Redes neurais e o comportamento humano

Redes neurais e o comportamento humano

 

Desejosos de compreender como funciona o cérebro humano, diversos cientistas procuram produzir “redes neurais” – um conjunto de processadores trabalhando em rede, de forma que se possa experimentar teorias e modelos que imitariam o funcionamento dos neurônios humanos.

Estes modelos partem de princípios básicos, que mesmo nós, leigos no assunto, somos capazes de compreender. O principal deles é a colaboração entre cada nó da rede. Isto é óbvio pois, caso contrário, uma tal rede não faria sentido. Outro aspecto importante é que cada nó da rede, ou cada neurônio, faz um trabalho diferente e independente. É diferente do processamento paralelo, onde diversos processadores reproduzem o mesmo algoritmo. Isto quer dizer que cada nó da rede tem autonomia para experimentar soluções variadas, lidando com os problemas de diferentes formas.

Um terceiro princípio destas redes é o que se costuma chamar de “aprendizado”. Dizemos que uma rede neural “aprende” quando um resultado correto alcançado alimenta os circuitos de tal forma que, em situações futuras semelhantes, o conjunto alcance resultados melhores e mais rapidamente.

Mas será que é assim que o cérebro humano pensa?

neural networking

Normalmente ouvimos dizer que os seres sobrevivem e evoluem competindo uns com os outros. O pobre Charles Darwin deve estar se remexendo no túmulo, pois atribuem a ele a tal “lei da seleção natural”, mesmo que ele nunca a tenha formulado. Sei que alguns já estão juntando pedras e tomates, mas qualquer um que tenha bom senso, terá que concordar que, muito mais importante que competir uns com os outros, os animais devem – em primeiro lugar – colaborar uns com os outros. Afinal de contas, qualquer animal superior reproduz-se sexuadamente, dependendo – no mínimo – da colaboração de outros seres da mesma espécie. Óbvio que não irei contestar a existência da competição (principalmente entre machos de certas espécies), nem tampouco a existência de circunstâncias naturais que, ao exigir certas qualidades dos animais que as enfrentam, “selecione” os espécimes mais “adaptados” a elas. Aqui estão diversos exemplos de colaboração entre os animais:

* Os animais precisam da colaboração de seus semelhantes para se reproduzir, e a maior parte dos animais superiores cuidam dos seus filhotes.

* São raras as espécies de animais que vivem solitariamente. Este comportamento é típico de alguns animais caçadores, que precisam de grandes áreas para caçar. A maioria dos demais vive em grupos e/ou toleram a companhia de seus semelhantes. Mesmo dentre os caçadores, muitos atuam em grupo.

* Todos os animais mantêm-se em um equilíbrio bastante estável em relação às espécies de plantas e outros animais dos quais se alimentam.

* Quando observamos a comunicação entre os animais, descobrimos que a maior parte do “vocabulário” animal serve para que animais de uma mesma espécie possam ajudar-se mutuamente, alertando seus semelhantes ou os “saudando”.

E o que isto tem a ver com “redes neurais”? Até aqui tudo: os animais colaboram uns com os outros; cada indivíduo é independente para encontrar a solução para um problema e eles incorporam vivências ao seu comportamento.

Dentre a competição animal, podemos observar dois tipos básicos: o primeiro normalmente encontramos entre machos da mesma espécie, competindo pelas fêmeas. Este tipo de competição não é “destrutiva”. Normalmente os animais não matam seus oponentes. Outro tipo normalmente encontramos entre espécies diferentes disputando uma área de caça. Neste caso, cada grupo tenta banir ou matar aqueles que disputam o mesmo território.

Até este ponto, tudo parece corroborar com as pesquisas científicas sobre redes neurais: colaboração, independência e aprimoramento.

Porém, o ser humano moderno não parece seguir estas características, mesmo que seu cérebro seja recheado de neurônios. Isto parece ir contra o desenvolvimento da natureza. Mas, observando com atenção, quem sabe encontraremos uma resposta?

