Nós últimos anos, poucos termos causaram tanto alvoroço no mercado e debate público quanto inteligência artificial. Desde que o ChatGPT ganhou os holofotes do mundo, em 2022, o entendimento sobre a IA, mais especificamente sobre a parte generativa, mudou radicalmente. Ganhando popularidade e adesão em todo o mundo, além, é claro, de despertar o interesse de investidores.
Além de todo o debate moral e ético sobre a IA, atraindo devotos convictos e detratores fervorosos, uma dúvida tem ganho cada vez mais destaque: A IA é uma bolha? Bom, a resposta para isso não é tão simples quanto uma afirmação taxativa de “sim” ou “não”, mas podemos traçar um paralelo com outro momento histórico, e que realmente foi uma bolha, e não terminou nada bem.
A bolha pontocom: como a internet virou febre (e depois frustração).
Na virada dos anos 2000, o mundo estava maravilhado pela web. Empresas com .com no nome levantavam bilhões sem ter lucro, produto real ou plano de negócios. Bastava prometer a ideia de algo disruptivo, inovador, calcado em um bom discurso de marketing, aliado a maré favorável do mercado em abraçar a internet.
O Nasdaq, índice focado em tecnologia, chegou a 5.048 pontos em março de 2000. Dois anos depois, afundou para perto de 1.100, uma queda assustadora de 78%. O colapso varreu instantaneamente diversos nomes, como Pets.com e Webvan, que viraram símbolo da euforia sem lastro.
Como lembrado em nosso artigo sobre o que foi a bolha da pontocom, o economista Hyman Minsky dizia que as bolhas surgem de maneira natural. Durante o período de estabilidade e preços ascendentes, os investidores extrapolam essa estabilidade para o futuro e ficam mais dispostos a assumir riscos.
A bonificação por esses riscos diminui, aumentando os preços dos ativos, e as expectativas tornam-se bem mais otimistas, em um ciclo que passa ser insustentável. O momento final é o reconhecimento que os preços e os riscos assumidos tornaram-se exagerados e então a bolha explode!
Foi exatamente isso que aconteceu naquele período de ascensão de serviços e empresas ligadas com a web.
Até mesmo gigantes como Cisco e Intel perderam cerca de 80% do valor. Analistas da época falavam em nova economia, fim das métricas tradicionais, e um mundo digital que reinventaria tudo. O discurso soa familiar?
A nova febre embalada com o mesmo discurso: a IA generativa
Vamos avançar agora para o tempo presente. A inteligência artificial generativa virou a bola da vez. OpenAI, Anthropic, Mistral, e outras tantas startups captaram bilhões em investimento. A NVIDIA, que fabrica os chips usados para treinar os modelos de IA usados por essas empresas, disparou em valor de mercado. A companhia administrada por Jensen Huang ultrapassou os US$ 4 trilhões se tornando a primeira empresa a alcançar esse patamar.
Juntas, as chamadas “sete magníficas” (Apple, Microsoft, Google, Amazon, Meta, Tesla e NVIDIA) somam cerca de US$ 14 trilhões em valor de mercado. Representam sozinhas mais de 30% do S&P 500. Essa concentração é até maior que no auge da bolha das pontocom.
O otimismo é sustentado por relatórios como o da McKinsey, que estima até US$ 4,4 trilhões de potencial de valor econômico anual em uso corporativo. Em outra projeção ambiciosa, o impacto total da IA (software e serviços) poderia alcançar até US$ 22,9 trilhões por ano até 2040.
Mas esse entusiasmo também levanta riscos. O economista Torsten Sløk, da Apollo Global Management, alertou que os múltiplos de lucro das maiores empresas do S&P hoje superam os da bolha da internet. Em outras palavras: há sinais claros de deslocamento entre expectativa e resultado.
3 semelhanças da corrida pela IA com a bolha das pontocom
1. O hype como mola especulativa
Empresas de IA ostentam valorizações meteóricas, mesmo sem produtos maduros. Startups com pouca tração já são avaliadas em bilhões. Vamos a 2 exemplos que ajudam a exemplificar isso:
Safe Superintelligence
Essa startup, fundada em junho de 2024, nasceu com uma proposta ambiciosa: desenvolver inteligência artificial superavançada com foco exclusivo em segurança.
Em setembro do mesmo ano, a startup levantou US$ 1 bilhão em uma rodada inicial que a avaliou em cerca de US$ 5 bilhões (mesmo sem apresentar qualquer produto ou modelo de monetização) . Já em 2025, a empresa captou mais US$ 2 bilhões, elevando sua valorização para impressionantes US$ 32 bilhões, consolidando-se como um dos casos mais extremos de hype em torno da IA generativa sem entregas comerciais concretas até o momento.
Thinking Machines Lab
Criada em 2025 por Mira Murati, ex‑CTO da OpenAI, a Thinking Machines Lab levantou US $ 2 bilhões em sua rodada seed, liderada por Andreessen Horowitz, além de participações da NVIDIA, Accel, Cisco, AMD e outros investidores.
A empresa fechou o financiamento com avaliação entre US $ 10 e US $ 12 bilhões — estima-se que o total negociado tenha girado em torno de US $ 12 bilhões.
Apesar do capital elevado, até então a startup operava com equipe reduzida, ainda sem produto lançado e sem plano de monetização revelado publicamente,
Esses exemplos espelham a lógica das pontocom, baseadas em reputação e expectativa, não em receita efetiva.
2. O medo de estar perdendo algo realmente importante
Investidores despejam dinheiro com um certo medo de estarem perdendo a próxima grande revolução. Ainda mais quando nomes de peso, como Bill Gates, afirma publicamente que a IA é o avanço mais importante da era digital.
