Reações previsíveis ao WebM

Reações previsíveis ao WebM

Swift and predictable reactions to WebM

Autor original: Nathan Willis

Publicado originalmente no: lwn.net

Tradução: Roberto Bechtlufft

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No dia 19 de maio, o Google tomou uma atitude que muita gente na comunidade de código aberto já esperava (e pela qual a Free Software Foundation clamava em março): disponibilizou o codec de vídeo VP8 ao público sob uma licença sem royalties e de código aberto no estilo BSD. Ao mesmo tempo, apresentou o WebM, um sistema de áudio e vídeo de código aberto focado no HTML5 que faz uso do VP8, e anunciou um grupo de parceiros (corporativos e de código aberto) que apoiam o formato WebM, incluindo navegadores web e sites de vídeo como o seu próprio YouTube.

As partes interessadas e seus argumentos

A jogada não pegou ninguém de surpresa. O Google começou tentando adquirir a criadora do VP8, a vendedora de codecs On2, há alguns meses, e mesmo antes da aquisição se concretizar a especulação já havia começado. A reação do público ao lançamento do WebM também não foi muito surpreendente. A MPEG-LA, que vende licenças para o codec concorrente H.264, sugeriu que quem usasse o VP8 seria processado por violação de patentes. Um hacker independente do H.264 logo atacou o VP8, afirmando que ele seria inferior em todos os sentidos, e que certamente violaria várias patentes do H.264. Os proponentes do H.264 e os sites de notícias em geral começaram a divulgar o post do hacker, ainda mais quando Steve Jobs supostamente encaminhou um link para o post em resposta a um email que pedia sua opinião sobre o VP8.

A resposta da comunidade de código aberto veio em dois blocos. Primeiro, uma longa lista de projetos e empresas de multimídia anunciaram o suporte ao VP8 e ao WebM; algumas (como a Mozilla e a Collabora) já sabiam de tudo e trabalhavam no código antes do assunto se tornar público; outras começaram a trabalhar logo após o anúncio.

Em seguida, veio a oposição e a refutação às declarações públicas da MPEG-LA e aos ataques do hacker do H.264, Jason Garrett-Glaser. Muitos destacaram o óbvio interesse de Jason Garrett-Glaser em defender o H.264 como o melhor codec em termos técnicos, já que ele desenvolve o projeto de codificador x264, e sugeriram que ele já tinha preconceito em relação ao VP8 antes mesmo de examiná-lo. O site StreamingMedia.com comparou os codecs lado a lado, codificando uma fonte de mídia em comum nas mesmas taxas de áudio e vídeo, coisa que Garrett-Glaser não fez, e concluiu que não havia diferenças notáveis na maioria das aplicações. O hacker do Theora, Gregory Maxwell, comentou sobre as questões técnicas em um email à lista Wikitech, defendendo que o lançamento inicial do codificador VP8 do Google representa um ponto de partida muito propício à otimização.

A turma do contra criticou o VP8, alegando que o H.264 já conta com amplo suporte em dispositivos de hardware. Isso pode ser verdade, mas a maior parte desse suporte a hardware está na forma de código de DSP, e já havia ports do Theora para DSP em desenvolvimento. Levando-se em conta que o Google já patrocinou otimizações do Theora para a arquitetura ARM, deduz-se que ele irá estimular a reprodução do VP8 em DSP também, e a plataforma Android da empresa é uma boa candidata a apresentar isso.

Patentes e ambiguidade

Mais importante do que o desempenho técnico atual (ou potencial) do VP8 é a questão dele poder ou não ser usado legalmente sob os termos descritos na licença e na concessão de patentes do WebM. Ele é claramente um avanço em relação ao Theora, mas se a concorrência provar a violação de patentes, o codec precisará ser alterado antes de poder ser usado em segurança.

Aqui temos dois pontos passíveis de discussão. O primeiro diz respeito à crença de que o VP8 certamente viola patentes usadas no H.264 porque os codecs compartilham uma estrutura muito semelhante. Garrett-Glaser defende esse ponto de vista, destacando as semelhanças nos algoritmos. Christopher “Monty” Montgomery, do Xiph.org, criticou essa declaração, afirmando tratar-se de uma enorme hipérbole, e outros comentaram que todos os codecs baseados em DCT seguem as mesmas etapas básicas; essas etapas não são cobertas por patentes de codecs de vídeo.

