Shotwell: uma análise breve e ranzinza

Shotwell: uma análise breve e ranzinza

A quick grumpy review of Shotwell

Autor original: Jonathan Corbet

Publicado originalmente no: lwn.net

Tradução: Roberto Bechtlufft

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Eu mexo bastante com edição de imagens, preparando fotos de conferências para artigos ou de crianças para seus avós. Nos últimos anos, o xv deixou de ser uma opção tão boa: ele fazia bem muitas coisas que outros programas ainda não tinham sacado como fazer, mas ele é velho, está morto, não é livre de verdade e não é mais mantido por ninguém. Agora eu faço boa parte desse trabalho com o gthumb. Infelizmente, já há algum tempo o gthumb está quebrado no rawhide (falha ao abrir o programa), e eu tive que achar uma alternativa. Nesse contexto, o Shotwell, um aplicativo relativamente novo, chamou a minha atenção. Dizem que o Shotwell vai substituir o F-Spot como gerenciador de fotos padrão no Ubuntu 10.10, então me pareceu que valia uma espiada.

Para começar, uma observação ranzinza sobre o problema do gthumb. A entrada no bugzilla indica que a falha ocorre devido à incapacidade de exibir efeitos 3D. Até onde eu sei, o gthumb ainda não é capaz de trabalhar com essas câmeras 3D que andam sendo muito comentadas. Na verdade, a exigência do 3D vem do desejo de exibir efeitos mirabolantes no modo de apresentação de slides. Efeitos visuais são bacanas, mas se tiram a capacidade de usar a ferramenta para a tarefa bidimensional para a qual ela se destina, temos que nos perguntar quais são as prioridades envolvidas.

Ao contrário do gthumb, o Shotwell 0.5.2 roda perfeitamente bem sem o acesso aos efeitos 3D. Também ao contrário do gthumb, o Shotwell não trabalha com um diretório cheio de imagens: é preciso importá-las para o aplicativo. É possível importar diretamente da câmera ou de um diretório. O que irrita é que o navegador de arquivos sempre começa no diretório home do usuário, não importando onde o aplicativo foi aberto, nem de onde o usuário acabou de importar um diretório. No momento, o importador não consegue lidar com imagens em formato raw.

Após a importação, as fotos são organizadas em “eventos”, que são os dias em que as fotos foram tiradas. A visão padrão é organizada em torno desses eventos, então o modo básico de interação é o de uma linha do tempo invertida de fotos. Cada evento tem uma “foto chave” associada, que é exibida para classificar os eventos. É claro que eventos de verdade geralmente tomam mais de um dia, e o Shotwell permite mesclar os eventos diários em grupos maiores. Só que não parece haver uma maneira de dividir um evento em dois. Se você tirar fotos de um casamento pela manhã, de uma reunião de negócios à tarde e de uma briga de bar causada por uma vuvuzela à noite, isso tudo vai continuar sendo um único evento para sempre para o Shotwell.

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Janela principal do Shotwell

Naturalmente, há suporte a tags nas fotos. É fácil adicionar tags a grupos de fotos, mas as tags só podem ser removidas foto a foto, uma por uma. Não há uma hierarquia de tags, então a lista vai crescer bastante se muitas tags forem usadas. As tags, assim como os eventos, são exibidas na coluna da esquerda e podem ser selecionadas facilmente.

O Shotwell tem algumas opções para edição simples de imagens, como a possibilidade de girá-las ou cortá-las. A remoção de olhos vermelhos também está presente. Seu uso é que é um pouco esquisito: a ferramenta coloca um pequeno círculo na imagem, e o usuário deve posicioná-lo sobre o olho e redimensioná-lo. O importante é que funciona, e prefiro desse jeito do que no gthumb, onde por vezes a ferramenta pode ser melhor descrita como “remoção de rosto vermelho”. O Shotwell tem uma pequena janela de diálogo para o ajuste de parâmetros como a exposição e a saturação. Também há um botão de aprimoramento (“enhance”), que faz sua mágica nos bastidores – o resultado nem sempre é bom.