O medo de perder a próxima grande revolução não é novo. Guardada as devidas proporções, a corrida atual pela IA lembra fenômenos históricos como a “mania das tulipas”, do século XVII, quando o preço dos bulbos de tulipas na Holanda disparou tanto que uma única flor podia valer mais que uma casa.
A lógica era simples: todos compravam não pelo valor real, intrínseco aquilo, mas pelo medo de ficar de fora do grande próximo lucro. Uma euforia similar, e contemporânea, aconteceu com a baboseira dos NFTs
3. Euforia midiática e arsenal de tempos pomposos
“AGI”, “LLMs”, “revolução”, “transformação”. Fazendo aqui uma autocritica, a mídia contribui fortemente com essa euforia e até mesmo um certo temor, principalmente quando é colocado em pauta contextos quase divinos ou catastróficos em torno da tecnologia.
Alguns termos podem até se alterar, mas a mecânica de entusiasmo notado nos anos anteriores a bolha das pontocom é a parecida com o que acontece agora com a IA generativa.
A mudança que contexto – e isso faz diferença para a avaliação!
Apesar de algumas semelhanças, há também diferenças que merecem ser pontuadas:
Infraestrutura:
No fim dos anos 90 e início dos 2000, o digital engatinhava. Hoje, temos nuvem, 5G, banda larga de fácil acesso, um número impressionante de dispositivos conectados. O entorno é mais favorável para a absorção da IA.
Velocidade na integração de usuários
Dada o ponto de mais infraestrutura, e um número bem maior de pessoas já inseridas no mundo digital, das mais variadas formas, muitos serviços conseguem tornar seus serviços uma parte importante na rotina das pessoas com cada vez mais velocidade, principalmente quando aquilo tem valor real para o comodismo dessas pessoas.
Gigantes na liderança
Diferentemente da bolha pontocom, o boom atual é sustentado por empresas altamente lucrativas, algumas delas sobreviventes do período nebuloso da bolha da web. Essas empresas hoje contam com um histórico sólido e estrutura robusta.
Afinal de contas, A IA é uma bolha ou não?
Vamos ver a visão de analistas dos dois lados.
A IA é uma bolha
Dentre os que defendem que a IA é uma bolha está Torsten Slok, da Apollo Global Management. Ele afirma que o preço das ações das grandes empresas que estão de alguma forma investindo em soluções de IA, como Apple, Microsoft, Google e OpenAI, estão desconectados dos lucros potenciais, e um estouro dessa bolha pode ser ainda mais severo que o de 2000.
Já Richard Bernstein, da Richard Bernstein Advisors, alerta para os riscos da empolgação exagerada com a IA, sugerindo que os investidores evitem seguir por essa linha. Apesar do hype, a recomendação continua sendo manter o foco em empresas que oferecem dividendos consistentes.
Ed Zitron, responsável por um podcast que trata exatamente sobre esse tema, o “The Hater’s Guide To The AI Bubble” (Guia para quem odeia da bolha da IA, em tradução livre), segue numa linha parecida.
Ele argumenta que ciclos de otimismo e especulação irracional podem levar à bolha. Embora a IA possa sobreviver a um possível colapso dos preços, Zitron alerta para desigualdades e riscos sistêmicos que não são apenas financeiros.
A IA não é uma bolha, ao menos por enquanto
Um relatório recente do Bank of America argumenta que, apesar da volatilidade, a IA ainda não mostra sinais claros de uma bolha. As avaliações estão altas, mas não chegaram ao ponto de serem insustentáveis. O relatório também pontua que o ambiente macroeconômico permanece tolerante ao crescimento.
Em discurso no RAISE Summit, Paris, realizada este mês, Eric Schmidt, ex-CEO do Google, declarou que não acredita que a IA seja uma bolha, mas sim o alicerce de uma nova estrutura industrial.
Peter Oppenheimer da Goldman Sachs Research, a alta nos preços das ações de tecnologia está sustentada por lucros sólidos e crescimento constante, não por especulação irracional
O caso NVIDIA
Nenhuma empresa mudou tanto de patamar graças ao boom da IA como a NVIDIA. Antes relegada a um nicho mais restrito, que conheciam a empresa por suas placas de vídeo, principalmente aquelas voltadas para o público gamer, a companhia de Jensen virou um nome mais frequente no noticiário, uma marca que mais pessoas passaram a conhecer.
Seu forte impacto no fornecimento de chips para os principais players do mercado de IA generativa a posiciona diretamente nessa discussão sobre a questão de uma possível bolha.
No ano passado, em carta divulgada ao Financial Times, o fundo de investimentos Elliot afirmou que a NVIDIA é uma bolha e que a IA é superestimada.
O fundo criticou o otimismo sobre IA afirmando que muitas aplicações podem nunca ser eficientes, funcionar corretamente, ou serem confiáveis, alegando que a demanda por GPUs da NVIDIA poderia não se sustentar no ritmo atual.
Em debate no podcast Unhedged, do Financial Times, foi levantado esse ponto do valuation de US$ 4 trilhões da NVIDIA. Questionamentos sobre se esse valor é justificado pela demanda real ou apenas expectativas infladas da IA.
Joseph Moore, da Morgan Stanley, acredita em valor real. Em sua visão é risível considerar um colapso iminente na demanda por chips de inferência da NVIDIA. Moore destacou que a procura permanece explosiva e sustentável.
Entusiasmo e prudência precisam caminhar juntas
O debate sobre o futuro da IA está longe de terminar. Veremos inúmeros desdobramentos, que podem, ou não, contribuir para alcançar o patamar caótico de uma bolha que irá estourar em algum momento.
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