40 anos do CD: o queridinho revolucionário

40 anos do CD: o queridinho revolucionário

Impasse: um disco de 12 cm não cabe no bolso de um paletó, alegou um dos pesquisadores da Philips. Bem, vamos ver se isso acontece mesmo ou não, respondeu um membro da Sony. Foram utilizados um paletó japonês, americano e europeu. Ficou provado que em nenhum caso o bolso superior era menor que 14cm de largura. Um disco de 12 cm poderia ser utilizado.

Esse foi um dos inúmeros debates que rolaram entre o fim dos anos 70 e início dos 80, numa parceria vitoriosa entre Sony e Philips, que deu origem ao desenvolvimento de uma das principais tecnologias da história da era digital e do entretenimento, o Compact Disk, o ilustre CD, que completou 40 anos.

40 anos do CD

Nas ondas sonoras do mundo digital

Quando falamos de tecnologia e inovação, a ideia de um emaranhado de ideias do passado e revisões no presente, conectadas para algum propósito, sempre dá o ar da graça, e com o CD isso não foi diferente. O desfecho que deu origem ao Compact Disk, em meados dos anos 80, está entrelaçado com o fim da década de 60, quando o físico James Russell patenteou a tecnologia óptica que deu origem à gravação de áudio digital.

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James Russel

Nesta mesma década, Heitaro Nakajima ocupava o posto de chefe dos Laboratórios de Pesquisa Técnica da NHK, e iniciou suas pesquisas em tentar entender como o som poderia ser digitalizado. Dessa missão surgiu o primeiro gravador de fita de áudio digital, e um crescimento no interesse no áudio capitaneado por uma sequência de bits, visando melhorar a qualidade de som das transmissões FM.

No início da década seguinte, Nakajima deixa a NHK e embarca na Sony para ocupar o posto de chefe do Centro de Tecnologia de Áudio, e ao lado de Jun Takayama e Hiroyuki Suzukawa seguem na busca pelo aperfeiçoamento do som digital, utilizando o sistema PCM (Pulse Code Modulation).

Nakajima e sua equipe chegaram então ao processador de áudio PCM-1, que permitia que as gravações de vídeo em Betamax, formato que viria perder a batalha das fitas de vídeo para o VHS, gravasse e reproduzisse som digital. O PCM-1 chegou a ser comercializado (lançado em 1977 por US$ 2.000) e foi o primeiro produto do mundo a permitir gravação e reprodução digital.

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PCM-1

Algum tempo depois, em parceria com as também japonesas Mitsubishi e Hitachi, a Sony desenvolveu o DAD (Digital Audio Disc). Ele tinha o mesmo tamanho de um LP convencional e com a capacidade de entregar cerca de 30 minutos de reprodução.

A Philips também vinha adquirindo experiência com mídia de armazenamento óptico. Foi ela a responsável por lançar o LaserVision (mais tarde CD-Video, depois Laserdisc), que era um híbrido entre o mundo analógico e digital. As informações de imagem e som eram lidas por um laser – assim como no caso dos CDs, mas a codificação era feita de modo analógica. Foi desenvolvido por Senri Miyaoka, o responsável pela TV a cores Trinitron.

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Quando olhamos para os discos ópticos, a tecnologia basicamente acontece em torno de dados convertidos em sinais digitais binários e gravados na superfície de um disco com uma matriz de uns e zeros. Quando ocorre a reprodução do disco, os sinais digitais são convertidos em sinais eletrônicos à medida que um feixe de luz faz a leitura.

A Philips, em seu laboratório em Eindhoven, Holanda, conseguiu aprimorar as técnicas de gravação óptica e digitalização dos dados. Enquanto a Sony investia fortemente na correção de erro do sinal, fundamental para a retificação quando um bit é lido de forma incorreta, situação que ocorre em maior número quando comparado a fita. Eram duas empresas fazendo avanços importantes que resolveram unir forças.

