Opinião: cresci jogando games violentos. Ainda bem!

Opinião: cresci jogando games violentos. Ainda bem!

Lembro como se fosse hoje. Meados dos anos 90. Na casa dos meus primos jogando por longas horas a fio Mortal Kombat. Nada poderia ser mais divertido que aquilo. Em meio aos combos de golpes e dilacerações, o puro suco do entretenimento rompedor de padrões, criado por Ed Boon e John Tobias.

Muito me orgulha ter destrinchado jogos como Mortal Kombat e tantos outros que volta e meia são demonizados através de uma associação que não é um consenso no meio científico, e que é usado como uma muleta argumentativa em meio a situações dramáticas. Recentemente temos observado a associação de jogos violentos com a alteração do comportamento, que acarretaria em ações imperdoáveis, como os recentes casos de assassinato que vimos em escolas pelo Brasil.

Nas últimas semanas algumas figuras do meio político brasileiro se manifestaram sobre isso. Pincei duas. A primeira delas foi proferida pelo Deputado Zé Trovão (PL9-SC) que deseja interromper temporariamente a venda de jogos violentos eletrônicos que, segundo o parlamentar, incitem ou estimulem comportamento violento. A ação seria parte de uma investigação sobre a relação de jogos violentos no mundo real, com os casos relacionados às instituições de ensino.

A segunda fala é do Presidente do Brasil. Luis Inácio Lula da Silva disse o seguinte em uma reunião com autoridades: “Quando o meu filho tem quatro anos que ele chora, o que eu faço pra ele? Eu dou logo um tablet”. “Não tem jogo, não tem game falando de amor”, prosseguiu. “Não tem game falando de educação. Os games estão ensinando a molecada a matar, e, a cada vez, com muito mais mortes do que na Segunda Guerra Mundial”.

O chefe de estado também disse que “hoje a molecada joga com gente de outro país, passam a noite jogando”. “E tudo isso resulta nessa violência no meio de crianças”.

No geral, não dá pra esperar muito da maioria dos políticos, independente do espectro ideológico. Perde-se sempre muito tempo com discursos rasos e mancheteiros do que uma discussão com base sobre os temas. Com o tema sobre os jogos violentos não seria diferente.  Desde os anos 90 há uma crescente nesse tema, e muitas opiniões são colocadas de forma reducionista sem trazer nada de novo à discussão.

A meu ver, jogos violentos não têm relação direta com ações violentas fora do ambiente virtual. Por essa ótica, defendendo essa relação, teríamos que levar a mesma questão para qualquer outra vertente do entretenimento. E seria tão sem base quanto. A história mostra como há uma clara forçação de barra para usar um “bode expiatório” para a narrativa que está querendo ser passada.

gta 5 trevor crazy 1

Vide os anos 60. O rock foi demonizado de todas as maneiras possíveis. Hordas de conservadores, políticos e religiosos bravavam que esse estilo de música era perigoso e imoral, e que poderia levar a comportamentos indesejáveis, fora dos padrões da sociedade.

O caso mais emblemático aconteceu com a música Helter Skelter dos Beatles, presente no conhecido “Album Branco”. Charles Manson, que recrutava jovens e criou basicamente uma seita, creditou a essa música, e até mesmo ao álbum, como uma espécie de mola propulsora para o que foi feito em 8 de agosto de 1969.

Os membros da família Manson invadiram a casa que pertencia ao diretor Roman Polanski e a atriz Sharon Tate e cometeram um dos assassinatos mais brutais e cruéis de todos os tempos. Além de Tate, o cabeleireiro das celebridades Jay Sebring, o roteirista Wojciech Frykowski, a milionária Abigail Folger e o vigia da casa Steven Parent também tiveram suas vidas ceifadas.

Os criminosos escreveram vários nomes de músicas dos Beatles nas paredes. Uma delas era justamente Helter Skelter. Observe o que o discurso reducionista e estapafúrdio pode criar aqui. Seria muito conivente para certos grupos cravar que a música dos Beatles foram responsáveis diretamente pelo crime.

charles manson g
Charles Manson

A barbárie pode, para alguns, acaba sobrepujando a lógica que é a seguinte: milhões de pessoas ouviram e continuarão ouvindo este e outros álbuns e nem por isso irão cometer qualquer atrocidade parecida com essa.

Com os jogos é o mesmo. Agora uma coisa é fato. A interconexão de jogos com ambientes online acabou por facilitar a interação com versões hi-tech de loucos como Charles Manson. É muito importante que os pais mantenham um acompanhamento próximo dos jovens, já que uma espécie de recrutamento, ou modulação do pensamento pode ocorrer. 

Quero encerrar aqui com uma passagem de um livro que eu recomendo muito que você leia. “Tudo Que É Ruim É Bom Pra Você – Como Os Games e a TV Nos Tornam Mais Inteligentes”, de Steven Johnson. 

“Sob qualquer aspecto, o conteúdo de um episódio de 24 horas é mais violento e perturbador do que um de My Three Sons. Mas 24 horas faz o espectador pensar de maneiras que programas mais antigos jamais ousaram; ele o faz analisar situações complexas, acompanhar redes sociais, completar informações omitidas pelos criadores. 

A grande maioria dos espectadores compreende que a violência nesses programas atuais é ficção; eles compreendem que não devem considerar Tony Soprano um exemplo moral a ser seguido, ou adaptar sua forma de dirigir carros de acordo com suas excursões em Grand Theft Auto”.

Sobre o Autor

Avatar de William R. Plaza
Editor-chefe no Hardware.com.br, aficionado por tecnologias que realmente funcionam. Segue lá no Insta: @plazawilliam Elogios, críticas e sugestões de pauta: william@hardware.com.br
Leia mais
Redes Sociais:

Deixe seu comentário

X