Na década de 1980, a japonesa SEGA firmou parcerias para distribuir seus consoles em diversas regiões do mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, a aliança foi com a fabricante de brinquedos Tonka. No entanto, nenhuma parceria foi tão curiosa, criativa e ousada quanto a que ocorreu no Brasil: a união entre a SEGA e a TecToy.
A origem de uma parceria histórica
Essa parceria é recheada de histórias que parecem até lenda urbana, mas que realmente aconteceram. Um desses momentos singulares foi o lançamento de uma versão única de Street Fighter II em 1997, para o Master System.
A estratégia da TecToy em seus anos dourados de parceria com a SEGA foi genial em muitos aspectos. Genialidade que, em parte, pode ser atribuída ao famoso “jeitinho brasileiro”.
Como já contei em outro artigo sobre a chegada do Atari ao Brasil, na época da reserva de mercado, que atuou de maneira implacável entre 1984 e 1992, acontecia algo próximo a uma “pirataria oficializada”. Empresas brasileiras traziam produtos de fora e os fabricavam localmente, o que contribuiu para uma enxurrada de consoles que eram clones das opções originais.
Indiscutivelmente, a pirataria foi responsável por permitir que muitos brasileiros tivessem o primeiro contato com games, computadores e outras tecnologias. Nesse cenário, a TecToy, que colocava no mercado suas próprias versões de produtos estrangeiros, mas tendo como diferencial uma parceria oficial com a SEGA, consolidou seu nome como uma das maiores impulsionadoras do mercado gamer no país. Ela foi diretamente responsável por fazer do Master System o primeiro console de muitos brasileiros (inclusive eu!).
A primeira grande iniciativa da TecToy foi a venda de um jogo de laser da SEGA chamado Zillion, baseado em um anime japonês. O game acabou vendendo mais unidades no Brasil do que no Japão, mostrando o potencial da empresa no mercado local.
O Investimento no Master System
Essa iniciativa pavimentou o caminhou que a TecToy trilharia em torno de todo o investimento no Master System como plataforma. Investimento que não foi apenas no equipamento em si, mas também envolveu milhões em publicidade e até a criação de um programa de fidelidade, o Master Club.
A TecToy foi tão bem-sucedida com o Master System no Brasil que conseguiu conquistar entre 75% e 80% do mercado de consoles de 8 bits no país. Mesmo com o lançamento de seu sucessor, o Mega Drive, de 16 bits, a empresa continuou a apoiar o Master System.
Street Fighter II no Master System: Um Feito Inacreditável
A partir desse contexto, podemos entender como Street Fighter II, um jogo originalmente para consoles de 16 bits, foi parar em uma plataforma de 8 bits, seis anos após seu lançamento.
Segundo algumas entrevistas, Heriberto Martinez, então gerente de engenharia da TecToy, expressou o grande desejo que a empresa tinha em levar o jogo para o Master System. No entanto, a SEGA considerava isso impossível por questões técnicas.
A negativa da SEGA, porém, não desmotivou a TecToy. A empresa brasileira extraiu as artes da versão de Street Fighter II para o Mega Drive e realizou todo o trabalho de adaptação e compactação para que o game pudesse ser utilizado em um cartucho de 8 megabytes — um salto significativo, considerando que muitos jogos do console ocupavam apenas 1 MB de memória
Em termos de compatibilidade, outra singularidade da Tectoy. O game foi feito para rodar somente no Master System III Compact.
O trabalho técnico e o reconhecimento da Capcom
Ao todo, a equipe da TecToy gastou quase um ano para extrair o material gráfico, fazer ajustes e codificar o jogo para o Master System. Stefano Arnhold, fundador e presidente da TecToy até 2009, chegou a apresentar o game a um representante da Capcom. Ele escondeu o Master System da visão do representante e lhe entregou controles de Mega Drive para testar o jogo.
O representante da Capcom achou o resultado estranho, pois não parecia condizente com um console de 16 bits. Arnhold então revelou que o jogo estava rodando em um console de 8 bits, o que o deixou impressionado. O jogo recebeu a aprovação da Capcom!
As limitações e adaptações
A sensação de estranheza é clara quando comparamos a versão original do jogo com a que a TecToy entregou para o Master System. Diversos cortes precisaram ser feitos, começando pelo número de lutadores. Em vez dos 12 originais, a versão da TecToy, baseada em Street Fighter II: Champion Edition e Super Street Fighter II, contava com apenas 8 lutadores. E. Honda, Zangief, Dhalsim e Vega ficaram de fora.
Os cenários também sofreram uma drástica redução de detalhes. Alguns mudaram radicalmente em relação ao conceito visual original. Além disso, a TecToy precisou adaptar a jogabilidade para funcionar em um controle com apenas dois botões.
O jogo também não foi completamente localizado: algumas partes, como o menu, estavam em inglês, enquanto outras estavam em português, e a execução dos movimentos especiais era complicada. A parte sonora também era bem deficitária.
Por outro lado, o nível de detalhes dos sprites era impressionante, considerando o contexto dessa versão.
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Um item de colecionador valioso
O trabalho árduo da TecToy resultou em uma versão exclusiva de Street Fighter II para o Brasil. Como acontece com muitos produtos que têm histórias curiosas como essa, esse título hoje é cobiçado por colecionadores de retro games ao redor do mundo. O preço de revenda é elevado. Em um anúncio no eBay, por exemplo, o vendedor pede US$ 249 por uma cópia.
Já em outro anúncio no Mercado Livre, o jogo está sendo vendido por R$ 1.198.
Ao lado da versão de Street Fighter II para Game Boy, essa opção criada pela TecToy forma uma das duas versões do game voltadas para plataformas de 8 bits.
Você já conhecia a história dessa versão do Street Figther II para Master System? Comente abaixo. Caso queria testar o game, neste link você pode rodá-lo diretamente pelo navegador.
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