Windows 8 para processadores ARM: O que esperar?

Windows 8 para processadores ARM: O que esperar?

Durante muitos anos, a Microsoft e a Intel desfrutaram de um casamento tranquilo, a famosa aliança “WinTel”, onde a Intel dominava a fabricação dos processadores e o desenvolvimento da plataforma PC e a Microsoft controlava o sistema operacional mais usado, com ambas colaborado para manter o ciclo de adoção e upgrades da plataforma. Entretanto, o avanço de outros concorrentes e o enfraquecimento da plataforma PC como um todo colocaram as duas no caminho do divórcio, com a Intel investindo em projetos baseados em Linux, com o Moblin e o Android e a Microsoft abraçando a plataforma ARM, atual arqui-inimiga da Intel.

Já faz anos que se especula que a Microsoft estaria trabalhando em uma versão ARM do Windows 8, mas a confirmação veio apenas em janeiro de 2011. Desde então o sistema parece estar evoluindo rapidamente, com demonstrações públicas da Microsoft sugerindo que ele já está se aproximando da disponibilidade e parceiros já se preparando para um lançamento simultâneo das versões x86 e ARM do sistema. Entretanto, muitas dúvidas sobre o sistema persistiam, incluindo dúvidas básicas sobre se haveria ou não algum tipo de compatibilidade com aplicativos Windows x86. Finalmente, a Microsoft publicou mais informações sobre o sistema, que deve chegar ao mercado ainda esse ano.

A primeira confirmação é que o Windows 8 para processadores ARM está sendo considerado como um produto separado pela Microsoft, que compartilha a mesma fundação do Windows 8 para desktop e que compartilha um grande volume de código com ele, mas que será tocado por uma equipe de desenvolvimento independente, usando um repositório próprio. É uma situação muito similar ao que temos no caso do Windows Server, que embora compartilhe muitos componentes com a versão desktop, não está amarrado aos mesmos cronogramas que ele e nem compartilha diretamente da mesma árvore de código. Essencialmente, embora as versões x86 e ARM estejam destinadas a oferecerem a mesma interface e uma experiência de uso similar, as duas versões serão tratadas de forma diferenciada pela Microsoft, de acordo com a resposta do mercado e as prioridades da empresa.

A segunda questão é a interface. Embora o Windows on ARM, ou WOA utilize por padrão a interface Metro, o desktop tradicional pode ser invocado a partir da tela inicial, onde é possível gerenciar arquivos usando o Windows Explorer, navegar usando a versão desktop do Internet Explorer ou editar documentos no Office, como faríamos em um desktop Windows x86. Todos estes aplicativos são naturalmente portes das versões x86, com adaptações e otimizações para uso em telas touch-screen, muito embora o suporte a mouse e teclado tenha sido preservado.

Embora a Microsoft esteja trabalhando em ports ARM de muitos de seus aplicativos (Windows Explorer, Internet Explorer, Word, Excell, PowerPoint, OneNote, que fazem parte do pacote “Office 15”), que estarão disponíveis juntamente com o sistema, é importante enfatizar que não existirá nenhuma camada de emulação para aplicativos x86 de legado.

Aplicativos Metro podem ser desenvolvidos para rodarem em ambas as plataformas, assim como no caso de aplicativos Android, que também rodam sobre ARM e x86, mas o WOA não rodará aplicativos como o Corel e Photoshop, bem como jogos e outros aplicativos, o que significa que de início o Windows 8 ARM será lançado com um conjunto bastante limitado de aplicativos, incluindo apenas widgets e aplicativos Metro, combinados com os aplicativos da Microsoft e de alguns poucos parceiros. De início a Microsoft não parece interessada em permitir o porte de aplicativos desktop para o WOA, estimulando o desenvolvimento de aplicativos Metro, que serão distribuídos através da Windows Store.

A Microsoft está colocando uma grande ênfase na otimização do sistema e dos aplicativos para o baixo consumo de energia, por isso é provável que a autonomia dos tablets com o WOA seja similar à dos concorrentes, podendo ficar sempre ligados e permanecer vários dias sem uso em stand-by sem esgotar a bateria. A Microsoft está também tentando portar muitas destas otimizações para o Windows x86, o que pode resultar em alguns tablets com o Atom e o Windows x86 também oferecendo uma boa autonomia.

Um dos desafios de portar sistemas operacionais da plataforma PC para a ARM é o fato de, muito mais do que simples mudança nas instruções do processador, as duas plataformas oferecem formas bem diferentes de interagir com o hardware. No mundo x86, todos os sistemas se comportam de forma similar, com o BIOS ou UEFI inicializando o hardware, o ACPI sendo usado para enumerar os dispositivos, bem como para funções de economia de energia, o uso do PCI, PCIe e USB para a conexão de periféricos e uso do SATA, IDE, SCSI ou USB para a conexão de dispositivos de armazenamento. Graças a essa consistência entre diferentes sistemas, o mesmo LiveCD do Ubuntu pode rodar sem problemas nas mais diferentes configurações, detectando todo o hardware durante o próprio boot.

