Monitoramento, Android modificado e telefones caros: a realidade de como é usar um celular na Coreia do Norte

Monitoramento, Android modificado e telefones caros: a realidade de como é usar um celular na Coreia do Norte

Em janeiro, a Coreia do Norte deu início à implementação da tecnologia 4G com equipamentos da Huawei. Enquanto outras partes do mundo já avançam em pesquisas sobre o 6G, o país comandado por Kim Jong-un caminha para a transição do 3G para o 4G com a expectativa de completar 80% das torres 4G até 2025.

Essa defasagem tecnológica é apenas um ingrediente sobre a dura realidade de como é utilizar um celular na Coreia do Norte.

Obviamente, os cidadãos que lá residem têm questões diárias mais danosas para ter que lidar, considerando a atuação de um regime autocrático, mas você já se perguntou como funciona o uso de um smartphone por lá? O que pode e o que está expressamente proibido? Bom, iremos detalhar isso neste artigo.

Nada de Samsung, Apple, ou qualquer outra marca famosa (pelo menos não oficialmente)

O primeiro ponto a se destacar é que na Coreia do Norte não é possível comprar oficialmente os aparelhos que o mundo costuma se interessar. Nada de produtos da maçã, esqueça a ideia de brincar com o zoom de 100x dos Galaxys Ultra, ou buscar uma alternativa mais em conta nos modelos da Xiaomi.

No país de Kim Jong-un três modelos se destacam como as melhores opções na atualidade:

  • Chongson 234;
  • Chongson 222;
  • Samtaesong 8.

Também é possível encontrar por lá modelos conhecidos como Hwawon. Segundo uma fonte ouvida de maneira anônima pelo Daily NK, o aparelho traz recursos encontrados nos topo de linha de marcas famosas, como reconhecimento facial e de íris, câmera de alta resolução e boa capacidade de processamento.

Outra linha muito popular por lá é a Pyongyang, nome em referência à capital do país. Em 2019, ainda sob o hype do notch na tela de celulares de diversas marcas, foi lançado o Pyongyang 245, que também adotava essa característica.

Pyongyang 245

A Coreia do Norte frisa que a produção dos aparelhos acontece localmente, mas especialistas contestam isso. Segundo Martyn Williams, especialista em tecnologia norte-americana, provavelmente esses aparelhos são fabricados na China e enviados para a Coreia do Norte. 

No entanto, o governo já divulgou imagens para fortalecer a ideia de que a produção acontece em seus domínios, como na imagem abaixo, de 2013, que mostra Kim numa suposta fábrica segurando um celular conhecido como Arirang.

Comenta-se que o local era apenas para embalar e distribuir os aparelhos. Este aparelho, que teria sido fabricado na China, era uma versão modificada do Uniscope U1201, fabricado pela Jiangsu.

Como o controle das fronteiras acaba não sendo tão eficiente, aparelhos de marcas famosas chegam até a população. Em 2018, uma pesquisa da Sejong Institute, revelou que os norte-coreanos amam os celulares da Samsung, e que muitos davam um jeito de conseguir utilizar os aparelhos da marca.

Há também aqueles que tentavam fazer modificações no sistema operacional do aparelho para fugir do monitoramento e de algumas bizarrices aplicadas pelo governo. Segundo reportou este relatório da Lumen e 38 North, o software dos celulares tira fotos aleatórias enquanto o aparelho está ligado e as armazena em um diretório onde elas não podem ser excluídas.

Quanto custam os celulares na Coreia do Norte?

O modelo mais poderoso no momento é o Samtaesong 8, lançado no ano passado. Com design muito parecido com opções da Samsung, ele é vendido pelo equivalente, em conversão direta, a R$ 5.151. O Chongson 234 sai por algo em torno de R$ 3.798, e o Chongson 222 custa R$ 2.899. Segundo alguns levantamentos divulgados em 2022, o país tem em torno de 6,5 e 7 milhões de usuários de celulares.