Maxwell também nega outros argumentos semelhantes, dizendo que Garrett-Glaser não tem conhecimento suficiente em patentes, e que inclusive tem muito pouco conhecimento sobre as patentes específicas do H.264, já que o x264 as ignora em sua implementação do H.264. Ainda segundo ele:

As patentes de codecs, de modo geral, são terrivelmente específicas. Isso faz com que seja muito mais fácil aprová-las, e não reduz em nada a capacidade dessas patentes de cobrirem o formato em questão, pois o formato dita o comportamento exato. Isso geralmente faz com que seja fácil evitá-las.

A segunda discussão diz respeito a imaginar se a MPEG-LA, que licencia as patentes do H.264, vai ou não acusar legalmente o VP8 por violação de patentes. Mais uma vez, o debate público é dominado por duas opiniões: a de que o Google certamente fez uma “geral” nas patentes, liberando completamente o VP8, e a de que os advogados de patentes da On2 certamente sabiam o que estavam fazendo quando desenvolveram o VP8 – ou ainda, a de que certamente o VP8 viola alguma patente, porque há muitas patentes no H.264 ; certamente o VP8 comete alguma violação, porque o H.264 foi criado pelos melhores criadores de codecs, usando as melhores tecnologias.

Para fugir ao âmbito do certamente, consideremos as possibilidades atuais caso a caso. É lógico sugerir que, se a MPEG-LA tiver mesmo um caso genuíno aqui, ela irá levá-lo aos tribunais. Se não tiver, a questão é se o consórcio irá aos tribunais só para criar confusão no mercado e ganhar tempo para continuar vendendo licenças de patentes do H.264. Seja como for, os riscos de se ir à justiça são extraordinariamente altos – porque o Google poderia facilmente inverter a situação e virar autor de um processo também.

Apesar do material promocional da MPEG-LA sugerir que a licença do H.264 garante direitos plenos de uso do H.264, a verdadeira garantia do pool de patentes é bastante fraca:

Não há e nem podem haver garantias de que a licença inclua todas as patentes essenciais. O propósito da licença é o de oferecer uma alternativa de licenciamento conveniente a todos nos mesmos termos, e incluir a maior quantidade possível de propriedade intelectual para sua conveniência. No entanto, a participação na licença é voluntária da parte dos mantenedores de patentes essenciais.

Vamos ser claros, por favor

Em outras palavras, patentes submarinas e trolls de patentes podem ameaçar o H.264 – e, teoricamente, a On2 e o Google podem ser detentores dessas patentes. E então, o que a MPEG-LA vai fazer? O CEO Larry Horn já sugeriu, sem afirmar diretamente, que acredita ter um caso genuíno contra o VP8. Tendo ou não, iniciar um processo de violação de patentes pode pôr em risco a galinha dos ovos de outro – o H.264. Seria muito mais seguro fazer bastante alarde em público, buscar acordos de licenciamento com fornecedores de hardware e software enquanto fosse possível e trabalhar no pacote de licenciamento do próximo codec. Por sua vez, o Google pouco fez em público além de expressar sua confiança de que não há problemas com patentes.

Isso não parece muito satisfatório para o desenvolvedor de software, que provavelmente vai preferir uma divisão clara entre “seguro” e “não seguro” com relação ao VP8. Infelizmente, o jogo de patentes moderno não funciona desse jeito. Na prática, as patentes são armas secretas que só podem ser usadas para processar (e ameaçar processar) oponentes. Todos os jogadores do mercado têm patentes, e dado o vasto número de patentes concedidas – e o alcance desconhecido delas – muitas permanecerão realmente escondidas até a hora do ataque.

