Vocês conhecem esse tal de ‘Lainucs’?

Vocês conhecem esse tal de ‘Lainucs’?

Lá pelos idos do ano 2000, muitos leigos e curiosos se referiam ao admirável ecossistema compreendido como distribuições GNU/Linux, como simplesmente “Lainucs”, observando atentamente a pronúncia de termos estrangeiros, por desconhecerem o significado desta palavra. Mas nos tempos atuais, raramente encontro usuários que o chama assim! Então, o que mudou nestes últimos tempos? A conclusão mais óbvia que poderemos ter, está no constatação de que o nosso amado Tux já não é mais assim um mero “ilustre desconhecido” da nossa população…

Estamos em 2011. Nesses últimos 10 anos, uma série de eventos moldaram o cenário do Software Livre de tal maneira, que os sistemas GNU/Linux passaram de um desconhecido e obscuro sistema operacional alternativo, para a mais promissora plataforma universal da Tecnologia da Informação. Se pararmos para olhar em volta, veremos que em praticamente tudo moderno, inovador e livre, há o toque do Software Livre, onde o Tux figura como o protagonista: smartphones, netbook, tablets e MIDs, além dos servidores de redes, dos sistemas embarcados, da computação em nuvens, da virtualização, do compartilhamento de ideias e até das políticas governamentais em prol da independência tecnológica, o Tux está onipresente!

Mas, o foco principal deste artigo, serão os simples usuários desktops.

Eis, Linus Torvalds, o criador do kernel Linux.

Há tempos, o Linus Torvalds fez uma declaração interessante, dizendo que…

Não acho que haja uma barreira, nem que haverá ‘um ano’. É uma combinação de várias coisas pequenas. Trata-se de uma caminhada lenta e constante rumo a uma solução mais completa, e de fazer as pessoas irem aos poucos experimentando algo diferente. Isso leva um bocado de tempo mesmo. ” — [Entrevista com Linus Torvalds, sobre “o ano do Linux no desktop”].

Somente com o passar do tempo, as pessoas começarão a se familiarizar com o Software Livre e todo o seu ecossistema, garantindo assim uma maior adoção. Porém, os sinais dos novos tempos já começam a aparecer neste novo cenário, onde não apenas a simples constatação da ausência do termo “Lainucs”, já se mostram evidentes. Por exemplo, se perguntarem aos usuários leigos “o que é o Linux”, boa parte destas pessoas irão responder que “é um sistema operacional”, entre outras observações superficiais do gênero. Inclusive, a figura do nosso simpático Tux já está bem associada ao sistema, pois frequentemente os sistemas GNU/Linux são referidos como “o sistema do pinguim”. Em poucas palavras: as pessoas já conhecemo o Tux!

Então, como este processo se deu?

O presidente Lula e o mascote do Linux, o Tux.

Por volta de 2005, o Governo Nacional iniciou um projeto intitulado PC Popular, onde uma série de incentivos fiscais e outras garantias de suporte, proporcionaram a venda de PCs desktops de baixo custo, voltados especialmente para as classes C, D e E. Na época, os altos custos provenientes das aquisições de licença de software e os altos índices de pirataria, além da necessidade de se obter a (tão sonhada) independência tecnológica, proporcionaram um ambiente interessante para a disseminação do Software Livre. Como consequência, se tornou obrigatória a adoção de sistemas operacionais GNU/Linux e um conjunto de aproximadamente 27 aplicações livres, para os montadores que desejarem participar.

De início, a proposta era realmente interessante, pois dada a necessidade de comercializar PCs Populares com uma configuração modesta de hardware (que deveria ser abaixo de R$ 1.400), as distribuições GNU/Linux ofereciam um desempenho desejável para esta classe de computadores. No entanto, ao invés dos montadores utilizarem as distribuições renomadas para esta finalidade e personalizá-las para atenter as exigências do programa, eles “apostaram” em distribuições especiais, feitas para atender as exigências do programa do PC Conectado. Mas infelizmente, estes sistemas eram mal-concebidos em relação aos aspectos técnicos, como o reconhecimento do hardware, a usabilidade e manuseabilidade, além da flexibilidade de customização. Se em condições ideais, já era difícil para o usuário substituir o popular Windows, imaginem então como seria a troca por um sistema mal-acabado, complexo de usar e de suporte precário, em vista da má qualidade do conjunto hardware e sistema operacional?

