O que é uma tornozeleira eletrônica e como ela rastreia pessoas no Brasil?

Veja como funciona a tornozeleira eletrônica, quem pode usar e os detalhes da tecnologia envolvida.

A tornozeleira eletrônica é um dispositivo de monitoramento que permite acompanhar a localização e movimentação de uma pessoa em tempo real através de tecnologia GPS e transmissão de dados via rede celular. Fixada no tornozelo do usuário, ela funciona como uma espécie de “vigia digital” que envia constantemente informações sobre o posicionamento do monitorado para centrais de controle, permitindo que autoridades verifiquem se estão sendo cumpridas as restrições judiciais impostas. Este dispositivo representa um ponto de intersecção entre avanços tecnológicos e políticas de alternativas penais, sendo utilizado tanto para monitorar pessoas em regime semiaberto quanto para garantir o cumprimento de medidas protetivas em casos de violência doméstica.

Mais do que um simples GPS móvel, a tornozeleira é um sistema complexo que inclui mecanismos anti-violação, como fibras ópticas que detectam tentativas de remoção, e funciona dentro de uma infraestrutura maior que envolve centros de monitoramento espalhados pelo país. Criada originalmente como uma alternativa ao encarceramento, hoje a tecnologia levanta importantes debates sobre privacidade, eficácia na ressocialização e o futuro do sistema penal.

O que são tornozeleiras eletrônicas e como surgiram

Tornozeleira eletrônica verde fixada ao tornozelo de uma pessoa, mostrando o dispositivo de monitoramento em uso
A tornozeleira eletrônica moderna contém tecnologia GPS e sistemas de comunicação sem fio que permitem o monitoramento constante da localização do usuário pelas autoridades.

Tornozeleiras eletrônicas são dispositivos de monitoramento remoto fixados no tornozelo de pessoas sob supervisão judicial. Estes aparelhos combinam tecnologias de rastreamento GPS, comunicação móvel e sensores anti-violação para criar um sistema que permite às autoridades acompanhar a localização e os movimentos de indivíduos em tempo real, verificando se estão cumprindo as restrições impostas pela Justiça.

A história deste dispositivo começa na década de 1960, na Universidade de Harvard, onde um grupo de pesquisadores liderados pelo psicólogo Robert Schwitzgebel desenvolveu um protótipo primitivo chamado “Behavior Transmitter-Reinforcer”. O projeto nasceu com uma visão mais humanitária do que punitiva, buscando alternativas ao encarceramento tradicional. Inicialmente testado em voluntários, o dispositivo era volumoso e tinha capacidades limitadas se comparado aos padrões atuais.

Apesar do conceito inovador, a tecnologia da época impunha limitações práticas que impediram sua implementação em larga escala. Foi apenas nos anos 1980 que o juiz Jack Love, inspirado por uma história em quadrinhos do Homem-Aranha, incentivou o desenvolvimento de um sistema viável de monitoramento eletrônico. A empresa NIMCOS (National Incarceration Monitor and Control Services) criou então o primeiro modelo comercialmente viável, que começou a ser utilizado em casos de liberdade condicional nos Estados Unidos.

No Brasil, a adoção desta tecnologia foi relativamente tardia. Os primeiros projetos-piloto surgiram apenas nos anos 2000, com testes iniciais em estados como São Paulo e Paraíba. A regulamentação veio com a Lei 12.258 de 2010, que alterou o Código Penal para prever o uso de monitoramento eletrônico em casos específicos, como saídas temporárias no regime semiaberto e prisão domiciliar.

Esta evolução tecnológica se insere em um contexto maior de busca por alternativas ao encarceramento em massa, especialmente diante da superlotação crônica do sistema prisional brasileiro. A tornozeleira surgiu como uma ferramenta que prometia simultaneamente desafogar presídios, reduzir custos e proporcionar melhores condições para a ressocialização de pessoas em conflito com a lei.