A remoção de olhos vermelhos expõe uma estranha lacuna no conjunto de recursos do Shotwell: não dá para dar zoom em uma imagem. É sempre “ajustar a imagem à janela”, mesmo que o usuário não deseje isso. Assim fica meio problemático posicionar o círculo da ferramenta de remoção de olhos vermelhos sobre os olhos de alguém.

Os usuários de outras ferramentas de edição de imagens provavelmente vão procurar por uma opção de “salvar como” depois de realizar algumas alterações, mas o Shotwell não tem isso. Todas as edições são enfiadas em algum banco de dados oculto. O Shotwell não muda a imagem em si: ele mantém uma lista de edições que é aplicada na hora em que a imagem é exibida. Portanto, após algumas edições, a foto original não está mais visível no Shotwell, a não ser que o usuário tenha pensado em fazer uma cópia antes de realizar suas alterações. Sempre é possível desfazer as alterações e voltar à foto original, quando você se lembra de que a foto foi alterada. O que pega é que não há nenhuma indicação na interface avisando que modificações foram realizadas. É de se perguntar se os desenvolvedores do Shotwell estão cientes de que estão assumindo o compromisso de manter exatamente os mesmos princípios de edição para sempre. Seria perturbador se nossas imagens mudassem de uma forma imprevisível após uma atualização de software.

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Shotwell: visualização de única imagem, com editor

Até dá para salvar uma imagem editada, usando o recurso de exportação. Só assim é possível alterar a resolução da imagem. Não é possível alterar o formato em que uma imagem foi armazenada. Também há recursos para “publicar” uma foto em vários serviços web proprietários. Não cheguei a testar nenhum.

Para os usuários que só querem uma forma simples de colecionar e organizar suas fotos, o Shotwell talvez esteja rumando para se tornar uma alternativa razoável. Mas para editores ranzinzas como eu, a abordagem do aplicativo parece errada. Um diretório cheio de fotos é exatamente isso; não deve haver a necessidade de se “importá-las” para a caixa preta de um aplicativo para trabalhar com seu conteúdo. Qualquer fluxo de trabalho não trivial envolve várias ferramentas, incluindo editores de imagens raw, o Gimp, o hugin e afins. Depois que uma imagem desaparece no universo alternativo do Shotwell, ela não está mais disponível para nenhum outro programa. Em outras palavras: na minha opinião, a prática de transformar um diretório de imagens em outro diretório escondido quebra o conceito de ter uma caixa cheia de ferramentas úteis. Isso torna o Shotwell inútil.

Também fico me perguntando o que vai acontecer se, daqui a alguns anos, os usuários quiserem migrar para um aplicativo novo e mais interessante, capaz de lidar com as fotos 3D que vão tirar. Como transferir milhares de imagens, muitas com edições escondidas em lugares que só o Shotwell conhece, para esse novo aplicativo? Exportar todas, uma por uma, não parece uma opção muito atraente. O Shotwell é software livre (LGPLv2.1), então alguém pode criar uma ferramenta “liberte minhas fotos” para cuidar disso. Mas para mim, o fato de precisarmos de um aplicativo desses me parece errado.

Há espaço para inovação nessa área. Embora o Linux tenha ótimos programas para o gerenciamento e a edição de fotos, as coisas certamente podem melhorar. Eu esperava que essas inovações não quebrassem o conceito de caixa de ferramentas nesta área onde tais caixas se mostram altamente apropriadas. O Shotwell é um aplicativo jovem. Talvez ele evolua e aprenda a se entrosar melhor com outros aplicativos, libertando os usuários. Até lá, ele certamente vai ser bem recebido por certas classes de usuário, mas não por todas.

Créditos a Jonathan Corbetlwn.net

Tradução por Roberto Bechtlufft <info at bechtranslations.com.br>.

Veja também:

Artigo: gThumb, o editor de imagens que você não conhece

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