Interview with Linus Torvalds, creator of Linux
Autor original: Chris Smart
Publicado originalmente no: distrowatch.com
Tradução: Roberto Bechtlufft
Como muitos leitores do DistroWatch Weekly devem saber, recentemente eu passei uma semana na Linux.conf.au em Hobart, na Austrália. Essa popular conferência anual atrai vários grandes nomes do mundo do código livre, incluindo Linus Torvalds (foto à direita), arquiteto-chefe e criador do kernel Linux. Em 1991, enquanto cursava a universidade de Helsinque, Linus lançou a primeira versão do kernel que batizara originalmente de ‘Freax’ – um jogo de palavras com ‘Free’ (gratuito/livre) e ‘Unix’. “Estou fazendo um sistema operacional (gratuito/livre) (só por hobby, nada profissional como o GNU) para clones de ATs 386 (486)… Ele NÃO é portável (usa a troca de tarefas do 386), e provavelmente nunca suportará nada além de discos rígidos AT, e isso é tudo o que eu tenho :-(“, escreveu Linux ao newsgroup comp.os.minix. Ironicamente, quase vinte anos depois, o Linux suporta mais hardware em sua configuração padrão do que qualquer outro sistema operacional, e é a espinha dorsal de muitos gigantes corporativos como o Google e a Amazon.
Na LCA deste ano eu tive o privilégio de encontrar Linus e bater um papo com ele. Dentre outras coisas, ele confirmou que ‘aquele blog‘ é dele mesmo, e aceitou responder a algumas perguntas para os leitores do DistroWatch.
DW: Linus, muito obrigado por arranjar tempo em sua agenda lotada para conversar conosco. Ficamos muito agradecidos! Tenho certeza de que muitos de nossos leitores estão interessados em saber qual distribuição Linux você usa, e o motivo. Do que você gosta nela e o que precisa ser melhorado? Você usa a mesma distribuição nas máquinas de trabalho e de lazer?
E a parte de “manter atualizada” realmente quer dizer que eu quero que a distro esteja atualizada e que seja bem abrangente (incluindo a facilidade de instalação de Flash, MP3 e outros plugins); do contrário, ela acabaria me fazendo ter trabalho baixando e compilando componentes com os quais eu nem me importo muito.
E sim, quero usar a mesma distribuição em todas as minhas máquinas, incluindo as dos meus filhos e da esposa, pelos mesmos motivos: eu me importo com o kernel (e com pouquíssimos programas), do resto eu quero que a distribuição cuide para mim.
Eis um exemplo dos pequenos detalhes que eu quero que a distribuição cuide para mim regularmente: comprei uma câmera DSLR mais moderna, já que nossa antiga já estava defasada em três gerações. Por isso, eu espero que a distro tenha suporte ao formato RAW, que ele seja recente e que suporte a última geração do [programa]UFRaw. E mais uma vez, se isso não acontecer, a distribuição não tem nenhuma utilidade para mim.
Ao mesmo tempo, eu quero ter a sensação de que a distribuição não é só um apanhado aleatório de programas novíssimos extraídos de uma espécie de ‘repositório SVN aleatório do mês’. Errar é humano, mas quero sentir que a distribuição tenta se manter atualizada sem fazer coisas totalmente alucinadas.
O resultado disso é que eu quero uma das distribuições com comunidades “grandes o suficiente” e que eu possa baixar, instalar e atualizar pela internet de maneira trivial; que seja proativa, mas não doida, no que tange às atualizações. Isso praticamente restringe minhas opções ao openSUSE e ao Fedora, com o Ubuntu possivelmente em terceiro lugar.
E nos últimos anos, tenho usado o Fedora.
DW: Já que o Fedora abandonou o suporte ao KDE 3.x recentemente, que desktop você está usando? Você migrou para o KDE 4.x, ou posso ousar dizer que escolheu o GNOME? Se for o caso, como foi a transição?
