Quando somos crianças uma coisa muito comum é ficarmos tentando procurar profissões para seguir quando crescermos. Eu mesmo tive várias fases, e em cada uma delas queria ser algo diferente no futuro. Até os 11 anos queria ser veterinário, minha mãe trazia diversas revistas de onde ela trabalhava que mostravam animais e sua vida selvagem. Dos 11 em diante queria ser piloto de avião, fui morar próximo ao aeroporto de Guarulhos e via os aviões passarem bem baixo mesmo, achei que era a melhor profissão do mundo, voar. Com 16 queria ser técnico em eletrônica: tinha alguns equipamentos velhos em casa (TVs e aparelhos de som) que de vez em quando queimavam um fusível e eu fazia uma ligação direta e achava que era técnico. Fiz um curso de eletrônica com 16 anos, aprendi os conceitos básicos, resistores, capacitores, transistores, uso de multímetro e osciloscópio. Achei legal, mas precisava aprender mais, pensei em partir para área de automação, mas dando uma pesquisada por ai ( internet ainda era coisa de poucos) e ouvi muitos comentários sobre uma profissão muito lucrativa, a de técnico de manutenção de computadores. Pareceu-me a melhor escolha, eu reparei que os caras que trabalhavam com isso andavam com uns carros legais, de roupa social, com uma maleta e trabalhavam pouco e ganhavam muito, cobravam por hora, qualquer instalação ganhavam 50 ou 100 reais, o salário mínimo nessa época era de uns 120 reais ganhar meio salário mínimo para realizar um único trabalho, era um sonho. Nesta época eu nem tinha computador, para falar a verdade eu tinha um MSX da gradiente que não servia para muita coisa a não ser para ficar brincando de programar em basic :).
Então foi isso que almejei, ser técnico de manutenção de computadores, isso era em 1998, só vim ganhar um computador no final de 99, apesar de ter sido bem caro foi nele que eu comecei a me aventurar pela área de consertar computadores. Mas… só se pode consertar o que esta quebrado então eu resolvi esse problema, durante a instalação de um jogo o computador travou, quando reiniciei ele não carregou mais o Windows, ficava numa tela escura… Minha mãe quase me matou, mas eu tinha a solução, fui perguntar para meu professor de eletrônica, que nessa época também já estava trabalhando com computadores, o que poderia ser feito, ele disse:
– Acho que vai ter que reinstalar o Windows (eu tinha o cd, isso era fácil).
Perguntei então:
– Como?
E a resposta:
– Vai ter que dar um boot!
Uma enorme interrogação veio na minha cabeça, o que será esse tal de boot? Vamos perguntar novamente não é?
– Como eu faço isso?
Nesse momento começa minha história como técnico de manutenção em computadores (e posteriormente como instrutor de informática, e bacharel em Ciência da Computação e especialista em automação), veja o porque na resposta dele:
– Se vira, é um processo muito difícil, se quiser eu cobro barato para você.
Então eu tinha duas opções, ou pagava para o cara que eu achava que deveria me dar uma força ou me virava, então resolvi usar a segunda opção.
Em busca do boot perdido
Motivado pelo desinteresse do meu professor em me ajudar, e com o computador caro que minha mãe comprou parado e sem ela saber, resolvi pesquisar como fazer para dar o tal boot (e descobrir o que era também). Então fui até uma escola de computação comunitária em que eu fazia digitação aos finais de semana em máquinas doadas pela população, mas que eu tinha que pagar para ter as tais aulas!? Falei com o responsável (dono), sobre meu problema, ele deu um pulo longe contou o maior causo e não respondeu minha pergunta, desapontado com mais um professor desisti do curso na escola dele (futuramente eu daria aula para filha dele num colégio particular, hoje ele mora na Austrália).
