Em meados dos anos 90, Reed Hastings e Marc Randolph, inspirados na já promissora Amazon, adaptaram o modelo de entrega de livros por correspondência para filmes por correspondência. Era o início de uma empresa que ajudou a moldar hábitos de consumo do entretenimento que são uma regra hoje. E essa empresa está completando 25 anos. A Netflix.
Muitas pessoas que confortavelmente acessam o catálogo oferecido pela Netflix, maratonando sucessos como Stranger Things, desconhecem a origem do serviço, que tem relação com o ato de assistir filmes através de uma mídia física, hábito que está cada vez mais em desuso, em parte pela revolução que a Netflix, com o streaming, ajudou a colocar em curso.
A Netflix passou de locadora de DVDs para uma plataforma que entrega conteúdo variado por streaming, mas não abandonou sua origem. O serviço de locação de DVDs da empresa segue ativo, e ainda é utilizado por 2 milhões de pessoas nos Estados Unidos.
Inicialmente, a ideia de Hastings e Randolph nem era enviar DVDs por correspondência. O objetivo era trabalhar com um formato anterior usado para a distribuição de conteúdo gravado, a fita, em particular o famoso VHS, desenvolvido pela JVC, vencedor de uma das guerras de formatos contra a Betamax, opção da Sony.
Mas não era viável em termos de mercado. Os sócios da Netflix descobriram que enviar a receber de volta uma fita VHS custaria quatro dólares cada trecho. Era muito caro! No entanto, uma transição tecnológica mudaria tudo. Um amigo de Hastings contou a ele sobre uma nova invenção, o DVD, que lembrava o CD em termos visuais e físicos, mas com uma capacidade de armazenamento maior.
“Corri até os correios e enviei diversos CDs para mim mesmo (não consegui encontrar um DVD de verdade para fazer o teste). Cada um custou 32 centavos. Então, voltei para casa em Santa Cruz, Califórnia, e esperei ansiosamente que chegassem. Dois dias depois, caíram pela fenda do correio, ilesos”, relembra Reed Hastings no livro “A Regra é Não Ter Regras: A Netflix e a Cultura da Reinvenção” (Editora Intrínseca, 2020).
Isso aconteceu no dia 29 de agosto de 1997, que ficou marcado oficialmente como o dia de início da Netflix. A transição do VHS para o DVD conseguiu viabilizar um serviço de locação de filmes, em que o consumidor escolheria os filmes por um site (Netflix.com) e receberia os discos no conforto do seu lar, via correios.
Era uma ruptura aos modos tradicionais de consumo: ir ao cinema, assistir por algum canal de TV ou se deslocar até uma locadora e encontrar um bom filme nos diversos corredores com dezenas de prateleiras.
A Netflix também queria promover uma ruptura com um modelo de negócios que não fazia o consumidor se sentir um idiota, nas palavras de Rastings. Hastings era um aficionado por alugar VHS na lendária Blockbuster, e sempre devolvia logo as fitas para evitar as famosas multas por atraso – estratégia que era responsável por boa parte dos lucros da outrora gigante da locação.
Certa vez, Hastings notou, mexendo numa pilha de papéis na mesa da sua sala de jantar, que esqueceu de devolver a fita do conhecido filme Apollo 13, dirigido por Ron Howard e lançado em 1995. Quando levou a fita de volta para a Blockbuster teve que pagar uma multa de 40 dólares. “Eu me senti um idiota”, relembra o executivo.
Desse momento, Hastings tirou a seguinte conclusão: “se o seu modelo de negócios depende de induzir sua base de clientes a se sentir idiota, dificilmente você obterá muita lealdade por parte partes”.
Com esse caso, que também é um excelente exemplo de storytelling para a Netflix e sua cultura de ruptura com modelos burocráticos, a companhia conseguiu construir uma imagem de serviço descolado, um contraste total com a Blockbuster, que chegou a ter a oportunidade de comprar a Netflix e rejeitou. Atualmente, muitos defendem que a Netflix está meio que se tornando uma Blockbuster em relação à imagem da marca, passando uma sensação de serviço que não está sabendo acompanhar as mudanças de mercado e lidar bem com a concorrência.
Da experiência amarga de Hastings, com a devolução do filme de um diretor consagrado, saltamos para 1998 e o clássico “Os Fantasmas Se Divertem” (1988), do também consagrado cineasta Tim Burton. Este foi o primeiro filme alugado na Netflix. Foi postado nos correios no dia 10 de março de 1998.
A Netflix começou com 30 funcionários e um catálogo de 925 filmes, praticamente todos os títulos haviam disponíveis em DVDs na época. Diferentemente da Blockbuster, nada de multas por atraso na devolução. Era uma estratégia para criar o senso de lealdade que a Netflix queria imprimir.
O modelo de assinatura, que virou uma marca da Netflix e dos demais serviços de streaming de vídeo, foi adotado pela empresa em 1999. O cliente não iria mais pagar por filme alugado, ele se tornaria um assinante deste clube dos amantes da sétima arte.
Após 2 anos de mercado, a Netflix já tinha 400 mil assinantes, e também enfrentou sua primeira grande crise. A primeira bolha da internet, que varreu do mapa diversas empresas que tinham como base o mercado online, afetou a ainda jovem empresa de locação. Não teve jeito. Foi preciso demitir um terço da equipe.
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No início de 2002, o negócio de DVDs da Netflix voltou a crescer. Em 2010 , auge das operações do serviço, a empresa detinha um catálogo de 100 mil títulos, entre filmes e séries, e 20 milhões de assinantes. Nesta época a Netflix enviava cerca de 12 milhões de DVDs por semana para a residência dos seus assinantes.
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O serviço de locação de DVDs, que também disponibiliza filmes em Blu Ray, segue ativo e lucrativo (no ano passado gerou US$ 200 milhões para a Netflix). Os mais de 2 milhões de assinantes recebem em sua casa os famosos envelopes vermelhos com a inscrição “DVD.Com, a Netflix Company”. O serviço custa a partir de US$ 9,99/mês. O assinante pode receber até dois filmes por vez e devolver quando quiser.
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A Netflix também mantém perfis nas redes sociais sobre o serviço que resgata aquela fase nostálgica em que alugar DVD era um dos principais modos de lazer de tantas pessoas mundo afora, e também compartilha causos engraçados, como o episódio de uma pessoa que devolveu o DVD com uma carta em que ela pede desculpas por seu cachorro Scooter ter novamente dado uma bela mastigada nos discos.