Tecnologia por trás das tornozeleiras: como funcionam

Close-up de uma tornozeleira eletrônica preta fixada ao tornozelo de uma pessoa usando meia cinza e sapato preto
A tornozeleira eletrônica combina múltiplas tecnologias em um único dispositivo robusto, incluindo sensores de proximidade e sistemas anti-violação que impedem tentativas de remoção ou adulteração.

As tornozeleiras eletrônicas são dispositivos tecnologicamente sofisticados que integram diversos componentes para garantir um monitoramento eficaz. O coração do sistema é o receptor GPS (Sistema de Posicionamento Global) que capta sinais de satélites para determinar a localização exata do usuário com precisão de poucos metros, permitindo o acompanhamento em tempo real dos deslocamentos da pessoa monitorada.

Para transmitir esses dados de localização às centrais de monitoramento, a tornozeleira conta com módulos de comunicação GSM/4G, semelhantes aos utilizados em telefones celulares. Estes módulos estabelecem conexão com as operadoras de telefonia móvel, enviando periodicamente pacotes de dados que incluem não apenas as coordenadas de localização, mas também informações sobre o status do dispositivo.

A alimentação do sistema é garantida por baterias recarregáveis que geralmente oferecem autonomia entre 24 e 48 horas, dependendo do modelo. O monitorado recebe um carregador e deve seguir uma rotina de recarga, normalmente conectando o dispositivo a uma tomada por cerca de duas horas diárias. Durante este processo, a tornozeleira continua funcionando normalmente, sem interromper o monitoramento.

Um dos aspectos mais importantes do dispositivo são seus mecanismos anti-violação. As tornozeleiras modernas contam com uma cinta de fixação que possui fibra óptica embutida, formando um circuito fechado. Qualquer tentativa de corte ou rompimento interrompe este circuito, gerando imediatamente um alerta para a central. Além disso, sensores de proximidade detectam se há tentativas de afastar o dispositivo da pele sem romper a cinta, como aconteceria em uma tentativa de remover a tornozeleira deslizando-a pelo pé.

O funcionamento prático do sistema segue um fluxo contínuo de informações: a tornozeleira captura sua posição via GPS, processa esses dados em seu microprocessador interno, e os transmite via rede celular para servidores das centrais de monitoramento. Nestas centrais, softwares especializados analisam estes dados, verificando se o monitorado está respeitando as “zonas de inclusão” (áreas onde deve permanecer, como sua residência durante determinados horários) e “zonas de exclusão” (locais proibidos, como a residência de uma vítima em casos de violência doméstica).

Se o sistema detecta uma violação – seja uma tentativa de adulteração do dispositivo, entrada em uma zona de exclusão, ou saída de uma zona de inclusão em horário restrito – alertas são automaticamente gerados, permitindo uma resposta rápida por parte das autoridades.

Infraestrutura de monitoramento no Brasil

Ilustração digital de uma tornozeleira eletrônica com ondas de transmissão saindo do dispositivo, mostrando como funciona o monitoramento remoto
A eficácia do sistema depende de uma infraestrutura robusta de monitoramento que recebe, processa e analisa os dados enviados pelas tornozeleiras, permitindo respostas rápidas a qualquer violação das condições estabelecidas.

No Brasil, o monitoramento eletrônico opera através de uma rede de centrais regionais distribuídas em diversos estados. Estas centrais funcionam 24 horas por dia, 7 dias por semana, e são responsáveis por receber, processar e analisar os dados enviados por milhares de tornozeleiras simultaneamente, garantindo que qualquer violação seja identificada e tratada com agilidade.

A estrutura de monitoramento combina sistemas automatizados e supervisão humana. Em uma central típica, grandes telas exibem mapas com a localização de todos os monitorados, enquanto softwares especializados fazem a filtragem inicial dos dados, destacando apenas ocorrências que necessitam de intervenção humana. Operadores treinados avaliam esses alertas, distinguindo falsos positivos (como perda momentânea de sinal) de violações reais que exigem contato com o monitorado ou acionamento das forças policiais.

