Ontem por volta das 14h mais de 100 milhões de brasileiros (me incluo nessa lista) ficaram por algumas horas sem acessar oficialmente o WhatsApp (digo oficialmente porque utilizando aplicativos de VPN, o que não é nada seguro, o app poderia continuar funcionando).
Esse bloqueio foi o terceiro em menos de um ano no Brasil. O primeiro foi em 17 de dezembro de 2015, e o segundo no dia 02 de maio de 2016. Nos três casos o motivo foi o mesmo: a falta de contribuição do WhatsApp, ou Facebook, já que é a empresa responsável pelo app, com dados para investigações.
Os três bloqueios compartilham outras similaridades: a primeira é a grande comoção dos brasileiros em relação ao ocorrido, já que além de jogar conversa fora, o app também é utilizado por muitas empresas e autônomos para fechar acordos e negócios por exemplo. Outra característica é que a restrição ao app caiu por terra bem antes do combinado.
No caso do terceiro bloqueio, mais ou menos as 19h o app já retornara ao seu funcionamento normal. A decisão partiu do STF (Superior Tribunal Federal) por meio do seu presidente, o ministro Ricardo Lewandowski. O ministro resolveu suspender o bloqueio determinado pela juíza de fiscalização, Daniela Barbosa Assunção de Souza, da Comarca de Duque de Caxias do Rio de Janeiro porque considerou o bloqueio uma medida desproporcional, já que o alcance do app no Brasil é gigantesco.
A juíza Daniela Barbosa determinou o bloqueio devido a uma investigação que ocorre em sigilo na 62ª Delegacia de Polícia na cidade da Baixada Fluminense. A ordem foi para que o Facebook interceptasse as mensagens de um suspeito antes que elas fossem criptografadas, porém como o Facebook e o WhatsApp mantém o discurso que não possui os tais dados, já que nada é arquivado, o pedido não pôde ser atendido. O desfecho disso você já sabe: bloqueio do aplicativo.
Essa trilogia de bloqueios do app me fazem lembrar a grande repercussão entorno do caso iPhone do terrorista Syed Rizwan Farook, envolvido em um tiroteio em San Bernardino, Califórnia, em dezembro de 2015. Durante as investigações o FBI encontrou o iPhone 5c de Syed, mas devido a segurança do dispositivo os dados não puderam ser acessados. A agência resolveu então pedir que a Apple desbloqueasse o aparelho, no entanto, Tim Cook, CEO da companhia, negou o pedido, já que considerou a solicitação um precedente para que uma série de problemas de segurança pudessem vir a tona.
É bom deixar claro que a Apple já contribuiu em diversas vezes com a polícia, e muitas dessas vezes colocou a privacidade do usuário em cheque. Porém, a proporção desse caso de San Bernarido colocou a companhia em uma verdadeira sinuca de bico, já que caso aceitasse tal decisão sem relutar, viria contra a toda divulgação que o iPhone e o iOS é mais seguro do que, graças recursos como a exclusão dos dados quando uma senha incorreta é digitada muitas vezes.
Mariano Miranda, gerente de marketing da AVG na América Latina nos disse em uma entrevista que por mais que desejemos a captura e punição de todos os terroristas e criminosos, enfraquecer a segurança dos softwares e dispositivos com esse objetivo, traz uma ameaça ainda maior para os cidadãos comuns que precisam ter a sua privacidade e segurança preservadas.
Recursos de segurança como a criptografia funcionam de diversas maneiras, além da aplicação prática relacionada a preservação dos dados do usuário é um grande chama público. Por mais que muitas pessoas não saibam como a criptografia funciona na prática, a grande maioria associa o termo com proteção, fazendo que o cliente ligue o seu produto com algo confiável. Pedir para que uma empresa se auto boicote em termos de segurança é jogar uma pá de terra nos avanços para a sua base de clientes.
No caso do WhatsApp essa questão da segurança como chamariz para chamar novos usuários é bem visível. A partir do dia 31 de março de 2016, o aplicativo adotou a criptografia ponta a ponta, o que garante uma neutralidade ainda maior para o usuário. Esse tipo de anúncio aliado ao ambiente nada invasivo proporcionado pelo Whats deixa o usuário ainda mais acomodado e que realmente está em um ambiente seguro.
