Brasil é um país de terceiro mundo… também na Internet

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Um dos grandes problemas do Brasil hoje, com relação à infra-estrutura de internet é o alto preço dos links corporativos. Nos países de primeiro mundo os preços dos links ao longo dos anos caiu drásticamente, mais ou menos como se existisse uma lei de moore da fibra óptica.

Na época da bolha das empresas ponto com, investiu-se muito na malha de fibras, criando uma infra-estrutura de longe superestimada (para a época). Esta malha de fibras ociosa, combinada com avanços nas tecnologias de transmissão fez com que o custo dos links despencassem.

A dez anos atrás, a existência de sites mantidos com anúncios, que disponibilizam streaming de vídeos de boa qualidade parecia algo inviável. Banda era um ítem de luxo e só os grandes provedores se arriscavam, ainda assim disponibilizando vídeos do tamanho de um bloco de lego e muitas vezes apenas para seus próprios usuários.

Hoje em dia a situação é bem diferente. A banda se tornou um artigo barato em todo o mundo civilizado. Infelizmente o “todo o mundo civilizado” ainda não inclui o Brasil. Exelentes projetos como o recém sucesso YouTube, ImageShack, RapidShare, por exemplo, dependem exclusivamente de links acessíveis. Este é o caminho natural do desenvolvimento e novas idéias, por enquanto não no Brasil. Vamos saber porque.

Estes são alguns preços de links dedicados. Como os preços podem mudar de uma hora para a outra, vou citá-los como valores aproximados (ambas as empresas são focadas ao mercado “custo-benefício”):

  • Intelig/Brasil: 128 kbits por R$ 1200
  • Cogent/EUA: 100 megabits por U$ 3000

Um link de 128 kbits hoje em dia é uma piada. A lentidão do acesso vai reduzir os acessos do site da sua empresa e qualquer moleque sem ter o que fazer (ou quem sabe o seu concorrente) poderá tirá-lo do ar facilmente, fazendo um DoS a partir de 2 ou 3 máquinas, com simples conexões ADSL. Mesmo um link de 2 megabits é pouco para os padrões atuais.

O alto custo dos links, faz com que toda a infra-estrutura de internet seja brutalmente mais cara no Brasil, incluindo os servidores dedicados. Na Locaweb, um dedicado low-end com link de 3 megabits (limitado a uma quota de 450 GB de transferência mensal) custa R$ 1.550 mensais (dentro de um contrato de um ano) e mais R$ 800 de taxa de inscrição.

Para servidores hospedados no Brasil, este preço está dentro do normal. O problema é que nos EUA um servidor dedicado com link de 100 megabits e 1 TB de transferência pode ser facilmente encontrado por US$ 100 mensais, com opções de links “unmetered” (onde não existe limite de tráfego) em portas de 10 ou 20 megabits por menos de US$ 200, abusando um pouco do overselling.

Esta diferença brutal no custo dos links dificulta muito a possibilidade de sucesso de empresas genuinamente nacionais de hospedagem. Ironicamente, as mais competitivas são empresas nacionais que montaram ou operam em datacenters no exterior, que são muitas. Longe do Brasil, agregam suporte em português, serviços, pagamento por Boleto e toda comodidade, obtida simplesmente relacionando-se com uma empresa nacional, porém usando estrutura e mão de obra estrangeira.

Com exceção dos grandes portais, bancos, etc. praticamente qualquer site médio para cima, ou com muito tráfego acaba sendo hospedado no exterior, devido à questão do custo. Isso faz com que o Brasil seja um país “importador” também na internet. Hospedamos nossos sites lá fora e pagamos mais para acessá-los daqui, um legítimo negócio de português, ou melhor, de Brasileiro, pois eles fizeram seu dever de casa.

O Cenário atual

– Pouca venda de link corporativos (datacenters por exemplo):

Isso prejudica o overselling, onde uma operadora/carrier vende, por exemplo 10.000 x 100 megabits para vários clientes. Como nem todo mundo vai usar os 100 megabits ao mesmo tempo, acaba-se tendo um uso global relativamente pequeno e uma margem de lucro maior. Ganha-se no volume.

– Muita venda de banda para usuário final

Operadoras como a Telefonica, Telemar, GVT, etc. vendem muita banda para usuário final. Links ADSL/Cabo de 1 megabits por R$120 ou menos, baixíssimo custo se comparado com os preços estratosféricos dos links corporativos. Para eles não existe muito o que fazer, ou vendem por este preço ou não vendem nada.

A princípio, eles ainda poderiam ganhar devido ao overselling, já que poucos usuários usam toda a banda da conexão todo o tempo, mas no final acabam perdendo pois, a maior parte do tráfego nacional é em servidores no exterior! Isso obriga as operadoras a fazer caros acordos e interligações/peering com carriers estrangeiros, os mesmos que vendem links baratos e hospedam nossos sites!

Simplificando as operadoras vendem caro os links corporativos (upload) e barato os links para usuário final (download). Isso faz com que no final, a maior parte do nosso tráfego seja para o exterior, o que é muito mais caro, além de performance inferior, devido aos pings altos ou por rotas internacionais cogestionadas nos horários de pico.

Solução

Manter a estratégia de overselling para o usuário final: Talvez até torna-la mais agressiva. Porém, reduzir drasticamente os custos de links dedicados, atraindo o tráfego para o Brasil. O que sai caro para as operadoras é o tráfego internacional. Se a maior parte do tráfego é feito a sites hospedados aqui no Brasil, é possível ganhar mais, vendendo conexões mais rápidas ao usuário final. No final é uma situação ganha-ganha.

Ao invés de tantos Gbps de peering com a Savvis, Internap, Cogent, Verio etc, nos EUA, centralizamos a maior fatia possível aqui, onde podem usar a infra-estrutura local. Seria como o trafego correr na “intranet” deles. Veja o caso da Telefonica, por exemplo. Ela ganha mais lucro como?

  1. Com os usuários Speedy trafegando 10.000 TB para servidores na Savvis/EUA, fisicamente distantes, que necessitam de muitos Gbps de tráfego e infra-estrutura de fibra óptica percorrendo milhares de kilometros?
  2. Com os usuários Speedy trafegando 10.000 TB para servidores localizados em São Paulo, na própria rede deles, com links vendidos para empresas?

Na opção 2, além de gerar lucro nas duas pontas, seria reduzido o custo ao colocar os sites hospedados e os usuários que os acessam em locais fisicamente próximos.

Na prática, o negócio ficaria mais complicado a partir do momento em que é preciso envolver acordos com outras empresas nacionais, já que para funcionar, é necessário interligação/peering entre várias operadoras/carriers nacionais, de forma que o tráfego seja “nacionalizado”, reduzindo a pressão sobre os links com o exterior. Mas, é o caso de usar a cabeça, fazendo acordos que beneficiem todas as partes e investimento.

No final, o dinheiro ficaria aqui mesmo no Brasil, ajudando o setor a crescer, permitindo a criação de novas empresas e empregos, ao invés de mandar alguns bilhões anuais para datacenters e carriers americanos – e tornando-os mais ricos – por pura falta de planejamento estratégico.

Ou começamos a investir na resolução de problemas como este, ou precisaremos aumentar ainda mais as próximas safras de soja… 😉

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