O dimensionamento desta infraestrutura é considerável. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), o Brasil possui atualmente mais de 51 mil pessoas monitoradas eletronicamente, distribuídas em quase todos os estados da federação. Os estados com maior número de usuários são São Paulo, Minas Gerais e Paraná, que juntos concentram quase 40% do total nacional.

Do ponto de vista econômico, o monitoramento eletrônico representa uma alternativa significativamente mais barata que a detenção tradicional. Enquanto o custo médio mensal de um detento no sistema prisional brasileiro gira em torno de R$ 1.800 a R$ 3.000, dependendo da unidade da federação, o gasto com o monitoramento eletrônico varia entre R$ 250 e R$ 500 mensais por pessoa. Esta diferença representa uma economia potencial de mais de 80% para os cofres públicos.

A gestão do sistema ocorre através de parcerias público-privadas em quase todos os estados. Empresas especializadas fornecem os equipamentos, sistemas e muitas vezes o próprio pessoal técnico, enquanto o Estado mantém a supervisão do processo através de agentes penitenciários e policiais que atuam nas centrais. Este modelo híbrido tem gerado debates sobre a privatização parcial do sistema penal, com críticos apontando potenciais conflitos de interesse e defensores destacando ganhos de eficiência.

Entre os desafios enfrentados pela infraestrutura atual estão a necessidade de expansão da cobertura de rede móvel em áreas remotas, a capacitação contínua das equipes diante da evolução tecnológica e a integração de sistemas entre diferentes órgãos do poder público, como Polícias, Ministério Público e Tribunais de Justiça.

Aplicações legais e medidas judiciais

Compreendendo a monitoração eletrônica | Jusbrasil

As tornozeleiras eletrônicas são aplicadas em diversas situações previstas na legislação brasileira, com determinação exclusivamente por decisão judicial que considera a natureza do delito e as circunstâncias pessoais do indivíduo, equilibrando controle e ressocialização. O juiz avalia se o caso se enquadra nas hipóteses legais para monitoramento, considerando fatores como gravidade do crime, primariedade do réu, comportamento durante o processo e condições pessoais como emprego fixo e residência estabelecida.

Entre as aplicações mais comuns está o uso em medidas cautelares diversas da prisão, funcionando como alternativa à prisão preventiva e permitindo que o réu aguarde julgamento em liberdade sob monitoramento constante. Na prisão domiciliar, a tornozeleira garante que a pessoa permaneça em sua residência, seja por questões humanitárias (como gestantes, mães de crianças pequenas ou pessoas com doenças graves) ou como parte da progressão de regime, verificando o cumprimento dos horários estabelecidos.

Para detentos em regime semiaberto com direito a saídas temporárias, o monitoramento oferece segurança adicional, garantindo o retorno à unidade prisional no prazo determinado e o respeito às restrições de locais proibidos. Em casos de violência doméstica, o sistema impede que o agressor se aproxime da vítima a uma distância mínima determinada pelo juiz (geralmente 300 metros), com algumas implementações incluindo dispositivo adicional portado pela vítima para alertá-la em caso de aproximação.

A decisão judicial que determina o monitoramento especifica todas as condições de uso, incluindo zonas de inclusão e exclusão, horários de recolhimento e demais restrições, com o monitorado assinando um termo de compromisso. A violação dessas condições pode resultar em advertência, ampliação das restrições ou, nos casos mais graves, revogação da medida e decretação de prisão, sendo que tentativas de burlar o sistema, como danificar ou remover o dispositivo, geralmente resultam em mandado de prisão imediato.

Limitações e desafios do monitoramento eletrônico

Fornecimento de tornozeleiras eletrônicas para monitorar presos é suspenso no Rio - Casos de Polícia - Extra Online

Uma das principais restrições do sistema de monitoramento eletrônico é a dependência do sinal GPS, que pode ser prejudicado em ambientes fechados, subterrâneos ou em áreas com muitos edifícios altos, criando “zonas cegas” onde o monitoramento fica comprometido. A questão energética representa outro desafio, pois as baterias das tornozeleiras precisam ser recarregadas diariamente por 1-2 horas, limitando a mobilidade do usuário durante esse período. Em regiões com cobertura deficiente de rede celular, a transmissão dos dados de localização também é prejudicada, criando lacunas temporárias no monitoramento, especialmente em áreas rurais remotas.

