Overclock: Entendendo a questão das tensões

Overclock: Entendendo a questão das tensões

Um dos pré-requisitos para qualquer overclock mais extremo é configurar a placa-mãe para oferecer um pequeno aumento na tensão (ou seja, na voltagem) do processador e, em muitos casos, também da memória e outros componentes. À primeira vista, a questão parece bem simples, afinal, nada mais justo que o processador precise de mais energia para funcionar a uma frequência mais elevada. Entretanto, essa aparente simplicidade tem uma série de ramificações mais complicadas.

Na verdade, o que aumenta junto com o clock do processador é a corrente (ou seja, a amperagem, que determina o consumo total) e não a tensão. É por isso que, quase sempre, processadores dentro da mesma arquitetura utilizam a mesma tensão, mesmo que o clock dos diferentes modelos seja diferente. Ao trabalhar em um clock mais alto, o processador simplesmente precisa de mais corrente, mantendo a mesma tensão.

Um Core 2 Quad QX9650 (3.0 GHz), por exemplo, consome cerca de 55 amperes de corrente em full-load, enquanto um Core 2 Quad QX9770 (3.2 GHz) consome cerca de 63 amperes (o consumo varia sutilmente de processador para processador, já que não existem dois processadores exatamente iguais). Entretanto, em ambos os casos a tensão é a mesma: 1.2V.

Por que precisamos então, quase sempre, aumentar a tensão do processador (muitas vezes de forma substancial) para atingir as maiores frequências possíveis ao fazer overclock?

tensoes_html_m66b81906

A resposta reside na forma como os processadores processam os sinais. Dentro do processador, os bits “0” são representados por uma tensão mais baixa (geralmente o mais próximo que o fabricante consegue chegar de 0 volts), enquanto os bits “1” são representados por uma tensão mais alta, normalmente equivalente à tensão nominal do processador.

A tensão referente a um bit “0” é chamada de VSS, enquanto a tensão referente a um bit “1” é chamada de VCC, uma opção que você encontrará no Setup de algumas placas.

Grande problema é que, devido a uma série de fatores, as tensões dentro do processador nunca são exatas. Um Core i7 que trabalha com uma tensão nominal de 1.2V, por exemplo, pode receber apenas 1.18V da placa mãe (devido a perda ou inexatidão dos circuitos de alimentação) e os transístores dentro de uma área particular dentro do processador podem receber apenas 1.15 ou 1.16V durante os momentos de maior atividade, por exemplo.

Como é impossível construir transístores com um isolamento perfeito (principalmente quando eles possuem apenas 32 ou 45 nanômetros, como atualmente), as tensões referentes aos bits “0” também variam dentro do processador. Em vez dos 0V teóricos, transístores de uma determinada parte do processador podem receber 0.8 ou 1.0V, por exemplo, que devem ser interpretados como bits “0”.

Para que o processador possa funcionar, são especificados valores de tolerância, onde, por exemplo, qualquer tensão até 1.15V é interpretada como um bit “0” e qualquer tensão entre 1.15V e 1.3V é interpretada como um bit “1”.

Embora extremamente pequenos e rápidos, os transístores nada mais são do que interruptores em miniatura, que precisam de um pequeno intervalo de tempo para mudar de um estado a outro, ou seja, para alternar entre a tensão VSS (bit 0) e VCC (bit 1). Com isso, a variação de tensão não se parece tanto com um quadrado (como temos nos gráficos de circuitos digitais) mas sim com uma onda, onde os 1.2V de um bit “1” demoram um pequeno intervalo de tempo até caírem abaixo dos 1.15V de um bit “0”, e vice-versa.

Ao aumentar o clock do processador, os transístores passam a chavear mais rapidamente, o que faz com que esse delay se torne mais crítico, com os erros passando a serem exponencialmente mais frequentes. Alguns transístores podem passar a atingir apenas 1.12V ao alternar do VSS para o VCC (por exemplo), o que faz com que os bits “1” sejam interpretados como bits “0”, produzindo telas azuis e outros erros.

Ao aumentar a tensão do VCC, amenizamos o problema. Se a tensão alvo passa a ser 1.3V em vez de 1.2V, por exemplo, os transístores passam a precisar de menos tempo para atingirem os 1.15V necessários para computar um bit 1 dentro do exemplo.

Naturalmente, como todo bom remédio, o aumento na tensão precisa ser administrado na dose certa, caso contrário faz mais mal do que bem.

O primeiro problema é que aumentar a tensão aumenta o consumo do processador (os transístores passam a usar mais energia para mudar de estado e mais corrente é perdida com o gate-leakage), o que faz com que ele aqueça mais. Quanto maior é o aumento na tensão, maior é o aumento na dissipação térmica, o que em excesso faz com que o processador passe a travar por superaquecimento muito antes de atingir a frequência desejada.

Outro problema é que uma tensão muito alta faz com que os transístores passem a demorar muito tempo para chavear do VCC para o VSS (ou seja, de um bit “1” para um bit “0”), o que também causa erros.

É por isso que, de uma maneira geral, aumentos de até 10% são benignos na maioria dos casos, enquanto aumentos mais agressivos são úteis apenas em casos mais extremos.