Já se passava mais de um mês e nada de eu conseguir nem sequer descobrir o que era dar um boot no computador (só lembrando, isso foi no final de 99, se você não pagasse 30 reais por mês para 10 horas de acesso ao UOL você não tinha internet). Foi então que eu lembrei de umas apostilas velhas de um curso de MS-DOS que eu fiz em 94, lendo-as encontrei parte da resposta:
“Boot é o processo pelo qual o computador procura o sistema operacional, e entrega o comando a ele” Eureka! Era o que eu precisava saber, com isso, peguei o manual da placa mãe do computador (todo em inglês, mas pelo menos eu tinha um dicionário para traduzir) e lá vi como entrar na bios (nem sabia direito o que era), configurar o tal boot pelo cd, e usando o cd do Windows 98 reinstalar o sistema. Como instalei por cima da outra instalação, não foi necessário instalar drivers e nem configurar nada (ainda bem, eu não ia saber mesmo). Mas o mais importante é que o computador voltou a funcionar e eu decidi que era isso mesmo que eu queria seguir.
Aprendendo de verdade
Após a aventura de reinstalar o Windows, resolvi aprender de verdade, como não tinha acesso à internet o jeito era procurar uma escola. Pedi então o curso de hardware para minha mãe, relembrando que na época o salário mínimo era de 120 reais, o curso que eu queria custava 80 mensais. Depois de muita insistência ela acabou concordando. Após 5 meses de curso e juntando os conhecimentos em eletrônica e as experiências que adquiria utilizando meu computador e de um amigo meu como cobaias, possuía um conhecimento razoável do assunto, o suficiente para desempenhar a profissão que eu tanto almejava.
Mas as coisas já não eram mais as mesmas de alguns anos antes, com a popularização dos computadores nos lares (apesar de que nesta época ainda não ser tão popular assim) a quantidade de técnicos também aumentou, visto que todo garoto que possuía um computador se achava automaticamente técnico de hardware. Mesmo assim consegui algum lucro com isso, no bairro em que eu morava só existiam uns dois ou três técnicos e eles ainda não haviam se atualizado em relação às novas características do mercado, cobravam visita e hora técnica, não respondiam a nenhuma pergunta do cliente, resultado? Eu atendia quase todos os clientes do bairro, cobrava mais barato, só cobrava pelo conserto, explicava o que estava ocorrendo e porque da solução adotada. Depois de um tempo (com o carro da minha mãe) vivia quase como os caras que eu via uns anos antes, só de carro para lá e para cá e ganhando razoavelmente bem.
Comecei a dar aula de hardware e pacote Office nas duas escolas de informática do bairro. Parecia que estava na profissão certa.
A concorrência
Após alguns anos, o bairro já estava inundado do que eu chamo de técnicos “troca peça e formata” de manutenção de computadores, basicamente aqueles caras que compraram um computador e aprenderam a instalar o Windows, 90% dos problemas para esses caras a solução era:
– Vai ter que formatar!
Se estiver lento?
– Vai ter que aumentar a memória!
E se não rodar um determinador programa?
– Vai ter que comprar outro!
Sem contar que eles cobram de acordo com a qualidade do serviço, algo em torno de 10 a 20 reais, para qualquer coisa (tudo bem que o qualquer coisa deles é sempre formatar).
Ai você pode se perguntar, e qual o problema? Você faz o seu trabalho especializado e cobra o que acha melhor, certo? Errado, quando você faz manutenção na máquina de alguém que já se utilizou dos serviços de um destes caras e pagou de acordo, quando você cobra pelo seu trabalho de acordo com sua competência e habilidade de anos conquistada à custa de cursos, leituras e especializações (às vezes leitura de vários livros, certificações e até faculdade) a pessoa olha para você e fala:
– O que você fez para cobrar tão caro?
Com isso você usa o linguajar mais técnico possível para justificar, e acaba se sentindo como que se estivesse fazendo algo de errado por “cobrar tanto”.
Com todos achando que o futuro é a computação, e com a experiência de anos com o ensino, posso disser sem medo de errar, mais de 60% dos garotos procuram trabalhar na área da computação, e destes 70% querem trabalhar com redes e suporte, basicamente manutenção de computadores e instalação de pequenas redes.
Técnico de manutenção hoje
Hoje, a cada 10 jovens usuários de computador 6 se consideram técnicos de manutenção, instalam Windows e alguns até sabem instalar o Ubuntu :). Também aumentam a memória (pegam um módulo e verificam se encaixa), discos rígidos, CD-ROM, placa de vídeo, configuram speedy e até rede wireless. O valor cobrado ainda é o mesmo 10 ou 20 reais, isso quando cobram, em boa parte das vezes a cobrança fica no “não foi nada” ou “depois a gente vê”. Mas pergunte a algum deles, o que é latência da memória? O que é barramento? O que é a partição? Modelo OSI? Vamos mais a fundo, diferença entre memória estática e dinâmica? Foi muito não é?
