A carreira e a vida de Bill Gates e Steve Jobs se entrelaçam em muitos aspectos. Ambos nasceram no mesmo ano, 1955, foram figuras centrais no desenvolvimento do mercado de computadores pessoais e softwares, e estão por trás de inúmeras histórias curiosas de parceria e rivalidade.
Os dois também seguiram caminhos opostos em termos de visão para o mundo da tecnologia. Jobs, mais centralizador, era mentalmente orientado ao produto final, enquanto Gates apostava em colocar seus softwares em cada vez mais PCs, de diferentes marcas — estratégia que se provou um acerto.
Um dos principais motivos que traziam extrema frustração a Jobs era lembrar dos momentos em que esteve fora da Apple, entre meados dos anos 80 e 90. Com John Sculley à frente da companhia, Jobs lamentava o que considerava uma guinada negativa nos rumos da empresa.
No contexto da década de 90, com a Apple perdendo fatia de mercado e receita, Jobs chegou a afirmar que a empresa “perdeu para a Microsoft porque Sculley insistiu em ordenhar todos os lucros possíveis, em vez de melhorar o produto e torná-lo acessível”.
Com a retomada de Jobs para a Apple, em 1996, muitas mudanças precisaram ser feitas. Jobs teve que “beijar” a mão de Gates, aceitando um acordo que o colocava numa posição pública desconfortável, mas que foi crucial para salvar a Apple da falência — e, por tabela, beneficiou também a Microsoft.
Neste artigo, vou relembrar a curiosa história de quando a Microsoft salvou a Apple da falência, graças a um investimento de US$ 150 milhões.
“A coisa mais louca que a Microsoft já fez”
Foi exatamente assim que Steve Ballmer, o polêmico e carismático ex-CEO da Microsoft e fiel escudeiro de Bill Gates, definiu o investimento que a Microsoft fez na Apple em 1997. Em uma entrevista à Bloomberg, em 2015, Ballmer lembrou que, quando Jobs voltou, a Apple estava praticamente falida, e que o investimento da Microsoft acabou sendo a base para as grandes inovações que a empresa traria nos anos seguintes.
É importante destacar que, em 1997, a Apple ainda tinha os computadores como seu grande produto. A revolução que a empresa causaria com o iPod, iPhone e iPad estava distante do horizonte de Jobs e sua equipe. O foco, naquele momento, era simplesmente encontrar um “galho” para se agarrar e sobreviver no mercado.
A escalada até o acordo
Na visão de Steve (algo que se provou verdadeiro), o que a Apple precisava fazer para sair da crise brutal que enfrentava no início dos anos 90 era focar em inovação, produtos e na filosofia “Think Different” (Pense Diferente). Um discurso um tanto marqueteiro? Sim, mas, na prática, o que a Apple realmente necessitava era alguém com a mentalidade de Jobs.
Ao “chutar” Jobs em 1985, a Apple ficou apenas com o comando de um gestor, sem a essência do cara maluco por produtos, papel que Jobs fez bem durante grande parte de sua carreira. Esse mesmo tipo de link é feito hoje. Com a morte de Jobs, e a administração tocada por Tim Cook, muitas pessoas dizem que a Apple perdeu “a alma”, e se tornou essencialmente uma empresa voltada aos lucros.
Após a Apple comprar a empresa que Jobs criou quando foi afastado, a NeXT, em 1996, por US$ 400 milhões — com o objetivo de aproveitar a base do sistema NeXTstep, mas que, na prática, serviu mais para trazer Jobs de volta —, era urgente estancar o “sangramento financeiro”.
Após a primeira passagem de Jobs, e o brilhante trabalho de Steve Wozniak, a Apple “surfou” por um tempo na onda do legado de anos anteriores, mas a partir dos anos 90 a companhia começou a desandar. Michael Spindler, sucessor de John Sculley, tentou vender a Apple para a Sun, IBM e até para a HP, mas as negociações não avançaram.
Em fevereiro de 1996, Spindler foi substituído por Gil Amelio, outro executivo que não deixou boas lembranças, marcado apenas como o responsável por fechar o negócio que traria Jobs de volta “para casa”. No primeiro ano de gestão de Amelio, a Apple perdeu US$ 1 bilhão.
O caminho que trouxe Jobs de volta à Apple e o fez se aliar a um de seus maiores rivais, Bill Gates, foi doloroso, exigindo que ele abdicasse de seu controle absoluto e tomasse decisões contrárias ao seu estilo habitual.
Primeiro, a ideia original de Jobs com a NeXT era replicar o modelo fechado da Apple, integrando hardware e software em um ecossistema controlado. A necessidade de licenciar seu sistema para que outros fabricantes o usassem em seus computadores era algo que Jobs nunca aceitou, mas teve que considerar para garantir a sobrevivência no mercado.