Resultado: uma grande parte dos consumidores que adquiriram o PC Popular, se mostraram avesso aos sistemas pré instalados (e com muita razão), optando por formatar a unidade do equipamento e instalar uma cópia “alternativa” do clássico sistema operacional que estão habituados a usar, sendo representados por uma média de 3 a cada 4 usuários. Para variar, o desinteresse por parte dos fabricantes em prover suporte técnico, acabou por destruir a reputação dos sistemas GNU/Linux em geral, chegando ao ponto da comunidade do Software Livre desenvolver a teoria de que “isto foi feito de forma proposital, para forçar os usuários a migrarem para o outro sistema operacional, quebrando assim as cláusulas do contrato que se referem à garantia e suporte do produto” (assim, não eram obrigados a arcar os custos de uma cara infraestrutura, necessária para prover suporte técnico). Teorias conspiratórias à parte, se ao menos adotassem uma simples e boa distribuição como o Ubuntu, certamente a história seria outra. E falando em Ubuntu…

O Ubuntu e a sua interface gráfica GNOME.

Paralelamente, esta popular distribuição ganhava fama e adeptos, devido ao seu foco exclusivo para os usuários desktops sem grande familiaridade ou conhecimentos técnicos. A facilidade de instalação, configuração e a excelente usabilidade promovida pelo ambiente gráfico GNOME, ajudou a romper mitos e preconceitos existentes sobre o sistema, como as clássicas dificuldades de uso e a noção de que o uso da linha de comando era essencial para a administração do sistema. Mas, ainda assim, por melhor que o Ubuntu fosse, isto ainda não bastava: então, graças ao pioneirismo da Canonical em fornecer gratuitamente as mídias de instalação e as reportagens sobre o sistema veiculadas pela grande imprensa, as pessoas finalmente descobriram o Ubuntu!

No entanto, uma nova era se aproxima, onde a figura do computador que antes era vista originalmente como o PC desktop que conhecemos, passará a ser vista como qualquer dispositivo (ainda que baseado na arquitetura de Von Newmann) capaz de estabelecer a conexão com a Internet, seja através de uma rede sem-fio Wi-Fi, 3G/4G ou WiMAX. Para esta classe de dispositivos, são adotados sistemas operacionais especialmente concebidos para prover uma certa flexibilidade de customização e adaptação, dada as características distintas de cada modelo e os serviços oferecidos pelos empreendedores. E como sabem, um sistema não se desenvolve “do dia para a noite”; por isto, não me impressiona saber que grandes players do mercado, adotaram o Tux para ser o coração destes sistemas novos.

Interface do Android, o sistema móvel mais popular da atualidade.

O público-alvo, cada vez mais interconectado e mais aberto às inovações tecnológicas, já não mostra tanta resistência e apego à computação clássica, trocando as experiências de anos em uso de desktops, para uma nova era onde reinam uma diversidade de novos sistemas voltados para os dispositivos móveis. À exceção do quarteto iOS (iPhone), Symbian (Nokia), Windows Phone (Microsoft) e BlackBerry (RIM), os demais sistemas conhecidos são baseados no kernel Linux, diferindo-se apenas na concepção de suas interfaces, APIs e kits de desenvolvimento. O Android (Google) é o maior expoente desta nova geração de sistemas baseados no kernel Linux; e o público, sabe disso (embora os demais ainda possuam uma ínfima fatia do mercado)!

Como havia dito, ao perguntarem ao usuário leigo “o que é o Linux”, elas já não irão mais expressar seus estranhamentos na pronúncia desta palavra. Embora suas respostas sejam superficiais, imprecisas e confusas, acompanhadas de comparações imperfeitas com as distribuições mais populares do mercado, ainda assim estarão bem à frente da obscuridade que o sistema se encontrava em tempos antigos. Para muitos entusiastas, ainda falta um longo caminho à percorrer; mas no estágio atual, esta familiarização já representa um bom começo.

Por Ednei Pacheco <ednei.pacheco [at]gmail.com>

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