Em uma das experimentações visuais mais inusitadas do Google, a equipe da DeepMind deu vida a um curta-metragem silencioso inteiramente gerado por inteligência artificial. Usando fotografias do século 19 encontradas em um brechó, o projeto reconstrói uma aventura fictícia com estética de cinema antigo, mas produzida com ferramentas de última geração.
Uma odisseia vintage gerada por IA
O projeto, batizado de The Great Voyage, começou como uma descoberta improvável: uma caixa de retratos envelhecidos do século 19, comprados em um brechó. Eram carte de visite, um popular formato de retrato da década de 1860, impresso em tons sépia e geralmente posado com rigidez — como se o tempo exigisse silêncio e compostura.
Mas essas imagens não ficaram esquecidas. Em vez de tratá-las como relíquias, a equipe da DeepMind as usou como base para treinar o modelo de geração de imagens Imagen, em uma versão ajustada com LoRA (Low-Rank Adaptation). A ideia era simples e ambiciosa: ensinar a IA a pensar como um fotógrafo do século 19. O resultado foi uma reinterpretação visual que respeita o charme antigo, mas expande os retratos em cenas cheias de movimento e fantasia.
A estética do cinema mudo reinterpretada
Cada quadro de The Great Voyage evoca o clima dos filmes mudos da década de 1930. Os personagens — Francis, um inventor sonhador, e sua esposa Edith — embarcam rumo a um novo mundo povoado por criaturas estranhas e paisagens irreais. A composição visual mistura elementos clássicos da fotografia vintage com interferências tecnológicas que revelam, discretamente, a origem digital da obra.
As expressões são exageradas, os gestos contidos e as cenas carregam uma leve estranheza — um leve desconforto que lembra o “vale da estranheza” das imagens geradas por IA. Ainda assim, é justamente essa imperfeição que torna a experiência cativante.
A trilha sonora que carrega a emoção
O que realmente costura a narrativa é a trilha sonora, também composta por IA. Aqui, a música não serve apenas como pano de fundo: ela é o fio condutor da história. De pianos suaves a cordas dramáticas, a trilha responde com precisão emocional às viradas da narrativa.
Tal como nos antigos filmes mudos, em que a música substituía o diálogo, The Great Voyage usa a trilha para transmitir intenções, pausas e reviravoltas. Em muitos momentos, é possível fechar os olhos e ainda assim acompanhar a jornada com clareza, apenas pela cadência sonora.
IA com alma de fotógrafo do século 19
O diferencial técnico por trás do projeto está no uso da técnica LoRA, que permitiu refinar o modelo Imagen sem a necessidade de recomeçar do zero. Em vez de generalizações modernas, o modelo foi adaptado para compreender as limitações visuais e composições do século 19 — aprendendo, por exemplo, como lidar com sombras pesadas, enquadramentos rígidos e tons desbotados.
O resultado não é apenas uma animação feita por IA. É uma espécie de cápsula do tempo que nunca existiu — uma viagem alternativa por um passado que só pode ser contado com as ferramentas do futuro.