74 minutos de diversão

40 anos do CD

Sony e Philips uniram forças após Norio Ohga, lendário ex-presidente da Sony, à frente no posto de mandatário da gigante japonesa entre 1982 e 1995, receber um telex de Lou Ottens, que era executivo técnico da Philips, com a seguinte mensagem: se você vier à Europa, visite-nos”.

Essa visita selaria uma nova importante parceria entre as companhias, que nos anos 60 conseguiram chegar a padronização global de outro importante invento, a fita cassete, que surgiu na Philips, por uma equipe de engenheiros liderada por Ottens.

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Lou Ottens e a fita cassete

Ottens demonstrou para Ogha um disco de 11,5cm com um tempo de reprodução 60 minutos e perguntou ao executivo da Sony se haveria a possibilidade de desenvolver e comercializar em conjunto este novo disco óptico.

O acordo foi firmado, no final de agosto de 1979 a força-tarefa Sony e Philips foi iniciada. A ideia de um disco de 11,5 cm com 60 minutos de duração foi logo contestada pelos pesquisadores da Sony. A Philips, lembrando seu padrão anterior de sucesso, defendia que esse novo disco tinha que ser de 11,5cm, mesmo comprimento diagonal que uma fita cassete, já Ogha, por parte da Sony, defendia que o disco tinha que ser maior, elevando a capacidade total de reprodução que o CD poderia oferecer.

Seria um disco de 12 cm com 74 minutos. Ogha, que também fora um cantor de ópera, defendia que o disco tinha que ter a capacidade de armazenar toda a Nona Sinfonia de Bethoven. No entanto, os compradores não desfrutavam dos 74 minutos completos até 1988 – até então, os CDs tinham apenas 72 minutos. 

A Phililis também concordou com a proposta que  o CD deveria ter uma frequência de amostragem de 44,1 Khz e 16 bits. 

Contratempo

Além de todos os contratempos enfrentados durante o desenvolvimento do CD, aprimorado durante um ano, com base nas especificações definidas previamente, a nova empreitada também enfrentou uma forte resistência da indústria fonográfica. Os LPs estavam muito bem estabelecidos, tanto em termos tecnológicos quanto comerciais.

Sony e Philips não esmoreceram, diversas demonstrações da nova tecnologia foram feitas em todo o mundo e muitas negociações internas também tiveram que rolar.

A CBS, que formava uma joint venture com a Sony, não estava disposta a fazer a transição. Seria necessário um investimento pesado para alterar parte dos equipamentos para que a produção do CD, que era bem diferente a do vinil, pudesse ser realizada.

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Ogha conseguiu convencer a CBS, dizendo que com apenas parte dos lucros da CBS/Sony poderia ser construída uma fábrica de CDs. O pontapé inicial na produção veio da Philips, por intermédio da sua gravadora Polygram. Em 17 de agosto de 1982 começou oficialmente a produção do CD em Langenhagen, próximo de Hannover.

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Alguns dias depois, em 31 de agosto, veio o anúncio oficial. Reunindo Sony, CBS/Sony, Philips e Polygram, era o start em mais uma tecnologia que revolucionaria o mercado, lançado a aproximadamente 100 anos depois de Thomas Edison inventar o fonógrafo, simplesmente o primeiro aparelho capaz de gravar e reproduzir sons.

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Fonógrafo

Nada é como antes

O compacto disco prateado que transporta o ouvinte para um novo mundo, mais imersivo e prático. No final de 1984, o número de CDs produzidos era apenas um décimo do número de LPs. Em 1986, a produção de CDs subiu para 45 milhões por ano, superando em muito a produção de LPs. Em apenas 4 anos, desde seu lançamento, o CD se transformou no principal meio para consumo de áudio, destaca a Sony. 

