O jeitinho, os clones e a chegada do Atari ao Brasil

O jeitinho, os clones e a chegada do Atari ao Brasil

“O inimigo Nº1 da família Brasileira”. Essa frase aparecia em uma das peças publicitárias que divulgava a chegada oficial do Atari 2600 ao Brasil, em 1983. A frase de impacto tinha uma certa conexão com o momento que o mercado brasileiro enfrentava na época.

Ainda estávamos sob a famosa e controversa era da reserva de mercado, que restringia o acesso a produtos eletrônicos importados. Essa medida que, em teoria, tentava se vender como algo bom para o país, acabou criando um inimigo do consumo. A restrição de acesso aos produtos oficiais, preços mais elevados e a defasagem tecnológica.

A Atari, que completou 50 anos nesta segunda-feira (27), chegou oficialmente ao Brasil em meio a esse capítulo da história nacional, e rodeada pelos seus clones feitos em terras tupiniquins. Era a pirataria oficializada, que fomentou nos brasileiros da época o gosto por videogames.

O mercado de games que temos hoje se deve consideravelmente a pirataria e também ao controverso “jeitinho brasileiro.” Vamos relembrar alguns momentos marcantes desta época neste artigo.

A reserva de mercado

É impossível falar sobre o mercado de games no Brasil e seus desdobramentos sem passar pela reserva de mercado, um movimento estatal, corroborado por empresas nacionais, que dificultava a chegada de computadores, videogames e outras parafernalhas estrangeiras ao país. O objetivo era fortalecer a indústria nacional e reduzir a dependência tecnológica de fora.

A “consagração” desse protecionismo surgiu com a Política Nacional de Informática – PNI, que atuou de maneira implacável entre 1984 e 1992, com base na Lei Nº 7232. Neste período, a importação de videogames era proibida. Quem sabe as próprias empresas nacionais não dobrariam isso com um jeitinho, né?

Com a PNI, a SEI – Secretaria Especial de Informática (que substituiu a CAPRE) tinha a autonomia para atuar como o “guardião” das empresas nacionais relacionadas ao mercado de informática. Essa autonomia permitia que a SEI controlasse as importações de bens e serviços de informática.

O jeitinho brasileiro aplicado

Como o objetivo era fortalecer o mercado interno, o governo fez vista grossa para a pirataria. As empresas nacionais acabaram ganhando a autonomia de literalmente criar versões alternativas dos videogames e cartuchos originais, alterando a parte visual, a comunicação, e até mesmo criando jogos, alterados de uma versão oficial.

Um caso antológico foi o game Wonder Boy que virou o jogo Mônica no Castelo do Dragão no Brasil, graças às modificações. Porém, neste caso do jogo da Mônica, as modificações foram  autorizadas.

Clonando videogames

O Atari 2600 e o NES, o “nintendinho”, estavam na linha de frente entre os produtos que as empresas brasileiras mais copiaram. Teve de tudo nessa época, até a Dismac, reconhecida por suas calculadoras, criou um clone do Atari 2600,  batizado aqui de VJ-9000.

Executivos das empresas nacionais traziam de fora algumas unidades do Atari 2600 e tentavam, via engenharia reserva, desenvolver uma alternativa ao original.

Antes da ebulição dos clones nacionais, o Brasil já tinha uma boa quantidade de videogames em circulação, em larga maioria o Atari, que chegava ao país da mesma maneira que os executivos das corporações tinham acesso, por importações. Evidentemente essas importações eram para poucos felizardos.

Viajar pra fora nessa época era caríssimo. Fora que ainda era preciso recorrer ao processo de conversão do sistema de imagens para jogar em TVs coloridas, já  os televisores no Brasil usavam o sistema PAL-M.

Mas o que pegou mesmo foram os clones. O primeiro clone brasileiro do Atari 2600 foi o CX-2600, lançado em abril de 1980, por uma empresa chamada Atari Eletrônica Ltda, fundada pelo joalheiro Joseph Maghrabi. O preço sugerido era de Cr$ 29.890,00, o equivalente a R$ 7.737,87, em valores de hoje.

 

Outros clones famosos do Atari 2600 foram os seguintes:

 Top Game, lançado em 1981 pela Bit Eletrônica.

Top Game

 

Dactari, fabricado pela Sayfi Computadores.

Dactari

Super Game VG- 2800 da CCE

Super Game VG- 2800

Tinha até um clone que vinha dentro de uma maleta, o Dactar Maleta, também conhecido como Dactar 007.

Dactar Maleta

 

Outro modelo bem curioro era o Onyx Junior, da Microdigital, conhecido como o clone do Atari 2600 com botão de pause para o jogo.