No entanto como o alcance do aplicativo é gigantesco, em fevereiro o app alcançou 1 bilhão de usuários no mundo (e claro que nesse 1 bilhão de usuários estão pessoas de todas as espécies, de padres a terroristas) e com toda essa aura que a criptografia ponta a ponta traz, é um ótimo celeiro para que etapas de um crime sejam desenhadas. Ainda mais atualmente onde o terrorismo recruta novos membros através de aplicativos como o Telegram.
Olhando por essa ótica o pedido de bloqueio de apps que não contribuem com investigações torna-se mais aceitável. Alguns advogados que recriminam o bloqueio de apps como o WhatsApp dizem que a medida não pode atingir usuários que não tenham relação com o problema. Sabe aquela velha frase de que em um grupo onde um está errado todos pagam? Quando falamos em uma base de 100 milhões de pessoas a coisa é bem diferente.
Outra coisa curiosa é a posição que o Facebook juntamente com o WhatsApp adotou em casos como esse, a resposta é sempre pronta: não temos os dados. A criptografia funciona como uma salvaguarda para que as empresas saiam de fininho em situações que não queiram se inserir. De santo o Facebook não tem nada, além de sua grande força no mercado capaz de ditar regras, a companhia utiliza diversos métodos bem dúbios quando o seu interesse está em jogo. Em 2014 por exemplo eles foram acusados de bisbilhotar o chat de seus usuários, para que na hora de direcionar a publicidade de seus parceiros, a precisão seja maior.
Isso sem contar que na prática nenhum usuário sabe na verdade como seus dados são administrados, já que tudo é sempre altamente restrito. Um caso prático é quando a palavra terceiros está em jogo. Nunca fica claro como e quem são os tais terceiros que um serviço ou produto que você utiliza recebe os dados. Abaixo você pode ler um trecho das políticas de privacidade das SmartTVs da Samsung que lidam com recursos de voz, o que deixa bem claro que como as informações são administradas é sempre um ponto de interrogação gigantesco.
Você pode controlar sua SmarTV, e utilizar muitas das suas características, como o comando de voz. Caso você habilite este recurso, você poderá interagir com a sua SmartTV utilizando a sua voz. E para proporcionar o reconhecimento de voz, alguns comandos podem ser transmitidos (juntamente com informações sobre o dispositivo, incluindo identificação do dispositivo) para serviços de terceiros que convertem a sua voz em texto ou na medida necessária para forcener os recursos de reconhecimento de voz para você. Além disso a Samsung poderá recolher os dados para avaliar e melhorar os recursos. Por favor esteja ciente de que suas palavras podem contar informações pessoais ou confidenciais, e essa informação estará entre os dados capturados e transmitidos a terceiros por meio do uso de reconhecimento de voz.
Devido a esse extremismo o embate entre empresas e nações será ainda maior, já que as empresas irão defender o seu lado, levantando que a criptografia e outros recursos são altamente benéficos (e realmente são), porém levando isso como ferro e fogo, a qualquer custo. Enquanto as nações irão defender que devem haver casos e casos, e claro que também querem brechas para poder manter certo controle em como a sua população se comporta, vide o que faz a NSA com o mundo todo.
O próximo capítulo dessa minissérie em relação ao WhatsApp no Brasil está sendo encabeçado por advogados do PR (Patido da República) que irão acionar o STF pedindo uma liminar que impeça que decisões judiciais suspendam ou proíbam serviços de troca de mensagens como o WhatsApp. O intuito é que seja alterado um trecho do Marco Civil da Internet que autoriza interrupção temporária do serviço e a proibição das atividades quando os apps se recusarem a entregar dados protegidos.
Assim como a polêmica da franquia de dados na internet fixa esse assunto ainda irá se prolongar por muito tempo. Qual a sua opinião em relação a essa série de bloqueios? Aplicativos que não contribuem com investigações devem ser bloqueados? Participe abaixo da nossa enquete.
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