No mundo ARM ainda não existe este tipo de padronização, e cada fabricante escolhe quais barramentos usar e como os diferentes componentes do SoC (bem como periféricos externos) devem ser endereçados, na maioria dos casos sem um sistema plug-and-play para detecção dos diferentes componentes. Em resumo, na maioria dos sistemas ARM espera-se que o desenvolvedor responsável conheça todas as particularidades da configuração e seja capaz de gerar uma imagem do sistema pré-configurada para ela. É por isso que mesmo no caso de projetos destinados a suportarem vários aparelhos, como no caso do Cyanogen, é necessário que seja gerada uma imagem diferente do sistema para cada dispositivo suportado.

Em vez de se adaptar ao meio, como fizeram o Google e outros fabricantes, a Microsoft decidiu partir para a briga, criando normas de plataforma para os dispositivos ARM desenvolvidos para rodar o WOA. A primeira demanda é a necessidade da presença do UEFI e do ACPI, duas tecnologias vindas diretamente da plataforma PC. Outras normas incluem a obrigatoriedade do suporte a USB e Bluetooth 4 e do uso do SATA, eMMC ou USB para a conexão de unidades de armazenamento, bem como normas em relação ao tamanho e resolução da tela. Com isso, os dispositivos ARM destinados ao WOA ficarão bem mais similares aos PCs, o suficiente para que o sistema operacional seja capaz de detectar os componentes e dar boot de forma similar ao que faria em um PC, independentemente do SoC ARM usado.

Por outro lado, esse conjunto de demandas fará com que o WOA não rode em dispositivos já existentes, e possivelmente encarecerá os aparelhos, já que os fabricantes precisarão incluir componentes adicionais e se adaptar às normas da Microsoft.

Apesar da flexibilidade em termos de suporte a diferentes configurações, o WOA será fornecido apenas pré-instalado em produtos, assim como no caso do iOS, sem a possibilidade de baixar ou comprar uma caixinha e instalá-lo em algum dispositivo já existente. O fato de os dispositivos virem com o bootloader travado também impedirão (ou pelo menos dificultarão) o uso de outros sistemas operacionais, como o Android ou Linux, diferente do que temos nos PCs onde (ainda) temos liberdade para instalar vários sistemas operacionais na mesma máquina. Em outras palavras, salvo eventuais hacks, o WOA não poderá ser instalado em tablets com o Android e tablets com o WOA não rodarão outros sistemas.

Um ponto positivo na estratégia da Microsoft é que as atualizações serão centralizadas através do Windows Update, o que reduz a amarração aos fabricantes e à frequente má vontade deles na hora de disponibilizar atualizações. O ponto ruim é que o usuário ficará amarrado à Microsoft tanto na hora de receber atualizações quanto na hora de comprar e atualizar os softwares (que serão vendidos apenas através da Microsoft Store), um ambiente bem mais fechado e restritivo do que estamos acostumado ao usar o Windows em um PC.

A Microsoft adotou uma estratégia similar à da Apple, criando uma plataforma fechada, preservando o controle sobre as configurações de hardware, as atualizações e a distribuição dos aplicativos. Isso deve assegurar uma experiência de uso previsível para os usuários, com tudo funcionando mais ou menos como deveria e diferentes dispositivos baseados na plataforma oferecendo uma experiência de uso consistente. Por outro lado, existe um preço a pagar, que é a rigidez das normas e a falta de flexibilidade em relação à instalação de outros sistemas operacionais e softwares.

Usuários que esperavam uma experiência de uso similar à dos PCs provavelmente ficarão decepcionados, já que embora a interface inicial seja a mesma, a similaridade está restrita à superfície, já que o catálogo de softwares será bem mais restrito e baseado predominantemente em aplicativos Metro. Entusiastas, que torcem o nariz para plataformas fechadas também tenderão a evitar a plataforma, erodindo o suporte comunitário a ela. A Microsoft também tende a ter dificuldade em lidar com os fabricantes, que andam cismados com o pacto com a Nokia.

Em resumo, a Microsoft terá vários desafios pela frente, concorrendo com sistemas bem estabelecidos como o Android e o iOS em seu próprio jogo. O sucesso ou fracasso do sistema dependerá de como a Microsoft conseguirá se adaptar ao mercado e às demandas dos parceiros e usuários.

Quem estava ansioso por colocar as mãos em algum beta ou pré-release do sistema precisará esperar mais, pois Consumer Preview do Windows 8 que será lançado no final do mês será apenas para x86. A Microsoft anunciou que pretende distribuir um número limitado de placas de desenvolvimento com o sistema pré-instalado, mas elas naturalmente serão destinadas apenas a parceiros. Devido aos requisitos de hardware, o sistema não rodará sobre nenhuma plataforma já existente, por isso a menos que algum tipo de VM seja disponibilizada, espere ter contato com o sistema apenas quando os primeiros dispositivos comerciais estiverem chegando ao mercado.
 

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