Gradiente x Apple: entenda em detalhes essa treta

Gradiente x Apple: entenda em detalhes essa treta

A brasileira Gradiente passava por um bom momento em 2000. A empresa que atuava em diversas frentes, inclusive era a única autorizada oficialmente a fabricar produtos da Nintendo fora do Japão, investia no setor de áudio e vídeo, serviços, entretenimento, segurança e telecomunicações.

Naquele ano firmou um novo posicionamento estratégico dos negócios em outubro e repassou para a Nokia – por US$ 415 milhões -, sua divisão de celulares. A Nokia na época era dona de 30% do mercado mundial de celulares, e brigava diretamente com a Motorola e a Ericsson. 

A relação entre as empresas vinha de anos anteriores. Em 1998, a Gradiente já mirava alto para o seu setor de telecomunicações. A empresava projetava um crescimento de 25% no setor em 2001, um salto e tanto considerando os 10% que a empresa registrara naquele momento. Esse otimismo vinha da proximidade com a gigante finlandesa, parceira em acordos de tecnologia desde 1993.

Já em parceria com a Nokia, baseando-se no modelo 7160 da finlandesa, a Gradiente anunciou em abril de 2000, meses antes da divulgação pública da venda da divisão sua divisão de celulares, o Gradiente iphone. O aparelho foi confirmado em São Paulo, durante uma grande feira de telecomunicações chamada Telexpo.

Prometendo acesso à internet, agendamento de compromissos, calendário interativo, e transmissão de dados sem fio (via infravermelho), o aparelho tinha previsão de lançamento para o segundo semestre de 2000 por R$ 990.

Era pra ser apenas mais um lançamento da Gradiente. Mais um produto no seu já vastíssimo lineup. Mas a palavra iphone viria a transformar, anos depois, essa marca numa das batalhas judiciais mais curiosas já registradas no Brasil, e que até hoje segue com desdobramentos.

Gradiente x Apple

Neste artigo vamos pelos principais pontos desse entrave entre Gradiente e Apple sobre o uso do nome iphone no Brasil.

PlayStation também já foi da Gradiente!

Antes de passarmos diretamente para todo o desenrolar dessa história, é preciso relembrar que a Gradiente já se viu envolvida bem antes num lance parecido, com outra grande empresa internacional.

Em 1991, uma empresa chamada Lismar Ltda, sediada em Recife, entrou com um pedido de registro ao INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) para uma marca chamada PlayStation, anos antes da japonesa Sony colocar no mercado o seu console com o mesmo nome.

A Lismar, que atuava no segmento de atrações eletrônicas, teve a ideia de registrar uma de suas atrações como Play Station, e recebeu a autorização do INPI em 1993 para o registro.

Em agosto de 1999, essa marca mudou de mãos. A Gradiente comprou da Lismar o direito sobre essa propriedade intelectual, visando lançar uma linha de computadores, para entretenimento doméstico, chamada de “Work and Play Station”.

Desde 1995, a Sony vinha tentando alguma forma de ficar com a marca aqui no Brasil. As negociações não avançaram com a Lismar, e um entrave com a Gradiente também aconteceu. Foi solucionado apenas em 2002, com a confirmação da venda.

O primeiro iPhone

Saltando do mercado de jogos para o de telecomunicações, em março de 2000, a IGB Eletrônica, dona da Gradiente, procurou o INPI para registrar a marca “g gradiente iphone”.

Vale pontuar que a inclusão do nome iphone a um produto naquela época não foi uma sacada exclusiva da Gradiente. Em meados dos anos 90, havia uma tendência de posicionar aparelhos que tinham algum tipo de ligação com a internet – tecnologia que foi um chamariz de marketing gigantesco para tentar emplacar toda uma nova gama de produtos.

E nessa tática marketeira para esse posicionamento, algumas empresas usavam o i no começo do nome, como o caso do iphone, para designar um celular com capacidade de acesso à internet. A primeira a fazer isso foi a InfoGear Technology, que em 1998 lançou o iPhone, telefone com suporte a touchscreen e acesso à internet.

Repare que aqui a grafia é exatamente da mesma forma como a Apple aplicaria no seu badalado celular lançado em 2007. Isso tem um porquê.

A Infogear foi vendida para a Cisco em março de 2000, por US$ 300 milhões,  e herdou a marca iPhone. A Apple teve que negociar diretamente com gigante dos equipamentos de rede para ficar com o direito de usar a marca, e conseguiu. Quando o iPhone foi lançado a grafia foi mantida exatamente como foi aplicada pela Infogear.

8 anos de espera

Da tentativa de registro da Gradiente até o pedido ser concedido pelo INPI foram longos 8 anos. Nesse meio tempo, a Apple já estava com o iPhone no mercado, e a Gradiente já não era mais a de outrora.