Eu escrevi o patch (incluindo a ferramenta gráfica de gerenciamento), enviei-o e ele foi rejeitado por seu “muito complicado para os usuários”. Bando de idiotas (e não estou me referindo aos supostos usuários).
Mas atualmente, o KDE é pior. Eu gostaria de explorar alternativas, mas se você acompanhou minhas respostas até agora e é observador já deve ter percebido que os programas envolvidos não estão na lista de coisas com as quais eu me preocupo tanto assim.
Tenho fama de não gostar do GNOME, mas o que eu não gosto não é bem de usá-lo, mas sim da aparente mentalidade da equipe do GNOME, achando que todos os usuários são idiotas, limitando o que posso fazer com o desktop por causa disso.
Entende a diferença?
Logo, eu uso o que quer que funcione melhor na minha máquina e no meu fluxo de trabalho, e o gerenciador de janelas não é algo profundamente importante para mim.
DW: O lançamento do Eee PC apresentou o Linux a um grupo mais amplo de consumidores comuns. O que você acha de ter o Linux rodando nos sistemas desses consumidores, e você acha que isso vai ajudar o Linux a ganhar mais pique no desktop? Você tem um netbook?
E sim, eu acho que o Linux se encaixa muito bem nesse espaço, em parte por funcionar melhor em hardware ultrapassado do que o Vista, por exemplo, e em parte porque acho que ele é uma boa forma de conquistar as pessoas que, como eu, não querem necessariamente um laptop que substitua o desktop, mas sim algo pequeno que possam levar em suas viagens. As pessoas não necessariamente esperam de um netbook o mesmo que esperam de um desktop, e não falo só em desempenho. E essas espectativas diferentes podem fazer com que seja mais fácil para as pessoas fortemente ligadas à Microsoft dizerem “Ok, quero algo pequeno e fácil para usar nas viagens, e se não rodar exatamente os mesmos aplicativos que rodo no meu desktop, eu não ligo”.
Essa mudança para computadores menores pode ser uma forma das pessoas se disporem a aprender algo novo, sendo apresentadas ao Linux num momento em que elas supostamente não estariam prontas para dar esse passo.
DW: Você acha que é bom termos tantas distribuições? Deveria existir um esforço colaborativo para uma única distribuição “voltada para o novo usuário” ou os novos usuários é que têm que se acostumar com o “jeitão do Linux”?
Claro que muita gente diz “mas você precisa de várias distros para o mesmo mercado?” quando pensam no mercado de desktop convencional, e só se prendem na questão do openSUSE, do Fedora e do Ubuntu dividirem o mesmo espaço. Mas você tem as distribuições focadas em questões específicas (e a competição é sempre desejável), permitindo que os mercados decidam quais questões são as mais importantes.
Além disso, ter vários times em jogo mantém a honestidade de todos e permite compará-los. Pode parecer tudo meio bagunçado e complexo, mas eu acho bem melhor ter um sistema feito por vários grupos do que por um só. Mesmo que seja mais complicado.
DW: E quais são as barreiras que impedem os novos usuários de manter o Linux no desktop? Depois que elas forem derrubadas, quando você acha que teremos “o ano do Linux no desktop”?
A maioria das pessoas acha que o desenvolvimento do software livre é bem rápido, mas não é. Sim, há grandes avanços acontecendo numa velocidade incrível, mas ao mesmo tempo, com freqüência certas questões se movem muito lentamente. Pense, só para pegar um exemplo totalmente aleatório que vem sendo discutido há anos, em algo como a interface do GIMP. Ela mudou tão rapidamente quanto as pessoas gostariam? Será que deveria?
E ao mesmo tempo, a questão são as pessoas, e não a tecnologia. Às vezes você precisa fazer as pessoas se acostumarem a uma nova idéia e a uma nova maneira de fazer as coisas, e isso também leva um bocado de tempo. Talvez a interface do GIMP não seja tão horrenda assim, e as pessoas é que tenham que mudar? Isso acontece.