O ser humano moderno tende a competir com seres da sua mesma espécie de forma destrutiva. Este comportamento normalmente só é encontrado entre animais de espécies diferentes. Porém, há uma diferença fundamental entre os seres humanos e os demais animais: nós nos reconhecemos como indivíduos, enquanto nenhum outro animal é capaz de fazêlo (em seu ambiente natural). Nenhum peixe do cardume se questiona se deve ou não seguir o restante do cardume; nenhuma abelha deixa de picar um intruso para poupar sua própria vida; nenhum leão procura alimentar-se com outra dieta para evitar matar outros animais… Cada animal age como um exemplar “perfeito” da sua espécie, enquanto nós, seres humanos, ao nos percebermos como seres individuais, passamos agir como se cada indivíduo fosse uma espécie inteira, disputando recursos como se nossos semelhantes fossem de outras espécies.

Sob este ponto de vista, a sociedade humana – destrutiva como é – pode ser considerada um passo “natural” na evolução dos seres vivos. Isto é: se considerarmos que os seres humanos não se comportam como manadas, mas cada indivíduo constitui uma “espécie inteira” em sua individualidade, não é surpresa que estejamos nos “estranhando”, mesmo que sejamos da mesma espécie. Como seres humanos, demos um gigantesco passo na evolução, o que nos distanciou de todos os outros animais. Criamos um reino próprio: o “Reino Humano”, onde cada indivíduo tem seu próprio “Eu”, sua própria evolução, sua própria biografia. Observe que não faz sentido falar na biografia de um animal. O estudo da vida de um animal só nos interessa enquanto exemplar de uma espécie. Aqueles que acreditam na importância da biografia de um animal, também poderia falar, com a mesma importância, da biografia de uma caneta.

Será que estamos fadados a destruir nosso planeta e extinguir a nossa raça?

Certamente não. Ou não nos próximos milênios. A Humanidade se conhece como tal há poucos milhares de anos. Compare isto com os milhões de anos de evolução da vida na Terra! Temos muito pouca consciência sobre nós mesmos e sobre a relação entre os animais. O equilíbrio entre leões, tigres, zebras e gnus formou-se há milhões de anos. Na Austrália pudemos ver o estrago causado por animais trazidos de fora vivendo em um ambiente sem predadores naturais. Estamos nos comportando como tais animais. Talvez pior, se considerarmos que estamos sendo predadores dos nossos semelhantes. 

O que me faz acreditar que não estamos fadados à própria destruição, é que evoluímos muito rápido, e não paramos de evoluir. O problema é que estamos evoluindo no âmbito técnico (e tecnológico), mas não no âmbito comportamental.

Faz aproximadamente dois mil anos que nos reconhecemos como indivíduos em uma sociedade. Mesmo assim, este processo foi gradativo: antes somente os Reis, Imperadores e Faraós eram vistos como indivíduos, e o povo era parte do reino. Nos plenários romanos, apenas as opiniões de homens ricos e homens livres eram consideradas. Hoje sequer toleramos a escravidão e a discriminação das mulheres.

Muitos historiadores tratam as culturas antigas como se há sete mil anos a humanidade tivesse as mesmas concepções como temos atualmente. Muitos consideram os Faraós comparando-os com os ditadores dos dias atuais, ou os chefes de família do velho testamento como os senhores de engenho ou os donos de fábricas da revolução industrial. Esquecem-se que a evolução cultural acompanhou também o desenvolvimento intelectual. Não fazem mais de 100 anos que concebemos a matéria formada por átomos e elétrons; que desenvolvemos a Física Quântica e a Teoria da Relatividade.

Nossa cultura evoluiu muito rapidamente nestes últimos séculos. Este site é um exemplo de como diariamente surgem inovações tecnológicas capazes de realizar proezas que sequer imaginávamos há dez ou vinte anos atrás. O problema é que ainda estamos orientando a nossa evolução para uma direção tecnológica, e pouco estamos caminhando rumo a uma evolução comportamental.