Após adquirir a Philco em 2005, por R$ 60 milhões, a Gradiente entrou numa aspiral descendente. Dois anos após a aquisição, vendeu a Philco para um grupo de investidores por R$ 22 milhões. Esse grupo licenciou a marca para a Britânia.

A venda era parte de um conjunto de medidas para tentar mudar o panorama financeiro da companhia. No ano anterior da venda da Philco, a Gradiente registrou prejuízo de R$ 114 milhões.

A marca que foi uma das mais famosas no mercado de eletrônicos no Brasil foi perdendo espaço, e a IBG entrou com um pedido de recuperação judicial em 2010.

No apagar das luzes

Em meio a todo o andamento desse turbilhão de coisas a serem sanadas, a Gradiente apostou novamente em 2012 no nome iphone (a Gradiente retornou ao mercado de celulares em 2010, graças a uma parceria com a francesa Sagem).

O lançamento deste novo aparelho também foi uma medida desesperada da Gradiente para não perder de vez a marca iphone para a Apple no Brasil. Em julho de 2007, a Apple tentou o registro da marca, mas o INPI negou.

Como vimos anteriormente, o registro da Gradiente, solicitado em 2000, foi aprovado apenas em 2008. E desde a aprovação, a Gradiente não trabalhou essa marca no mercado. Seguindo as regras do INPI, caso a marca registrada não seja utilizada num prazo de cinco anos o registro expira. Faltando apenas 14 dias para perder a exclusividade no Brasil, a Gradiente colocou no mercado o aparelho que tinha iphone no nome, vendido por R$ 599 na época.

Gradente iphone, lançado em 2012

Em 2012, mesmo ano de lançamento de um novo modelo para a linha Gradiente, a Apple fazia movimentos nos bastidores para tentar blindar os nomes iphone e iPad do que é conhecido como “aproveitamento parasitário”. Definição aplicada para quando empresas tentam registrar produtos, dos mais variados tipos, com uma marca muito conhecida.

Como noticiou a Folha de S.Paulo na época, a Apple, citando levantamentos do INPI, pediu registro da marca iphone para 107 produtos, de sectetárias eletrônicas a fax e máquinas de diversões. A empresa também tentou o registro de “ipad” para 31 produtos que incluíam gravatas, suéteres, lingerie e conjuntos para neve.

Mais um round

Nesse momento, a marca Gradiente, incluindo o nome iphone, estavam sob a batuta da CBTD (Companhia Brasileira de Tecnologia Digital), que arrendou as marcas e ativos da IBG. Eugenmio Staub, presifente do conselho da CBTD, prometeu que iria fazer valer esse direito do uso da marca iphone no Brasil, deixando claro que a Apple não teria moleza nesse assunto. Prova disso é que estamos em 2023, e esse tema segue em andamento.

Em julho de 2013, a Gradiente apostou em mais um aparelho para sua linha iphone, batizado de Gradiente iphone C600.

Gradiente iphone C600

Meses depois, em ouubro, a empresa chegou a perder o monopólio do uso da marca no Brasil. O juiz Eduardo André Brandão de Brito Fernandes, da 25ª Vara Federal do Rio de Janeiro, anulou o registo isolado para os comandantes da Gradiente. Como registro foi feito como “Gradiente iphone”, a Apple poderia seguir também utilizando o nome iPhone, nome comercial mundialmene conhecido.

As inúmeras batalhas acabaram colocando em cheque o INPI, que vinha sendo questionado publicamente pela Apple. AGU (Advocacia-Geral da União) entrou no jogo em 2014, o próprio presidente do instituto declarou na época, em entrevista à Folha, “Não defendo a empresa, mas o ato do Inpi”, disse. “Eu esperava discutir tudo na Justiça sobre esse caso, menos um princípio tão básico da lei de marcas e patentes [o de que tem direito à marca quem primeiro pediu registro].”

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A Apple também declarou publicamente que a Gradiente estava segurando a marca apenas para negociar o uso. Em 2018, o STJ (Superior Tribunal de Justiça), deu decisão favorável a Apple para o uso da marca, mantendo o mesmo entendimento do juiz Eduardo André Brandão em 2013, que a Gradiente poderia utilizar o “Gradiente iphone”, e a Apple o nome “iPhone”. Uma tentativa de acordo foi realizada em 2020, pelo Centro de Conciliação e Mediação do STF, mas não deu certo.

A Gradiente segue agora recorrendo no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2). O julgamento foi iniciado na sexta-feira passada (2), e está empatado. Dois votos favoráveis a Gradiente (Dias Toffoli e Gilmar Mendes) e dois em prol da Apple ( Luiz Fux e Luis Roberto Barroso). Em pedido do ministro Alexandre de Moraes, o julgamento foi adiado na sexta-feira (09), e pode ficar nesse estado por até 90 dias.

Sobre o Autor

Editor-chefe no Hardware.com.br, aficionado por tecnologias que realmente funcionam. Segue lá no Insta: @plazawilliam Elogios, críticas e sugestões de pauta: william@hardware.com.br
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