Os fabricantes enfrentam este mesmo problema ao lançar séries de processadores com clock mais alto. Na maioria do tempo, o processo consiste em simplesmente selecionar os processadores mais perfeitos, que são capazes de trabalhar a frequências mais altas, e vendê-los dentro das séries mais rápidas, mas em muitos casos eles precisam apelar para o aumento na tensão, assim como ao fazer overclock. Um bom exemplo é o antigo Athlon X2 6000+, onde a AMD foi obrigada a aumentar a tensão de 1.3V para 1.35V para conseguir fazer com que o processador trabalhasse estavelmente a 3.0 GHz.

Por outro lado, séries de baixo consumo (como os processadores ULV da Intel) são capazes de trabalhar com tensões muito mais baixas, mas apenas a frequências de clock igualmente baixas. Um bom exemplo é o Celeron 900 ULV (usado no Eee 900 e em diversos netbooks), um processador baseado no Pentium-M com core Dothan, que tem um TDP de apenas 5 watts, mesmo sendo fabricado usando uma técnica de 0.09 micron.

Voffset e Vdroop: Diferente do que o ajuste disponível no setup nos leva a acreditar, a tensão fornecida pela placa-mãe nunca é fixa, variando de acordo com a utilização (e o consumo) do processador.

Em resumo, o aumento no consumo faz com que a tensão caia momentaneamente (basicamente o mesmo que acontece com a rede elétrica da sua casa ao ligar um chuveiro elétrico), o que faz com que o circuito de alimentação da placa-mãe aumente o fornecimento (ou seja, a amperagem), fazendo com que a tensão volte ao valor inicial.

Quando o processador volta a ficar ocioso, o consumo cai, o que faz com que a tensão suba momentaneamente, o que leva o circuito de alimentação a reduzir o fornecimento, fazendo novamente com que a tensão volte ao valor inicial.

A tensão que era originalmente de 1.2V pode cair quase instantaneamente para 1.14V ao iniciar um teste do SuperPI (que leva a utilização do processador às alturas) e subir para 1.26V quando o teste termina, por exemplo.

Em qualquer placa atual, a variação é muito rápida, levando apenas alguns microsegundos (justamente por isso não é mostrada por nenhum software de monitoramento), mas o dano cumulativo ao longo do tempo acaba abreviando a vida útil do processador.

Para reduzir estes picos de tensão, as placas atuais o uso de duas funções: o Voffset (também chamado de Vdrop, com um “o” só) e o Vdroop (com dois “o”), que trabalham de forma conjunta, reduzindo ligeiramente a tensão do processador e prevenindo variações excessivas na tensão do processador quando ele muda de um estado de alta utilização (e maior consumo) para um estado de baixo consumo.

Com as duas funções ativas, a placa-mãe passa a aplicar uma pequena redução na tensão do processador, que é menor quando ele está ocioso e maior quando ele está em full-load. À primeira vista, parece uma idéia bastante estúpida, já que consiste em limitar o fornecimento justamente quando o processador mais precisa, mas na prática acaba sendo um fator benéfico.

A idéia é que ao fornecer uma tensão um pouco mais baixa quando o processador está em full-load, o circuito ameniza os picos de tensão quando o processador fica ocioso, evitando variações perigosas. Em um exemplo tosco, seria como começar a desacelerar o carro quando você percebe que está chegando perto de um farol fechado.

Com o Vdroop, a placa poderia passar a oferecer 1.18V (em vez de 1.2V) quando o processador está ocioso e 1.14V quando ele está em full-load, fazendo com que a tensão não ultrapasse os 1.2V quando ele volta a ficar ocioso, por exemplo. Dentro do exemplo, a redução de 0.02V nos momentos de ociosidade corresponde ao Voffset (ou Vdrop) e os 0.04V de redução adicional quando o processador está em full-load corresponde ao Vdroop.

O efeito na prática é que as variações nocivas são quase que eliminadas e o processador passa a apresentar um consumo elétrico ligeiramente mais baixo (principalmente em full-load), devido à pequena redução na tensão.

Isso é muito bom para quem pretende manter o processador trabalhando na frequência original, mas não tão bom assim para quem pretende fazer overclock, já que as tensões mais baixas limitam as frequências que o processador é capaz de atingir.

Devido a isso, muitas placas oferecem a opção de desativar ou reduzir o Vdroop no Setup, atendendo à reivindicação do público. Em muitas placas recentes da Asus, por exemplo, está disponível a opção “Load-line Calibration”, que reduz o Vdroop através de uma função implementada via software:

tensoes_html_m77875c65

Existem também receitas caseiras (pouco recomendáveis) para bipassar o circuito de regulação “na marra”, criando uma ponte entre as trilhas com grafite ou solda.

Entretanto, o melhor é manter a função ativa (afinal, ela existe por um bom motivo) e simplesmente compensar o Vdroop com um pequeno aumento adicional na tensão do processador quando necessário.

Desativar o Vdroop acaba servindo apenas para tornar os picos de tensão mais severos (e perigosos) e faz com que o processador dissipe mais calor, o que acaba sendo contra-produtivo. A recomendação geral é que você o mantenha ativo ao fazer overclock, até que atinja o limite como qual o processador funciona estavelmente. A partir daí, você pode pesar os prós e contras de desativar o Vdroop para tentar obter algum pequeno ganho adicional, ou jogar do lado seguro e mantê-lo ativo.

Sobre o Autor

Redes Sociais:

Deixe seu comentário

X