Casos de burla do monitoramento representam um desafio constante, com monitorados desenvolvendo métodos para enganar o sistema, desde o uso de materiais bloqueadores de sinais até tentativas de reproduzir o circuito da fibra óptica. Limitações jurisdicionais surgem quando um monitorado cruza fronteiras estaduais ou internacionais, já que cada estado opera seu próprio sistema, com integração ainda em desenvolvimento. Do ponto de vista logístico, a instalação e manutenção dos dispositivos exigem pessoal treinado e infraestrutura adequada, recursos que podem ser limitados em comarcas menores.

As características físicas do dispositivo também impõem limitações significativas. Apesar dos avanços, o tamanho e peso da tornozeleira ainda podem causar desconforto, especialmente para pessoas com problemas de mobilidade ou condições de saúde específicas. Irritações na pele e lesões por atrito são relatadas com alguma frequência, exigindo adaptações ou, em casos excepcionais, a substituição por medidas alternativas de controle, comprometendo a eficácia do sistema de monitoramento em determinadas situações.

Privacidade e direitos dos monitorados

Investimentos na Central de Monitoramento Eletrônico da Seap reduz custos no sistema penal | Agência Pará

Ao registrar continuamente a localização de uma pessoa, as tornozeleiras eletrônicas geram um volume massivo de dados sensíveis que, se mal utilizados ou inadequadamente protegidos, podem representar sérios riscos à privacidade, mesmo para indivíduos que estão cumprindo medidas judiciais. O monitoramento eletrônico levanta questões fundamentais sobre o equilíbrio entre segurança pública e direitos individuais, com organizações de direitos humanos defendendo que, embora represente uma alternativa menos gravosa que a prisão, deve ser implementado com salvaguardas robustas para evitar abusos, seguindo o princípio da proporcionalidade tanto na decisão de impor o monitoramento quanto na definição do perímetro de circulação e restrições específicas.

A legislação brasileira estabelece que os dados coletados pelo sistema de monitoramento devem ser utilizados exclusivamente para os fins determinados na decisão judicial, significando que informações sobre a localização do monitorado só podem ser acessadas por pessoas autorizadas e apenas para verificar o cumprimento das condições estabelecidas. O acesso segue protocolos específicos: nas centrais, apenas operadores credenciados podem visualizar as informações mediante login e senha individuais que permitem auditoria posterior, enquanto para fins de investigação criminal ou uso em processos judiciais, os dados só podem ser acessados mediante ordem judicial específica.

Quanto ao tempo de armazenamento, a prática mais comum é manter os dados por períodos que variam de 6 meses a 5 anos, dependendo da regulamentação estadual específica, após o qual as informações devem ser anonimizadas ou completamente deletadas dos sistemas. Uma questão particularmente sensível é o potencial uso indevido das informações de localização, com casos relatados de funcionários de empresas terceirizadas ou agentes públicos utilizando dados para fins pessoais; para mitigar estes riscos, os contratos com empresas fornecedoras incluem cláusulas rígidas de confidencialidade, e o acesso aos sistemas é configurado com múltiplos níveis de autorização.

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) trouxe novas exigências para o tratamento destas informações e, embora o monitoramento judicial se enquadre nas exceções relacionadas à segurança pública, ainda existem obrigações de transparência e necessidade de implementação de medidas técnicas e administrativas para proteção dos dados. Os monitorados têm direitos específicos relacionados aos seus dados, incluindo: ser informados sobre quais informações são coletadas e como são utilizadas; solicitar relatórios de suas próprias movimentações (embora este acesso possa ser regulado por determinação judicial); e questionar juridicamente o uso de informações para finalidades não previstas na decisão original.

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Cearense. 37 anos. Apaixonado por tecnologia desde que usou um computador pela primeira vez, em um hoje jurássico Windows 95. Além de tech, também curto filmes, séries e jogos.
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