Nintendo x locadoras, relembre como foi esse embate lendário que aconteceu entre os anos 80 e 90

Nintendo x locadoras, relembre como foi esse embate lendário que aconteceu entre os anos 80 e 90

“Estamos preocupados com o fato de que a locação de videogames pode ter um efeito muito negativo sobre a indústria de jogos. Muitas pessoas simplesmente alugam um jogo, jogam até acabar, depois o devolvem, sem nunca ter que comprá-lo. Isso significa que o produtor de jogos não recebe royalties e, como resultado, não tem incentivo para criar jogos de alta qualidade.

Essa foi uma das inúmeras declarações que Howard Lincoln, vice-presidente sênior e conselheiro geral da Nintendo of America nos anos 80 e 90, fez contra o mercado de locação de videogames, que resultou numa batalha campal da Big N contra locadoras dos mais variados portes, incluindo a maior delas, a BlockBuster.

Nintendo processa locadora

Para compreender o que resultou nos inúmeros processos que a Nintendo moveu contra locadoras em diversos países, incluindo o Brasil, precisamos direcionar nossa atenção inicialmente ao país de origem da companhia responsável por Mario, Zelda e Cia.

Em 1983, jogos já estavam disponíveis para locação. Lojas que seguiam esse modelo de negócio, as locadoras, simplesmente disponibilizavam cópias dos games da Nintendo aos seus clientes. Numa tentativa de emular o que se tornou um sucesso em outras indústrias, como a da música. Alugar um game representava para o consumidor uma maneira mais barata de acessar aquele produto, sem ter que desembolsar o valor cheio, comprando uma cópia em loja.

Naquela época, nenhuma barreira legal impedia que essa prática acontecesse, mas não demorou muito para que um forte lobby, entre empresas e a Associação da Indústria de Gravação do Japão, resultasse numa emenda de lei, de 1984, sobre direitos autorais no Japão que proibia o aluguel de games.

Quando a Nintendo fincou suas raízes nos EUA, a companhia, creditada por muitos analistas como uma das responsáveis diretas por salvar o mercado norte-americano de games, pós-crash de 1983, tentou emular a mesma postura sobre o mercado de locação americano. Atuou de diversas maneiras para frear esse segmento.

8 anos após se estabelecer oficialmente nos EUA, já com o NES no mercado, a Nintendo resolveu entrar em confronto com aquela que já era referência em termos de redes de locação, a Blockbuster, que viveu seus melhores dias na década de 90. Em 1989, a Nintendo entrou com um processo contra a Blockbuster, alegando violação de direitos autorais. Além do incômodo com a locação de seus games, a empresa aproveitou uma artimanha que a Blockbuster estava executando.

Ao alugar um jogo na Blockbuster, o cliente recebia o manual que acompanhava o game. Em muitas situações, por desleixo do locatário, o item retornava em péssimas condições.

Para contornar isso, a Blockbuster simplesmente começou a fazer cópias dos manuais. Isso chegou ao conhecimento dos responsáveis da Nintendo, e a companhia processou a gigante das locadoras por uma clara violação de direitos autorais.

A Nintendo saiu vitoriosa, mas a Blockbuster contornou o processo usando outra tática, produzindo seus próprios manuais que acompanhavam os games alugados. Outras locadoras também copiavam descaradamente os manuais oficiais.

Nesta fase da era dos games, os manuais acabaram se tornando um elemento imprescindível para desfrutar de certos títulos. Numa medida para tentar coibir e diferenciar os manuais falsos dos originais, as empresas adotaram algumas alternativas, como o caso do LHX Attack Chooper, simulador de helicóptero lançado pela Electronic Arts em 1990. Antes de iniciar o game, o usuário era obrigado a inserir alguns detalhes técnicos presentes no manual do jogo.

LHX Attack Chooper

A Nintendo também destacava em seus manuais que o aluguel de jogos sem autorização constituia uma violação de direitos autorais. A empresa também implantou chips nos cartuchos para dificultar a cópia e distribuição dos jogos.

Nintendo

A Batalha da Big N não era apenas com a gigante do setor, a empresa também assustou locadoras menores em vários países, incluindo o Brasil. Locadoras em São Paulo, Minas Gerais, e até mesmo em Brasília, foram acionadas pela empresa por locar seus games sem autorização. 

