhecido como “PS2 Linux SDK”.
Outros DevKits de consoles famosos
Vamos ver agora mais alguns DevKits de consoles famosos
GameCube
Nintendo 64
PSP
PlayStation 2
SEGA Saturn
PlayStation 3
PlayStation 5
Os DevKits são distribuídos de graça aos desenvolvedores?
Depende. Em muitas situações, ainda mais dependendo da relação da desenvolvedora com a empresa do console, alguns estúdios precisaram comprar o DevKit. O Kit de desenvolvimento do SEGA Genesis custava cerca de US$ 20.000, segundo o relato de David Bevik, cofundador da Blizzard.
Atualmente, parece que é mais comum a distribuição direta aos Devs. No entanto, não são todos os interessados que conseguem acesso à máquina. Um exemplo claro aconteceu em 2020. Miles Jacobson, da Sports Interactive, resolveu explicar em sua conta no X por que Football Manager 2021 não seria lançado para o PlayStation.
Ele relatou que não se tratava de uma espécie de exclusividade por parte da Microsoft, a Sony que não demonstrou interesse. “Bem, basicamente, a Microsoft abordou-nos para ter os nossos jogos na sua plataforma, enquanto a Sony não. As plataformas têm bloqueios”, explicou.
Ele também disse que não recebeu um DevKit do PS5:
“Para criar jogos para uma plataforma, precisa de um dev kit,” explicou Jacobson nessa mensagem. “Para ter um devkit, a dona da plataforma precisa querer o jogo nessa plataforma. Falamos com a Sony, não temos devkits. Falamos com a Microsoft, enviaram-nos para nós.”
Portanto, o acesso ao DevKit está inteiramente ligado a pretensão da dona da plataforma em ter aquele produto. E como o DevKit demanda um alto custo para sua produção, é feita uma filtragem para que somente certos Devs recebam. Tudo depende do acordo de cada Dev com as empresas responsáveis pelos consoles.
Deixe seu comentário