Não demorou muito também para que a Sony fizesse um novo plus tecnológico para o CD , apresentando o MiniDisc, e também uma possibilidade que acabou virando um calcanhar de aquiles para o controle da indústria e proteção de direitos autorais: o CD regravável. Também houve espaço para uma revolução no consumo de música portártil, o discman, que ganhou a primeira versão (D50) em 1984.

40 anos do CD
Sony D50

O CD foi o produto de uma época em que faixas e álbuns inteiros ainda eram cultuados, distante do panorama mais imediatista e descartável, o CD foi um propagador de uma nova experiência em som e conquistou adeptos em todo o mundo.

O jornalista e escritor Luiz Felipe Carneiro, responsável pelo canal no Youtube Alta Fidelidade, e autor de livros como Os 50 maiores shows da história da música, foi e continua sendo um adepto dos CDs.

Carneiro nos conta que seu contato mais próximo com o CD começou em 1990. Neste ano, na volta de uma viagem ao Japão, seus pais trouxeram um discman com 10 CDs. A imagem dos dois primeiros discos que saíram da mala permanece até hoje na memória do jornalista: The Seeds of Love (1989), do Tears for Fears, e o Flowers in the Dirt (1989), do Paul McCartney.

“Eu só queria saber de CD. Não acumula poeira, não tem chiado, não precisa mudar o lado, o som é límpido. No entanto, naquela época um CD era muito caro. Eu precisava optar: comprava um CD ou três LPs. Fique até o início de 1993 ainda comprando muito LP, e eu só comprava CDs de artistas gringos, os álbuns de artistas brasileiros eu comprava em LP”.

Depois de um tempo, Carneiro fez a transição total para o CD, e embarcou com tudo na nova mídia, que ele já considerava superior em termos de som, mas um momento específico foi transformador:

“Uma coisa que mudou a minha vida foi quando meu primo mais velho ligou o discman no aparelho de som. Foi um novo contato com o CD, já que eu só ouvia no fone”.

Mesmo com as mudanças no mercado, e a derrocada do CD para outros formatos, primeiro para o MP3 e agora para o ato de ouvir música por serviços de streaming, Carneiro segue amando o CD, e também ainda adquire alguns LPs.

“Até hoje eu prefiro escutar CD, até hoje eu compro CD, adoro coleções, os boxes especiais com versões remasterizadas”.

Como um bom colecionador e amante da mídia física, Carneiro também se queixa que hoje é mais difícil de comprar certos álbuns. “Os últimos do Caetano Veloso e da Marisa Monte um amigo trouxe da Europa, já que eles não saíram no Brasil”.

“Também observo que aqui no Brasil a gente tem a mania de precisar ‘matar uma coisa’ para nascer outra. ‘Matar’ o vinil para nascer o CD, e depois ‘matar’ o CD por causa da onda do vinil. Não é que o CD vai voltar com força total, o CD pode ser o LP do futuro. Tomara que o CD volte, não com preços estratosféricos, mas que a gente possa comprar os discos dos nossos cantores prediletos, e não ficar só no streaming”, completa o jornalista.

Cerca de 200 bilhões de CDs foram produzidos entre 1982 e 2007, ano em que seu declínio realmente ganhou força, impulsionado pelos downloads digitais, serviço de assinatura e um novo apego aos LPs.

40 anos do CD

Em 2021, de acordo com um relatório divulgado pela RIAA, as vendas de CDs tiveram um crescimento no mercado americano pela primeira vez em 20 anos, movido por fãs fiéis de artistas como Taylor Swift, Olivia Rodrigo e Adele.

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A descoberta que a geração que viu o CD nascer obteve, é agora compartilhada por pessoas mais jovens, que embarcam num efeito transformador e que imprime sensações e memórias que o streaming nunca conseguirá produzir.

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Editor-chefe no Hardware.com.br, aficionado por tecnologias que realmente funcionam. Segue lá no Insta: @plazawilliam Elogios, críticas e sugestões de pauta: william@hardware.com.br
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