 

Julio Albertoni, que era CEO da Sayfi, responsável pelo Dactatvi, em entrevista para uma edição da revista Video News da época, foi bem sincero em dizer o que eram os clones:

“Desmontados  o Atari oficial e analisamos como funciona. Alguns componentes mandamos fazer aqui, os chips serão feitos por uma empresa americana. Nossa política é igual á dos japoneses: nada se cria, tudo se copia. Se deu certo para eles, por que não daria conosco?”.

Outra história curiosa, dessa vez com clones da Nintendo, envolveu a Gradiente. Como relata Marcos Santos, na época engenheiro da Gradiente, quando a Nintendo ficou sabendo da existência do Phantom System, clone do NES, o famoso Nintendo, os representantes da companhia vieram ao Brasil conversar com a Gradiente e propor um acordo.

Caso o Phantom fosse descontinuado, um acordo poderia ser fechado para que a Gradiente representasse oficialmente a Nintendo no Brasil. O Brasil, como destaca Marcos, foi o primeiro país a fabricar videogames da Nintendo fora do Japão.

Clonando cartuchos

Atari

Nem só de videogames se sustenta esse entretenimento, é preciso de algo fundamental: jogos. E o Brasil também soube lidar muito bem com a clonagem de cartuchos. As primeiras empresas que clonaram cartuchos foram a Canal 3 Indústria & Comércio e a Dynacom.

No auge da clonagem, 1984, mais de 20 empresas brigavam no concorrido mercado de cartuchos nacional. Nomes como Supergame, CCE, Imagic, Genus e Zirok estavam no meio.

O mercado era tão competitivo, que algumas tentavam captar a atenção do consumidor com soluções personalizadas. A Tron, por exemplo, vendia cartuchos que tinham uma espécie de alça, facilitando a remoção . Solução que nem mesmo o cartucho original da Atari tinha.

 

A engenhosidade também passava por modificar informações do software, para que o nome dessas empresas nacionais aparecessem no jogo, e até mesmo remover completamente os desenvolvedores e publishers legítimos.

A localização dos jogos para português também eram um show à parte. O FreeWay do Atari 2600 recebeu aqui o nome de BR-101.

A estratégia de cortar custos em todos os pontos fortaleceu a massificação dos jogos, já que o preço dos cartuchos clonados eram mais em conta que os originais.

Alguns desses cartuchos são verdadeiras raridades, como a série em caixas coloridas, produzida pela CCE.

O Atari da Atari chega ao Brasil

No ano que o mercado norte-americano de videogames colapsou, e em meio aos clones, o Atari licenciado chegou ao Brasil.  O Atari chegou ao Brasil em setembro de 1983.

E é claro que o momento que antecedeu a esse marco não deixou de carregar histórias interessantes.

Na época, a Atari já pertencia a Warner, e iniciou-se o processo de negociação para que a Polyvox, adquirida pela Gradiente em 1979, fosse a representante oficial da Atari no Brasil.

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Está lembrado do Joseph Magharabi? Aquele que fundou a Atari Eletrônica Ltda e lançou o primeiro clone da Atari no Brasil? Bom, a Atari oficial teve que negociar com ele para que o nome Atari pudesse ser usado. Não seria possível duas empresas com o mesmo nome. Um acordo foi estabelecido. Magharabi teve a permissão de continuar fabricando cartuchos compatíveis com o Atari 2600.

O próximo passo seria decidir como que a competição aos clones aconteceria. Seria preciso um grande trabalho de comunicação e marketing para vender a ideia do Atari legítimo.

Ancorado em um orçamento de aproximadamente US$ 7 milhões, A Atari foi com tudo na propaganda, ancorada no slogan: “O Atari da Atari”.

A Polyvox era também a responsável por lançar os cartuchos oficiais do Atari no Brasil, com todo o cuidado possível, incluindo os manuais e capas icônicas.

O Atari 2600 da Polyvox vinha com um cartucho, o Comando de Mísseis (Missile Command).

Atari
Cartucho do Comando de Mísseis (Missile Command)

Deu certo. O Atari 2600 foi um tremendo sucesso de vendas no Natal de 1983. O primeiro lote teve cerca de 30 mil unidades. O preço sugerido era entre 180 e 200 mil cruzeiros.

A Gradiente/Polyvox tinha planos de lançar no Brasil o Atari 7800, mas, de última hora, a empresa mudou os planos, e apostou no clone do NES, o Phantom Sytem.

Mesmo assim, a essência da Atari foi mantida aqui,  já que o design aplicado ao Phantom System, se manteve ao que seria usado para o Atari 7800. Ficamos com um clone de NES com cara de Atari.  Coisa de Brasil.

Sobre o Autor

Editor-chefe no Hardware.com.br, aficionado por tecnologias que realmente funcionam. Segue lá no Insta: @plazawilliam Elogios, críticas e sugestões de pauta: william@hardware.com.br
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