Em 2010, Steve Jobs baniu muitos aplicativos, considerados inúteis pela Apple, pela ausência de agregar qualquer valor aos usuários e diminuir o ecossistema. Jobs chegou a declarar que “parece que somos maníacos por contro, mas é porque estamos muito comprometidos com nossos usuários e queremos garantir que eles tenham uma experiência de qualidade com nossos produtos”
Quem conhece minimamente a trajetória de Jobs sabe que apreço ao controle e bons produtos são lemas centrais que regerem sua trajetória profissional. Trajetória eternizada em sua segunda passagem pela empresa (1996 – 2011) que ajudou a fundar e que contribuiu diretamente para evitar a sua falência.
O panorama da Apple hoje em dia é completamente outro. A empresa colhe os louros de uma onda de crescimento financeiro que parece não ter fim, alcançando este ano a posição de ser a primeira corporação a chegar a marca de US$ 3 trilhões de valor de mercado.
O feito histórico contrasta com a posição de que a “Apple e seus produtos não são mais os mesmos”, no sentido do fator de influência e de reafirmação do compromisso com sua base de usuários. Essa posição é corroborada por quem esteve la dentro, e hoje em dia analisa de fora. Michael Gartenberg, analista de mercado, e que ocupou a posição de Diretor de Marketing Sênior da Apple, lamenta por chegar a conclusão que a App Store não é mais a mesma. O analista não enxerga mais a loja como a “joia” no ecossistema da gigante de Cupertino.
Essa desvalorização do ecossistema, na visão de Gartenberg, acontece pela busca na maximização da receita da Apple. Essa linha administrativa em cima da maximização de receita está mais em foco do que atender os clientes e ajudar os desenvolvedores de aplicativos a crescer.
Gartenberg enumera alguns pontos em relação a este ponto de vista, mas antes é preciso aplicar aqui um conceito que o analista mencionou em uma de suas colunas. Infraestrutura não substituível. “É algo que retém os usuários com tanta força que um concorrente não conseguir fazer com que você o substitua””, explica Gartenberg.
O iPhone, produto que revolucionou a história da Apple e da telefonia móvel, com o iOS e a App Store, trinca que forma o ecossistema, é um exemplo de uma infraestrutura não substituível. Embora o mercado ofereça alternativas, em termos de produtos, a dependência em cima de um ecossistema dificulta a troca. Trocar simboliza um rearranjo quase que completo no modo de operar as tarefas do dia a dia, altamente dependentes dos dispositivos que nos acompanham.
Evidentemente, uma infraestrutura não substitutível não é imutável. Alterações no mercado ocorrem de tempos em tempos, num efeito cíclico, que pode ser potencializado pelas próprias diretivas das empresas que criaram um padrão de mercado, indo de encontro com o que uma base considerável e fiel de usuários se acostumou.
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O fator da curadora é visto por Gartenberg como um dos elementos que transformou a App Store num local desfigurado, deixando os usuários entediados. A recomendação de apps tem se tornado menos eficiente. Ao procurar um app, o usuário é bombardeado com anúncios de outros apps. Em determinadas situações, até mesmo de produtos que não estão relacionados a busca inicial.
Em 2011, Steve Jobs se orgulhava da ausência de publicidade ser uma característica proeminente da Apple. “Fazemos os produtos que queremos e não queremos publicidade. Qual seria a reação de Steve Jobs atualmente em relação ao aumento na publicidade por parte da Apple, e que ainda é intrusiva e pouco assertiva?
Como pontua Gartenberg, a Apple está se tornando o que eles costumavam zombar. É claro que o próprio ex-diretor de marketing da Apple não rechaça a publicidade. Como acionista da Apple, ele entende o uso da publicidade como uma forma de aumentar a receita, afinal, é um negócio com fins lucrativos.
No entanto, novamente, analisando do ponto de vista do ecossistema de um usuário de longa data, Gartenberg lamenta que acabou o tempo em que a necessidade de receita não supere a necessidade de atender os clientes da Apple.
O verdadeiro problema da Apple, segundo a perspectiva da Garrenberg, é que a Apple não parece mais ser a única opção de qualidade para os usuários. Inovações de hardware ou até mesmo aplicações exclusivas podem ser encontradas em outros fornecedores. O grande desafio encontrado pelos concorrentes da Apple não é mais o fator tecnológico, mas a gigantesca e eficiente máquina de marketing da Apple.
Situação comparável a uma disputa de mercado no setor de vestuário. Determinada loja pode até produzir peças de qualidade, mas o valor agregado que uma parcela enxerga no concorrente, pelo bom trabalho de marketing e de storrytelling, é crucial nesta disputa.
A linha de pensamento de Garteberg está alinhada com a de outras empresas, como a Epic Games, que vem combatendo a forma com que a Apple lida com a sua loja de aplicativos.
A Epic reforça que o modo totalitário com que a Apple enxergava a IBM nos anos 80, no mercado de computadores, está sendo seguido à risca agora pela Apple no gerenciamento de sua loja de aplicativos. Em relação à App Store, a Apple cobra 30% para empresas com receita anual superior a US$ 1 milhão e 15% para empresas com receita anual inferior a US$ 1 milhão.
Esse percentual passou a incomodar um grande nome do mercado, Elon Musk, que iniciou uma posição combativa à Apple. A companhia somou-se a lista de empresas que pararam de anunciar no Twitter. Lista que também conta com Coca-Cola, Nestlé, e outras players importantes.
Perder a Apple como anunciante será um golpe significativo ao Twitter. Segundo dados obtidos pelo Washington Post, somente no primeiro trimestre de 2022, a Apple gastou cerca de US$ 48 milhões em tweets patrocinados. Esses valores colocam a Apple como a principal anunciante do Twitter.
Com este novo algoz para lidar, a Apple pode ver mais um player tentar ameaçar sua infraestrutura não substituível.