Em 2013, durante sua participação num Festival de TV em Edimburgo, Kevin Spacey, que naquela época esttava em alta com o sucesso de House of Cards, afirmou, em referência ao mercado de streaming: “Dê às pessoas o que elas querem, quando elas querem, na forma que elas querem, a um preço razoável, e é provável que elas paguem por isso em vez de roubar”.
Avançando num estalar de dedos 11 anos no tempo, nos deslocando para o contexto de 2024, muita coisa mudou radicalmente no mercado de streaming. O magnífico modelo, comemorado por Spacey, se transformou em mais um amontado de plataformas se engalfinhando por migalhas de quota de mercado, colocando em segundo plano a experiência do usuário e revigorando com ainda mais força a cultura da pirataria.
Distribuidores observaram que seria muito mais interessante não apenas licenciar suas produções, mas também criar suas próprias plataformas, e usar suas propriedades intelectuais como critério de desempate para o usuário escolher entre esse ou aquele serviço. Criou-se então a massificação do streaming, a guerra pela atenção e dinheiro do aspirante a assinante.
O paradoxo da escolha
Até um tempo atrás, o famoso “paradoxo da escolha”, termo popularizado pelo psicólogo Barry Schawrtz, atuava apenas dentro da própria plataforma. A vastidão do catálogo, ao mesmo tempo que representava um bom custo x benefício, entre pagar uma mensalidade e ter diversas opções de conteúdo disponíveis, trazia frustração e indecisão. Essa mesma pluralidade de conteúdo, somada a frustração e indecisão, foi transportada para o próprio mercado. Com cada vez mais plataformas, mais opções de assinatura, mais dúvida e um aumento na sensação de estar perdendo algo.
Evidentemente, assim como qualquer outra coisa que envolva pagar por algo que funciona a partir da internet, tem uma parcela que quer apenas reclamar, e que não está disposta a dar dinheiro algum por esses serviços. Baixar ilegalmente determinado conteúdo é algo cultural da própria internet. Não é somente uma questão de preço, é um próprio sentido que alguns carregam de um tipo de direito a ter acesso sem pagar por aquilo. E isso dificilmente irá mudar.
A frustração de alguns pelo aumento de preços dos serviços de streaming, impossibilitando a manutenção da assinatura, é a comemoração de outros que veem a pirataria como um estilo de vida, uma “luta contra o sistema”.
No entanto, por mais disposto que alguns estejam em pagar a assinatura, as próprias plataformas parecem estar jogando contra o público. Planos cada vez mais caros, adoção do 4K num plano mais diferenciado (e mais caro), impedir o compartilhamento de senha, e até mesmo matar um conceito que o público se apegou: poder assistir toda a temporada de uma série de uma vez, maratonar o conteúdo. Diversões produções têm seus episódios lançados semanalmente
Isso sem contar o fato de que certos conteúdos acabam sumindo do catálogo, retirados por encerramentos de contratos, por corte de custos das plataformas, ou porque a dona daquele material irá lançar seu próprio serviço.
Por muitos anos, o serviço de streaming funcionou como uma alternativa real à TV a cabo, mas as diferenças vem ficando cada vez mais imperceptíveis, são quase irmãos siameses. E a própria onda de críticas que atuou como um tsunami sobre os planos de TV por assinatura passam agora a serem voltadas às plataformas de streaming.
A concorrência entre as plataformas, e o próprio agrado que precisa ser feito aos seus acionistas, tem deixado o consumidor menos satisfeito. A Netflix, por exemplo, registrou lucro operacional de US$ 6,9 bilhões em 2023. No entanto, adotou práticas contrárias ao seu próprio discurso do passado, como cobrar uma taxa para aqueles que desejam compartilhar senhas com pessoas fora da mesma residência.
Mesmo com essas política, a Netflix conseguiu lucrar e aumentar sua base de assinantes, frustrando os analistas de comentários pela internet. Ao que parece, a comodidade oferecida por essas plataformas ainda é suficiente para que o usuário médio siga se ajustando e aceitando as doses cavalares de remédio amargo que essas plataformas estão enfiando goela abaixo do consumidor.
Não posso julgar essa turma, também já fui vítima inúmeras vezes do comodismo que está a um clique do controle remoto da minha TV. Por mais que você tente ser um pirateiro convicto, é muito chato ter que ficar caçando Torrent para baixar alguma coisa. Ainda mais após a queda de alguns sites que eram referência no compartilhamento de conteúdo em vídeo. Algumas pessoas têm essa busca como um hobby.
Nos últimos anos, tenho me distanciado cada vez mais do acesso a conteúdos de streaming por meios “alternativos”. Se posso, e estou disposto a pagar, ótimo. Caso contrário, apenas deixo aquilo pra lá, e pronto. Decisão que tomei até para valorizar aquilo que gosto. Nada é de graça, meus divertimentos, baseados no trabalho alheio, também não tem que ser!
O choque de realidade
Segundo levantamento da Antenna Research, em 2023 o mercado de streaming registou o maior número de cancelamentos de assinatura nos últimos 5 anos. Mas, quando olhamos de maneira setorizada, o crescimento está acontecendo. A Netflix fechou o ano passado com um acréscimo de 13 milhões de assinantes. No primeiro trimestre de 2024 aumentou sua base em mais de 9,3 milhões de assinantes. O plano com anúncios, que foi amplamente visto por muitos como a “pá de cal” da plataforma, atingiu 40 milhões de usuários.
Isso demonstra que o mercado está mais maduro. As margens de crescimento geral são cada vez menores, a abertura para que mais e mais plataforma surjam perdeu força, e o usuário está mais criterioso sobre que assinaturas irá manter. Isso é ótimo!
A pesquisa da Antenna Reserarch também mostra que há um claro movimento de cancelamento e retorno quando falamos de streaming. Cerca de 25% dos clientes que cancelaram alguma assinatura retornaram após 3 meses. 40% eventualmente se reinscreveu dentro de um ano. Frequentemente eu cancelo e reassino serviços como a Netflix. A ideia de manter assinaturas ad aeternum acabou pra mim há muito tempo.
A pirataria seguirá no seu lugar, coexistindo com as plataformas, e até mesmo atuando como um plano B para quem já paga por algum serviço e não está disposto a colocar mais uma na lista. Os próprios serviços de streaming, com suas estratégias de elevar os lucros para conseguir investir mais em conteúdo, e seguir brigando com os concorrentes, fortalecem essa cultura.
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