Você lembra? Programa de Gilberto Barros chamando Yu-Gi-Oh de ‘jogo do demônio’ viraliza na web

Você lembra? Programa de Gilberto Barros chamando Yu-Gi-Oh de ‘jogo do demônio’ viraliza na web

Quem viveu a TV nos anos 1990 e 2000 lembra que polêmicas, narrativas fantasiosas e a busca a qualquer custo pela audiencia era só mais um dia normal. Tudo foi tentado, algumas dessas tentativas cairam diretamente no fosso dos piores momentos da TV brasileira, como a falsa entrevista com membros do PCC exibida no programa do Gugu em setembro de 2003, outros acabaram dividindo a opiniao pública na epoca e se tornaram momentos que hoje muitos lembram com bom humor.

Um exemplo marcante dessa segunda categoria foram as edições do programa “Boa Noite Brasil”, comandado por Gilberto Barros na Band, que classificava Yu-Gi-Oh! como “coisa do demônio”. É sobre esse segundo recorte de lembranças que iremos falar aqui hoje. Particularmente, algo que ri bastante, reassistindo.

O programa que demonizou Yu-Gi-Oh!

Viralizou na internet trechos das lendárias edições do programa “Boa Noite Brasil”, apresentado por Gilberto Barros na Band, em que usa de um tom completamente alarmista para dizer que Yu-Gi-Oh era algo do demônio. Ele chega a usar exatamente esse termo: “Isso é coisa do demônio”. O programa também estendeu a discussão para outras obras japonesas, batendo na tecla sobre a questão da violência dos desenhos.

Era junho de 2003, Yu-Gi-Oh já tinha um público cativo naquele momento. Avídos nao somente pelo anime, que começou a ser exibido na TV aberta em janeiro daquele ano, na TV Globinho, mas também pelas cartas do jogo. E o programa de Barros ajudou a amplificar isso.

O Sensacionalismo na TV

O tema foi um prato cheio para que um programa noturno caísse em cima e atrelasse as cartas a uma narrativa catastrófica, capaz de prender o telespectador, enquanto o diretor vai mantendo o apresentador entusiasmado com os números do ibope minuto a minuto.

Gilberto Barros era um craque nesse tipo de condução. O apresentador, com passagens por programas policiais, sabia muito bem como embrulhar o vazio num enfeite que possa fisgar a atenção. Outras pautas tão doidas quanto, como rodar LPSs ao contrário, na busca de mensagens subliminares, também passaram por seus programas. Era o jogo da TV aberta. Um vale tudo que ia de matéria do ET Bilu ao escracho dos cards do Yu-Gi-Oh.

Se tanto o anime quanto o TCG Yu-Gi-Oh foram marcante para toda uma geração de brasileiros, o programa de Gilberto Barros descendo a lenha na obra também foi, por outros motivos.

Repercussão e consequências

Considerando a força que a TV aberta tinha em 2003, tente imaginar quantos pais encheram os ouvidos dos filhos com o discurso que viram no programa. Isso ajuda a explicar a rápida virilização dos vídeos desse programa agora na internet. Milhões de brasileiros lembram bem daquele momento.

Evidentemente, o programa recorreu aos chamados especialistas, pessoas que davam aquela mãozinha em chancelar a narrativa que o programa queria vender. Uma dessas pessoas era um teólogo, que afirmara que Yu-Gi-Oh “ensinava a magia negra, ensinava a criança a resolver os seus problemas no duelo, na forca do braco”.

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Ele chegou a correlacionar o jogo com as brigas do trânsito: “Isso nós podemos ver no trânsito, quando há uma buzina, a pessoa sai e dá um tiro na cabeça do outro”.

O programa também pesou a mão na edição, filmando uma criança jogando em seu PlayStation e desferindo a frase  “vou matar”.

Em entrevista à reportagem, uma mãe, após assistir a uma das edições do programa sobre a polêmica em torno do Yu-Gi-Oh, associou que a briga entre seus dois filhos pequenos, com direito a socos e tapas, tinha relação com o jogo. Tudo culpa das tais “cartas demoníacas”.

Foi uma verdadeira saga. Gilberto movimentou o noticiário com toda essa polemica. Matérias da época repercutiram o que era dito em seu programa, o anime chegou a sair do ar da TV aberta em 2004.

Em janeiro daquele ano, o Ministério da Justiça classificou a animação, após um pedido do Ministério Público, como inapropriada para menores de 12 anos, o que impossibilitava a sua exibição antes das 20h, por conter violência leve. Na TV a cabo, através do canal Nickelodeon, o anime seguiu sendo exibido. Ainda em 2004, chegou aos cinemas brasileiros o longa “Yu-Gi-Oh: O Filme”.

Barros chegou a dizer no programa que algumas pessoas o escreveram, por e-mail, que ele estava exagerando, que não era bem assim, mas o apresentador disse preferir pecar pelo excesso e subiu rapidamente o tom, buscando uma carta que estava em seu púlpito e sendo taxativo: “O capeta tá aqui, oh!” E crianças de dois anos e meio estão sendo treinadas por esse baralho para realizar magia negra”. Tudo regido por uma trilha de fundo que arrepiaria até Alfedh Hitchcock e com o seguinte GC: “Jogo infantil faz referência a demônios”.

Gilberto barros falando de Yu-Gi-Oh

Não foi a produção e muito menos o Gilberto Barros que observou como essa pauta poderia ser um prato cheio pela busca de audiência na TV. Igrejas já tinham começado esse movimento contra o jogo e o anime. Foi apenas uma questão de tempo para que algum programa  amplificasse o discurso.

Assim como em muitos outros casos, o estrondo no assunto aumentou sua adesão. Yu-Gi-Oh foi ganhando cada vez mais adeptos. Mais e mais pessoas jogando e assistindo ao anime, e a pirataria comendo solta. Indiscutivelmente, um pilar para que o jogo virasse a febre que virou no Brasil.

Entrar nessa brincadeira pelas vias legais não era fácil. Convencer os pais a gastar cerca de R$ 60 num deck original era uma missão quase impossível, mas as alternativas estavam por todos os lugares. Cartas que muitos sequer jogavam no modo como foram pensadas, partindo para algo menos complexo, como o jogo de bafo.

Gilberto barros mostrando as cartas de Yu-Gi-Oh

Gilberto Barros relembrou o assunto em 2017

Em 2017, Gilberto Barros relembrou o episódio em seu canal no YouTube. Ele afirmou que não teve tanta culpa.

“As pessoas não entenderam o recado que eu quis dar através disso aí, respeitando, principalmente, as crianças. Só isso, somente isso”.

Ele também relembrou que a concorrência sobre os temas acabou levando a pauta para o seu programa. “Começamos a chamar pessoas especializadas e eles começaram a crescer o negócio”.

Gilberto também sabe que muitos daqueles que eram crianças ou adolescentes naquela época o abominam devido à repercussão dos temas no programa. Muitos acabaram tendo seus cards destruídos pelos pais.

O apresentador diz que tudo foi feito para tentar melhorar a juventude e as crianças do Brasil. “Eu não tenho nada contra essas cartas, é um jogo, de fato. A minha preocupação era que o pequenininho não conseguiria entender o jogo. Foi só isso”, completou o apresentador.

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