Ainda assim, há quem sugira que o Google possa e deva oferecer algum nível de clareza, documentando de forma pública e transparente as patentes das quais é proprietário com o VP8, e o processo de pesquisa de patentes que usou para determinar que nada no VP8 infringia as patentes de seus concorrentes. Florian Mueller, doFOSS Patents, comentou:

No mínimo, eu acho que o Google deveria dar uma olhada nas patentes da MPEG-LA e nas patentes de alguns trolls conhecidos, e explicar por que não há violação de patentes. Os programadores têm o direito de contar com essas informações, para que possam tomar uma decisão informada por conta própria, em vez de optar por correr ou não o risco. Faz sentido pedir ao Google que realize um esclarecimento bem documentado sobre as patentes, porque ele certamente tem recursos para isso, ao contrário da maioria dos desenvolvedores de código aberto.

Rob Glidden, ex-Sun, comparou o anúncio do VP8 pelo Google ao procedimento que a Sun adotava ao trabalhar no hoje encerrado projeto de codec de vídeo Open Media Stack, que baseava seu trabalho em fundações identificáveis de direitos de propriedade intelectual, documentava sua estratégia de patentes e estava disposto a trabalhar com grupos de padrões de boa-fé para resolver eventuais problemas. Ao optar por seguir por conta própria, diz ele, o Google acaba ferindo o processo de padrões abertos do qual a web depende.

Por outro lado, o Google pode considerar vantajoso manter a pesquisa de patentes do VP8 em segredo, para forçar atacantes em potencial a trabalhar mais para encontrar uma infração. Ninguém espera, e nem deveria esperar, que a MPEG-LA aja com a clareza que está sendo exigida do Google. Às vezes, a MPEG-LA gosta de se apresentar como se fosse um conjunto de padrões – que produz trabalho técnico refletindo o consenso da indústria, e ratificando as melhores ideias possíveis em especificações globais. Só que isso não é verdade. A MPEG-LA é um negócio com fins lucrativos, vendendo seu produto e fazendo marketing dele em nome de seus membros e contra todos os competidores.

Como seu produto é a proteção contra processos movidos por ela mesmo, a MPEG-LA não ganha nada traçando linhas mais claras. Até o comentário de Horn sobre a criação de um pool de patentes para o VP8 está envolto em uma linguagem vaga: já se manifestou interesse nisso” e “estamos analisando os prospectos de se fazer isso.

Obviamente, tudo gira em torno do HTML5… e do dinheiro

Por trás dessa briga toda está a disponibilidade de um codec de vídeo de implementação gratuita para o HTML5. A MPEG-LA e seus parceiros nesta empreitada lutaram contra o Theora, e agora vão fazer o mesmo contra o VP8. Não espere que a MPEG-LA mude de ideia e passe a apoiar um codec completamente livre; isso tiraria a razão de ser dessa organização. A MPEG-LA quer que o H.264 vença, não por ser melhor tecnicamente, mas porque é o produto dela.

O software de código aberto está em uma situação difícil em relação ao modelo de licenciamento da MPEG-LA. Embora os usuários é que estejam infringindo patentes ao assistir a conteúdo H.264, a MPEG-LA exige que todos os distribuidores de codecs, como as fornecedoras de navegadores de internet, paguem uma licença. Isso simplesmente não é possível para o software livre.

A MPEG-LA adiou a data de cobrança de royalties para a transmissão de H.264 pela internet até 2015, e quando chegarmos lá, ela pode acabar adiando de novo. Ela não se importa explicitamente com o mercado de navegadores de código aberto em si; ela simplesmente criou uma estrutura de taxas que deixa o software livre em uma situação difícil. O dinheiro mesmo vem de pacotes de produção e edição de vídeo, e de grandes sites de hospedagem de vídeos que convertem milhões de vídeos.

Logo, a verdadeira batalha para a adoção do VP8 talvez seja essa também. O Google apresentou uma longa lista de parceiros do WebM ao revelar o projeto, incluindo várias empresas importantes de software proprietário como a gigante Adobe e a Sorenson, ex-estrela do Quicktime. Enquanto a MPEG-LA tem mais a perder do que a ganhar processando o Google por causa do VP8 hoje, isso pode mudar se os grandes nomes da produção e conversão de vídeo começarem a adotar em peso o WebM. Se isso acontecer, pode ser a gota d’água para que a MPEG-LA leve o caso aos tribunais.

Créditos a Nathan Willislwn.net

Tradução por Roberto Bechtlufft <info at bechtranslations.com.br>

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