Vamos pegar um exemplo na minha própria esfera de desenvolvimento – no git, uma das maiores barreiras era o fato dele ser diferente do que as pessoas estavam acostumadas; os que queriam outro CVS ou SVN tiveram muita dificuldade. Essa era uma questão constante que exigia explicações na lista de discussão do git.
A turma do git obviamente estava convencida de que essa questão de desenvolvimento distribuído era tão tecnicamente superior que era necessário entendê-la, e que não havia jeito de tornar o git centralizado de forma a atender às expectativas das pessoas. Com o git, a questão era ensinar as pessoas, mesmo que até um certo ponto seja bem mais difícil mudar as expectativas das pessoas com relação ao software do que mudar o software para corresponder ao que elas esperam.
Deu certo? Parece que sim. Essa história toda de gerenciamento distribuído de código fonte e a forma como ele muda fundamentalmente sua maneira de pensar sobre certas coisas parece estar acalmando um pouco. As pessoas estão se acostumando ao git, e têm reclamado menos sobre ele ser difícil de aprender. Mas levou tempo, literalmente. Muito tempo. E ainda não acabou.
E esse é um exemplo bem técnico, onde havia alguns argumentos contrários bastante fortes. Quando as pessoas estão se adaptando a toda uma experiência de desktop (bem mais imprecisa) e com tudo o que isso implica, leva ainda mais tempo.
DW: O quanto as várias distribuições influenciam na direção do kernel?
Outra coisas que as distros fazem é interagir com a depuração: um aspecto geralmente subestimado de uma distribuição é a forma como lida com os relatórios de problemas dos usuários e como os repassa para o upstream. E isso não acontece só com o kernel. Uma distribuição ativamente envolvida na solução de bugs e de problemas dos usuários obviamente irá influenciar bastante o projeto upstream.
Mais uma vez, as distribuições obviamente podem cuidar disso bem ou mal. Um dos motivos para que eu goste do Fedora é saber que eles são particularmente ativos nas duas coisas, contando com os desenvolvedores e tentando acompanhar o mais de perto possível o kernel mais recente, envolvendo-se ativamente nos relatos de bugs.
DW: É atribuída a você a frase de que lançar o Linux sob a GPL foi a melhor coisa que você já fez. Que forma você acha que o Linux teria assumido se não fosse pelas ferramentas GNU e pela GPL?
O mesmo vale para boa parte das ferramentas GNU – havia toneladas de ferramentas BSD, e quando comecei o Linux as versões BSD eram as melhores, embora isso seja discutível. A exceção era o compilador: o GCC (além da suíte Binutils) era única, e eu certamente percebi isso logo no início. Um dos maiores motivos para eu ter escolhido a GPL foi ter reconhecido a importância que o GCC tinha para o Linux.
Mas essa especulação de “como teria sido” é complicada. Impossível, eu diria. Muitas das questões envolvendo a escolha da licença dizem respeito ao efeito em rede, ou seja, da mesma forma que eu escolhi a GPL em parte por causa do GCC, outros projetos escolhem suas licenças por causa de outros que também escolheram. E não necessariamente porque as licenças em si são especiais, mas por causa do efeito em rede.
O que teria acontecido sem a GPL? Quem sabe? Outra licença como ela poderia ter aparecido, e atraído os mesmos tipos de seguidores. Ou não. Nunca saberemos.
DW: Você se lembra do primeiro patch que recebeu para o Linux? Você esperava por isso? Como você se sentiu?
Mas eu diria que comecei a receber patches por volta de novembro de 1991. Não foi imediatamente após o lançamento da primeira versão. Leva um tempo para que as pessoas dêem uma boa olhada no projeto e enviem suas alterações.
DW: Quais são as coisas mais empolgantes que virão por aí no kernel Linux?
DW: Para encerrar, o que você faz para se divertir?
DW: Mais uma vez obrigado por sua atenção e por seu trabalho, Linus. Desejamos tudo de bom para você!
Créditos a Chris Smart – distrowatch.com
Tradução por Roberto Bechtlufft <roberto at bechtranslations.com>
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