No âmbito comportamental, cada vez mais estamos nos distanciando uns dos outros como seres de espécies diferentes. Não nos sentimos mais obrigados a seguir a profissão dos nossos pais, como foi o costume dos últimos 10000 anos; não nos sentimos mais obrigados a confessar a mesma religião na qual fomos educados; nem nos sentimos mais obrigados a nos manter casados, mesmo quando temos filhos para criar. Até nossos velhos pais, muitas vezes os abandonamos em asilos, sem sentirmos a obrigação de trocar as fraudas de quem um dia trocou as nossas.

A isto chamamos de liberdade. Mas há que ser feita uma correção urgente: o que chamamos de liberdade e´, na verdade, o reflexo do individualismo, da separação entre os indivíduos.

Teremos que fazer o que nenhum ser vivo jamais fez. Teremos que dar as mãos, uns para os outros, mas não como a simbiose que ocorre na natureza, que acontece por necessidade e sem questionamento, mas sim teremos que fazer isto voluntariamente, livremente, por vontade própria. Poderemos chamar isto de uma nova liberdade, que não significa simplesmente “eu faço o que eu quero”, mas sim “eu quero colaborar em liberdade”.

Este será um novo passo na evolução humana. Mas não se trata de uma utopia: cada vez mais pessoas começam a sentir a necessidade de repensar o sistema financeiro; muitos experimentam viver em comunidades, experimentando novos modelos de convivência e valores; vários livros estão sendo escritos e o próprio sistema financeiro, aos poucos, está incorporando também novos valores como o da sustentabilidade.

E as redes neurais?

Recriaremos as nossas “redes”. Está mais que claro que as coisas funcionam bem quando há liberdade em cada ponto, há a possibilidade de evolução individual e, sobretudo, todos se dão as mãos.

Eu não vejo a destruição da natureza diferentemente da forma com que a humanidade destrói a si mesma. De forma semelhante, aprendendo a dar as mãos uns para os outros, também aprenderemos a evoluir em harmonia com a natureza.

Também no âmbito da saúde, temos desenvolvido uma sociedade cada vez mais doente: alimentos menos saudáveis; trabalhos mais estressantes; cidades mais poluídas… Mas ao mesmo tempo em que nos sentimos vítimas, raramente paramos para observar que, na verdade, ninguém nos obriga a comer tanta porcaria, a trabalhar no emprego que trabalhamos ou viver nos grandes centros. Somos nós mesmos que nos submetemos a estas circunstâncias em busca de um não-sei-que-lá que chamamos de “qualidade de vida”.

Temos focado a nossa atenção na satisfação de prazeres imediatos. Toda a sociedade moderna está caminhando nesta direção. Cada vez mais computadores e videogames se tornam a mesma coisa; pouco importa o dia de amanhã. Não queremos abrir mão dos nossos prazeres individuais nem para aprender a conviver com uma parceira ou parceiro, assim, nossos relacionamentos duram enquanto durar a paixão, o tesão. Pouco importa nossos filhos, pouco importa nosso lixo, pouco importa todo o resto. Desta forma é que não percebemos que nos submetemos a uma vida cada vez mais precária, nem entendemos porque as drogas se tornaram um problema tão amplo – mesmo que as drogas sejam a expressão máxima da obtenção do prazer imediato sem se preocupar com a vida alheia ou a sua própria.

Mas nem todos pensam assim, e em breve, quem sabe aqueles que não quiserem mudar seu paradigma, talvez fique para trás na evolução, talvez nem mesmo sobreviva. Estamos pintando um quadro muito escuro para o nosso futuro breve. Não estou falando de grandes cataclismos. Mas o aquecimento global, a impossibilidade de o sistema financeiro crescer indeterminadamente, a destruição de áreas cultiváveis e de florestas, a delicadeza de sistemas bancários, distribuição elétrica, das telecomunicações dos quais dependemos… Tudo isto é fruto da busca por rendimentos imediatos e que não está preparado para enfrentar alguma mudança social ou climática. Mas é um fato que o ritmo em que a humanidade vinha crescendo deu uma boa freada; o clima está mudando; as áreas cultiváveis e os recursos hídricos estão chegando no limite.

Haverá uma saída?

Seja bem-vindo à nossa rede!

Ângelo Beck angelobeck@floripa.com.br

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