Em 1990, com a Computer Software Rental Amendments Act, a Nintendo poderia encontrar o desfecho perfeito para os seus planos. 

Essa emenda à Lei de Direitos Autorais dos Estados Unidos visava tornar ilegal o aluguel de software sem a autorização do proprietário dos direitos autorais, a menos que o software fosse adquirido de um distribuidor licenciado. No entanto, a lei permitiria a locação de software após um período do seu lançamento. A emenda nunca foi aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos. Portanto, não se tornou lei. A locação seguiu, e a briga de gato e rato entre a Nintendo e as locadoras permaneceu.

Com a derrota, a Nintendo continou introduzindo medidas tecnológicas anti-cópias, e também acordos pontuais com locadoras para a distribuição legal dos jogos.

Antes que você comece a colocar como a malvada da história, uma espécie de tirana contra os consumidores, limitando que mais gamers conseguissem acessar seus jogos de maneira mais barata, a posição da Nintendo foi uma pura e simples defesa de seus interesses.

Nintendo x locadora

Distante dos discursos vendidos pelas equipes de marketing das empresas dos mais variados setores, internamente, todas as companhias estão buscando proteger seus interesses, e sua posição de mercado. Órgão reguladores, mídia e os consumidores é que precisam seguir em eterna vigilância e fazer o contraponto aos discursos e possíveis abusos corporativos. Mas não tem essa de herói ou vilão moral nesse caso da Nintendo.

A empresa mantinha um entendimento de mercado, uma posição estratégica, que poderia ser bem ou mal-sucedida e ponto. Diametralmente oposto a posição que a Nintendo teve com essa questão da locação, tínhamos a Sega, que vendia a bandeira favorável a esse mercado, como uma forma de ampliar a divulgação de seus games.

Novamente, isso não torna a Sega mais “benevolente” com o público. Naquele momento estávamos falando de uma das batalhas mais interessantes do mercado de jogos, com a Sega correndo por fora, adotando medidas práticas e de comunicação que faziam o contraponto à Nintendo. Boa parte dessas decisões tornavam a Sega, aos olhos do público, uma empresa mais descolada, menos engessada e burocrática. Era a linha de discurso ideal para dar um impulso na venda dos produtos SEGA.

Esse modo mais controlador da Nintendo, que se mantém até os dias de hoje, chegou a ser apelidado de “capitalismo Nintendo”, uma maneira de taxar a forma como a empresa controla com rigor o mercado de jogos para os seus consoles.

Com a Nintendo tentando limitar o acesso de seus games às locadoras, como a Blockbuster, recusando vender diretamente a elas, os pontos de locação passaram a comprar direto na ponta, com lojistas, que também recebiam pressão da Nintendo, para limitar o número de cópias por comprador. 

No início dos anos 90, a Nintendo passou a se incomodar ainda mais com o panorama da locação e da pirataria. aA advogada Christine Chapin, que representava o departamento legal da Nintendo norte-americana, chegou a afirmar em 1995, que o principal concorrente da Nintendo no mercado de videogame eram os “falsificadores”.

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Naquele ano, a companhia tinha faturado US$ 4,7 bbilhões dos US$ 15 bilhões movimentados pelo setor em vendas mundiais de cartuchos. A comercialização de produtos piratas alcançou US$ 3 bilhões.

É curioso também relembrar as práticas que a Blockbuster adotava para a locação de games da Nintendo e até mesmo da SEGA. Foram instalados nas unidades da rede de locadoras um sistema desenvolvido pela NewLeaf que permitia a cópia de jogos em 20 segundos.

Após muita dor de cabeça, e algumas batalhas perdidas, a Nintendo chegou a se unir de uma maneira única com a Blockbuster.

Alguns jogos acabaram sendo lançados exclusivamente na Blockbuster nos EUA, como o caso de Final Fighy Guy

Nos anos seguintes, a Nintendo ficou ainda mais próxima do mercado de locação, que foi perdendo força ao longo da década de 2000. 

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Editor-chefe no Hardware.com.br, aficionado por tecnologias que realmente funcionam. Segue lá no Insta: @plazawilliam Elogios, críticas e sugestões de pauta: william@hardware.com.br
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