O segundo ponto foi a aliança com Gates. Embora os caminhos da Microsoft e da Apple sempre se cruzassem, era claro que Jobs acreditava que a Microsoft empobrecia o mercado, criando produtos que, em sua visão, eram mal feitos e sem o “toque de classe” que ele prezava na Apple.
Durante o período da NeXT, eles chegaram a ter um confronto intenso. Gates se recusou a produzir softwares para o computador da NeXT. Sua justificativa foi direta: “a máquina era uma bosta”. Foi exatamente assim que Gates descreveu o NeXTcube, lançado em 1988 por US$ 6.500 — a máquina que Tim Berners-Lee usou para colocar o primeiro site do mundo no ar.
Além de menosprezar o produto de Jobs pessoalmente, Gates não perdeu a chance de ridicularizá-lo na imprensa. Em entrevista ao InfoWorld, ele disse: “desenvolver para aquilo? Eu mijaria naquilo”.
Durante um encontro, Jobs demonstrou toda sua fúria para Gates, gritando que a NeXT seria a próxima onda da computação. Mas não aconteceu.
Quando Amelio comunicou a Gates que Jobs estava de volta, a reação de Gates de completa frustração, com uma razão bem específica. Cogitava-se na época a possibilidade do Mac utilizar o Windows NT, assim como a arquitetura x86 da Intel. Isso significava que Gates poderia expandir seu esquema de licenciamento, dessa vez com um nome de peso: a Apple. No entanto, com o retorno de Jobs, esses planos foram por água abaixo.
O bom filho à casa torna
No dia 20 de dezembro de 1996, foi feito o anúncio oficial: após 11 anos, Steve Jobs estava de volta à Apple, inicialmente como consultor. Esse retorno deu início a uma nova guerra de egos entre Jobs e Amelio. Dessa vez, Jobs retornava em grande estilo, e quem seria “chutado” da vez seria Amelio.
O dia da imagem emblemática
Se havia um lugar onde Steve Jobs era expansivo e poderoso, era no palco durante a apresentação de seus produtos. Ele criou todo um estilo voltado para o entretenimento nas revelações de seus novos gadgets e serviços. Porém, no dia 6 de agosto de 1997, na MacWorld daquele ano — a primeira desde o retorno à Apple —, Steve ficou visivelmente pequeno quando a imagem de Bill Gates apareceu no telão. Gates, que entrou via satélite, explicou como funcionaria a aliança entre a Apple e a Microsoft, que colocaria em stand-by uma disputa feroz por patentes.
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Segundo relembrou Jobs, em sua biografia escrita por Walter Isaacson, ele disse o seguinte a Gates durante o telefonema que foi o primeiro contato que resultaria no acordo:
“Preciso de ajuda”. A Microsoft estava sempre passando por cima das patentes da Apple. Eu disse que, se mantivéssemos nossas ações judiciais, em poucos anos poderíamos ganhar uma ação de 1 bilhão de dólares por patentes. “Você sabe disso, eu sei disso. Mas a Apple não sobreviverá tanto tempo se continuarmos em guerra. Sei disso. Portanto, vamos resolver isso logo. Tudo que preciso é o compromisso de que a Microsoft continuará desenvolvendo para o Mac, e um investimento da Microsoft na Apple, para que a Microsoft tenha algo a perder ou a ganhar com o nosso êxito.”
As negociações avançaram rapidamente e foram seladas em outro telefonema de Jobs para Gates, horas antes da apresentação na MacWorld. Jobs disse: “Bill, obrigado por seu apoio a esta empresa. Acho que, graças a isso, o mundo ficou melhor”.
A reação do público presente na MacWorld foi de rejeição. Após tantos embates entre Microsoft e Apple, o clima de revanchismo era evidente. No entanto, dadas as circunstâncias, a necessidade do acordo ficou clara. Jobs disse que, para a Apple seguir em frente e se recuperar, era necessário abrir mão de certas coisas, incluindo a briga com a Microsoft.
Embora não houvesse nada de benevolente na ação de Gates e da Microsoft — já que isso serviu como trunfo para a companhia em sua histórica batalha judicial EUA x Microsoft —, o acordo foi crucial para a Apple. O ponto principal era o investimento de US$ 150 milhões na quase falida empresa. Naquele momento, o que a Apple mais precisava era de dinheiro, e o que a Microsoft mais precisava era melhorar sua imagem — um casamento perfeito.
Além da quantia em dinheiro, a Microsoft continuaria desenvolvendo versões do Office para o Mac, e o Internet Explorer seria o navegador padrão. Esse acordo vigorou até 2003, quando a Apple lançou seu próprio navegador, o Safari.
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