Cerca de duas entre 10 pessoas na Coreia do Norte utilizam esses modelos mais badalados, o resto da população tem celulares mais baratos.  O PIB per capita no país é de 1,43 milhões de won, cerca de US$ 1.060. Para efeito de comparação, o PIB per capita do Brasil é de US$ 8.917, segundo dados de 2022.

Como frisado no início, os cidadãos têm problemas bem maiores para resolver por lá. Segundo o relato anônimo de um trabalhador que atua no segmento da construção civil na Coreia do Norte, ele mal tem dinheiro para comprar comida.  “Os 4 mil wons que ele ganha por dia – o equivalente a US$ 4 ou R$ 20 – não são mais suficientes para comprar um quilo de arroz, e já faz tanto tempo que sua família não recebe porções de alimentos do governo que ele até se esqueceu delas”, destaca a BBC com base no relato do homem

Monitoramento contínuo

Ao longo dos anos, com seus updates de sistema, a Coreia do Norte vem fortalecendo seu controle sobre a comunicação.

Não é porque um cidadão compra um celular por lá que ele pode usar da maneira como bem entender. O governo inviabiliza ligações externas. Todas as ligações são monitoradas por agências de segurança.

Graças a uma atualização obrigatória, divulgada no ano passado, a Coreia do Norte melhorou o sistema de assinatura digital, impedindo que usuários manipulem o sistema operacional, instalem outros SO, ou visualizem informações externas.

A possibilidade de enviar fotos ou vídeos por mensagens de texto também foi vetada. A ordem agora é impedir que os usuários compartilhem a maioria dos arquivos de mídia.

O governo tem acesso pleno às atividades do celular. Incluindo registros de ligações e mensagens.

Até outubro de 2024 irá rolar mais uma atualização, e ainda mais rígida. Kim e sua turma garantirão que nenhum app possa ser instalado por meio de terminais externos.

E o que acontece se um cidadão ficar andando pelo país sem o celular devidamente atualizado? Bom, seu aparelho é confiscado.

Segundo relato de turistas brasileiros, guias avisam que é preciso checar os celulares e apagar qualquer vídeo, imagem ou áudio com conteúdo religioso, pornográfico ou relacionado à Coreia do Norte, já que os soldados revistam os aparelhos. Também é proibido tirar foto das imagens dos líderes se houver alguma obstrução, ainda que pequena.

Android modificado

Os celulares vendidos na Coreia do Norte rodam uma versão modificada do Android AOSP. Esqueça a ligação com os serviços do Google, o AOSP tem relação com a versão open-source do sistema

Qual o smartphone usado por Kim Jong-un?

Num governo aos moldes do que é oferecido por Kim Jong-un, é comum que o líder não compartilhe exatamente das supostas “benesses” e também restrições que o estado impõe ao cidadão. Parece que Kim é um grande fã de tecnologia, mas nada de Samtaesong 8, Chongson 234, ou qualquer modelo oferecido em seu país.

Em 2013, Kim já foi fotografado usando um iMac, da Apple, e também já apareceu ao lado de um celular que lembrava bastante o iPhone.

iMac na mesa de Kim Jong-un

No ano passado, durante um teste do novo míssil balístico internacional (ICBM), o ditador apareceu próximo a uma mesa com um objeto que remete aos modelos dobráveis da Samsung e Huawei. “Se o objeto na foto é um smartphone dobrável, é altamente provável que tenha sido contrabandeado secretamente da China para a Coreia do Norte”, informou o jornal sul-coreano Joongang Ilbo.

Devido as restrições da ONU, a Coreia do Norte não pode importar ou exportar os aparelhos, mas Kim arruma um jeitinho de conseguir uns gadgets.

Portanto, não é possível estabelecer qual modelo é usado por Kim, mas, ao que tudo indica, ele gosta de uma boa e funcional tecnologia imperialista.

Sobre o Autor

Editor-chefe no Hardware.com.br, aficionado por tecnologias que realmente funcionam. Segue lá no Insta: @plazawilliam Elogios, críticas e sugestões de pauta: william@hardware.com.br
Leia mais
Redes Sociais:

Deixe seu comentário

X