Instalar o Windows não é mais igual no tempo do Windows 3.1, em que se tinha que configurar irq e dma das placas. As placas mãe não são mais aquelas do tempo do 486 em que se tinha que configurar tudo na base de jumpers na própria placa e quando não se tinha o manual então, era só para profissionais mesmo. Lembram dos hard-modems ISA? Instalar um daqueles sem o mínimo conhecimento era quase impossível. No campo das memórias então, é FPM ou EDO? 30 ou 72 vias? O barramento de acesso a memória é de 16, 32 ou 64 bits? Memórias instaladas aos pares ou não? É a coisa antigamente era difícil mesmo.
Mas hoje não passa de história, para se montar um computador não é necessário muito conhecimento técnico, as placas trazem tudo integrado (hoje até os processadores trazem vídeo integrado), as placas de expansão se auto-instalam, quando isso não acontece é muito simples ir até o site do fabricante e pegar os drivers. Instalar o Windows? Segue a metodologia NNF (next, next, finish), identifica tudo, instala tudo e quase não pergunta nada. Tem dúvidas (lembra minha dúvida do boot no inicio do artigo) só ir até o Google e digitar, milhões de respostas irão aparecer.
Quem não se atualizou o migrou para outras áreas da computação, realmente sente dificuldades para trabalhar autonomamente, pois por conta do que foi citado anteriormente é um mercado muito concorrido e de pouco rentabilidade hoje em dia.
Mas ainda existe um nicho de mercado que aprecia estes peregrinos da computação. As empresas. Em boa parte das empresas existe um parque computacional grande, às vezes formado durante anos e que mesclam diversos tipos de equipamentos entre computadores, monitores e periféricos. Sem contar que principalmente na indústria computadores são utilizados para tarefas especificas e às vezes utilizados para uma única tarefa como controlar o funcionamento de uma máquina, nestes casos o computador pode ser bem antigo, mas não é substituído simplesmente por não haver necessidade, ás vezes um equipamento 386 esta lá controlando o funcionamento de uma máquina por anos a fio, quando este apresenta algum tipo de problema é mais prático simplesmente consertar o problema e manter tudo como estava. Na indústria o mais importante é que funcione, se o computador é novo, se possui placa 3D ou se tem um processador dual core não é tão importante, o que mais conta é se cumpre o seu papel, em caso positivo dificilmente algo será mudado.
Nas outros ramos a atualização é um pouco mais constante, mas quando você trabalha dentro de uma empresa pense que eles gostam muito de uma palavra o “custo-benefício”, detestam gastar muito e ver pouco resultado, então à competência e conhecimento do técnico é primordial para que a empresa não tenha problemas nesta área (os equipamentos de informática se puder consertar por um preço baixo, para que comprar outro?).
E é isso ai, se você trabalha nesta área se especialize, consiga certificações, as certificações CompTIA A+ e Network + são boas opções para começar, obtenha o máximo de conhecimento e sempre tenha em mente que a computação avança, quem quiser ganhar dinheiro com ela tem que andar na frente dela e não atrás… Aprenda Linux, não só instalar, algumas versões são muito fáceis e até parecidas com a instalação do Windows (Ubuntu) então aprenda mais sobre as distribuições, os recursos e possibilidades de reparo e instalação de softwares e periféricos. Se aventure pelos notebooks, com um pouco de especialização é possível consertá-los também não só substituindo memória, leitor ótico e HD. Leia, mas leia mesmo, existem diversas publicações sobre o assunto, essencialmente hardware, redes e Linux, o próprio Morimoto tem muita coisa escrita sobre o assunto. Quanto mais aprender mais se distanciará daqueles técnicos que só sabem formatar e trocar peças e para você o mercado de manutenção sempre trará bons frutos, apesar de toda a concorrência do mercado.
Por Onildo Henrique B. Filho <onildo.henrique [at] gmail.com>
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