No fim dos anos 60 e início dos 70 um dos objetivos do Brasil era produzir nacionalmente dispositivos semicondutores e circuitos integrados.
Desse anseio surgiram alguns laboratórios históricos, como o Laboratório de Microeletrônica da Politécnica (LMI) e Laboratório de Sistemas Integráveis (LSI), ambos da USP, Laboratório de Eletrônica e de Dispositivos da Unicamp, Instituto de Microeletrônica do CTI em Campinas, entre muitos outros. Em 1968 o Brasil se tornou um dos primeiros países em todo o mundo a montar um laboratório destinado à pesquisa e ao ensino de microeletrônica.
Somado a esse investimento, havia a pretensão de tornar o Brasil auto-suficiente. Entre os anos 70 e 90, ocorreu uma forte tentativa de desprendimento tecnológico estrangeiro, com o fechamento ao mercado dos produtos de informática importados.
Esses anos, compreendidos hoje como um grande retrocesso em termos de tecnologia, e que acabou pavimentando uma pirataria institucionalizada, também contribuíram para que algumas tentativas fossem feitas em solo nacional. Como a criação de computadores brasileiros. O primeiro deles completa 50 anos no próximo domingo (24), o Patinho feio.
Concorrendo com o de fora
O objetivo da indústria nacional nos anos 70 eram realmente ousado. Garantir a autonomia para que o Brasil pudesse concorrer com IBM, Intel, Microsoft, Motorola, entre outros players. Uma das iniciativas mais marcantes veio da Marinha do Brasil, com base no incentivo do BNDE, que resolveu apoiar universidades para o desenvolvimento tecnológico nacional.
Em meio ao incentivo, os computadores gringos já eram objeto de estudo nas universidades. Na lendária Escola Politécnica da USP já estava em ação o IBM 1130, comprado pelo então diretor Oswado Fadigas Fontes Torres, com recursos do conde Álvares Penteado.
O objetivo era desmontar o equipamento e conhecer seu funcionamento. Modos operandi que casa perfeitamente com a noção clássica do que é ser um hacker. Aquele que busca e conhece os atalhos. Nos anos 40, mentes brilhantes do MIT, integrantes do grupo TMRC (Tech Model Railroad Club), já compartilhavam esse objetivo de descobrir o funcionamento e depois dominá-lo.
A IBM chegou a dizer que não faria a manutenção do 1130 caso ela fosse desmontado. Isso não impediu os membros da USP, que não só desmontaram como criaram outro laboratório, o LSD (Laboratório de Sistemas Digitais), do então Departamento de Engenharia Elétrica. Foi lá que surgiu o projeto e montagem do primeiro computador brasileiro, o Patinho Feio. O protótipo industrial foi desenvolvido para a Marinha do Brasil.
O impulso essencial para essa criação foi o curso de arquitetura de computadores ministrado por Glen Langdon, que era funcionário licenciado pela IBM. Uma das tarefas do curso era justamente a criação de uma máquina digital. O empenho foi tão grande que até mesmo uma oficina para fabricação de circuitos impressos de precisão foi montada. Da tarefa do curso surgiu o Patinho Feio.
O nome Patinho Feio tratava-se de uma brincadeira da equipe responsável pelo desenvolvimento, liderados por Antônio Hélio Guerra Viera, já que o projeto se contrapõe a outra tentativa semelhante, conduzida pela Unicamp, denominado Cisne Branco, mas que não foi para frente.
É preciso também fazer justiça ao “Zé” ou “Zézinho”, o protótipo pioneiro de um computador no Brasil, desenvolvido entre 1961 e 1962, por quatro alunos do ITA (José Ellis Ripper, Fernando Viera de Souza, Alfred Wolmer e Andras Vásárheli, sob orientação de Richard Wassauschek, que era chefe da Divisão de Eletrônica do ITA).
No entanto, como não recebeu o aval de nenhuma empresa privada ou mesmo do governo, o computador foi desmontado.
O Patinho feio
“Toda a comunidade brasileira havia passado a acreditar mais no Brasil e no seu futuro”. Essas foram algumas das palavras ditas pelo então governador de São Paulo, Laudo Natel, durante a inauguração do Patinho Feio, naquele 24 de julho de 1972, no departamento de engenharia e eletricidade da USP.
Cerca de 12 novos formandos da época, entre eles, Edith Ranzini, Edson Fregni e Célio Ikeda, ajudaram a materializar esse projeto emblemático da história da tecnologia no Brasil. O projeto foi iniciado em junho de 1971.
Suas principais características eram as seguintes:
- 8 bits;
- 4 kB de memória principal;
- Interfaces: unidade de fita de papel, impressora, terminal de vídeo e plotter;
- 45 placas de circuito impresso;
- Linguagem: assembly;
- 1 metro de altura;
- 1 metro de largura.
Por oito anos o Patinho Feio auxiliou em pesquisas na área de sistemas digitais e no treinamento de professores e alunos dos cursos de graduação oferecidos pela EPUSP. A máquina segue até hoje exposta para visitação pública no prédio da administração da Escola Politécnica da universidade.
Reservando o mercado
Com o grande feito do desenvolvimento do Patinho Feio, e a comprovação da capacitação das universidades e centros de pesquisa aliada à experiência da Divisão de Fabricação do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), em 1976 o governo brasileiro reservou para as empresas nacionais o mercado para mini e microcomputadores.
Era o pontapé inicial na reserva de mercado para o segmento de computadores, iniciada a partir de uma resolução da CAPRE (Comissão de Coordenação das Atividades de Processamento Eletrônico); órgão vinculado à Secretaria de Planejamento da Presidência da República.
A priorização a indústria nacional e as soluções estrangeiras abarcou outros produtos ao longo do desenvolvimento desse fechamento do mercado (1980: equipamentos para controle de processos; 1981: super minicomputadores; 1982: comandos numéricos; 1983: semicondutores e instrumentação; 1984: CADs e robôs industriais). Em 1984, o Congresso Nacional transformou a reserva de mercado em lei, chamada Política Nacional de Informática – PNI.
A publicidade, um elemento poderoso para reforçar um posicionamento, também fez seu papel em propagar a indústria nacional. Abaixo um cartaz da estatal COBRA (Computadores Brasileiros) que destacava o seguinte: “computador é como petróleo: é difícil depender dos outros.
Outro mercado importante que floresceu no Brasil em meio a reserva de mercado foi o de games, com suas inúmeras histórias curiosas sobre consoles nacionais que eram clones dos modelos internacionais. Contamos um pouco sobre isso aqui.
Deixe seu comentário