O dia em que o Yahoo não quis comprar o Google

O dia em que o Yahoo não quis comprar o Google

Tida por muitos como a última grande década, nos anos 90 vimos surgir empresas que hoje são muito importantes no dia a dia de milhões de pessoas em todo o mundo. Netflix, NVIDIA e Amazon, são exemplos diretos de corporações criadas nesse período. Assim como Google e Yahoo. É sobre essas duas últimas o nosso foco neste artigo.

Nos primórdios do Google, o Yahoo que já era uma empresa consolidada, teve a chance de comprar o Google por um valor completamente irrisório considerando a tecnologia que estava por trás da empresa que viria ser a gigante das buscas e também de outros setores ao longo dos anos. No entanto, o Yahoo negou a oferta. Assim como o Blockbuster que não quis comprar a Netflix. 

Essa decisão, assim como outras que veremos ao longo da matéria, foram cruciais para que o Yahoo perdesse força e o Google se transformasse no titã que é hoje.

Em 25 anos tudo mudou

Este mês o Google completou 25 anos. Grande parte das mudanças globais que a internet comercial proporciona desde meados dos anos 90 até agora tem total conexão com o Google. Desde a sua chegada ao mercado como mecanismo de busca, as expansões para segmentos diversos, comprando ou gerando ideias interessantes, o Google virou uma pedra angular da história. Um participante direto de uma revolução moldada a partir da ideia de dois jovens universitários. Larry Page e Sergey Brin.

Larry Page e Sergey Brin

Não vou esmiuçar aqui todo o desenvolvimento inicial do Google como empresa, vou apenas lançar elementos-chave que já colocarão você no ponto que é o cerne do nosso tema, uma potencial venda ao Yahoo.

  • A ideia do que seria o Google surgiu a partir da interação de dois jovens universitários de Stanford: Larry Page e Sergey Brin, ambos estavam fazendo doutorado. Eles se conheceram em 1995;
  • A partir dos seus estudos da estrutura da World Wide Web, Page mirou alto em termos de objetivo: organizar toda a informação do mundo;
  • O destaque do projeto era o algoritmo PageRank, que seria crucial para o Google se estabelecer como um buscador mais eficiente que seus concorrentes. O PageRank trabalhava fazendo o ordenamento de páginas valorando sua objetividade e importância;
  • O projeto do site que usaria esse algoritmo inicialmente foi chamado de Backrub, lançado em 1996;
  • No dia 15 de setembro de 1997 o nome foi alterado para Google, inspirado no termo matemático googol , que representa 10 elevado a 100;
  • O primeiro domínio utilizado pelo projeto, já com o novo nome,foi google.stanford.edu. E o seu uso estava restrito aos alunos e professores da Universidade;
  • O projeto rapidamente conquistou todos em sua volta, foi praticamente um sucesso imediato;
  • Tendo como referência esse aval de professores e alunos, os jovens empreendedores resolveram então vender sua ideia. 

É a partir desse momento na linha cronológica do Google que o projeto foi para um caminho completamente diferente do que seus fundadores pensaram inicialmente. Pode ser um exagero afirmar isso, mas podemos dizer que o Google como uma empresa, caminhando por suas próprias pernas, surgiu da frustração de seus fundadores em não conseguir vender o projeto.

Inicialmente, Larry Page e Sergey Brin tentaram vender o projeto para o AltaVista, que na época era o principal buscador, com 54% de mercado. O preço: 1 milhão de dólares.  Eles se reuniram com Paul Flaherty, que era um engenheiro do Alta Vista, mas a oferta do Google não foi aceita. O AltaVista não estava interessado em incorporar tecnologias de terceiros em sua empresa.

Yahoo, o portal dos anos 90

Uma oferta também foi feita para outros motores de busca da época que também não se interessaram. Dentre os não que Page e Brin ouviram estava especificamente o do Yahoo, que tem uma diferença fundamental em termos históricos comparado às demais negativas que o Google levou. 

Vender o projeto para o Yahoo seria praticamente um alinhamento de planetas, uma coincidência interessante. Já que, assim como o Google, o Yahoo foi formado por dois ex-estudantes de Stanford, David Filo e Jerry Yang, em abril de 1994. A partir de 1995 o projeto dos amigos de faculdade virou uma empresa e rapidamente entrou na bolsa.

David Filo e Jerry Yang

O Yahoo fez sua estreia na bolsa de valores em 1996. Vendeu 2,6 milhões de ações a 13 dólares cada (8 anos depois foi a vez do Google fazer sua estreia na bolsa). Quando o Google foi bater na porta do Yahoo, a empresa fundada por Filo e Yang já estava voando baixo, e eles sabiam muito bem o que queriam em termos de estratégia.

O Yahoo naquele momento tinha como foco sua atuação como portal, aumentar o tempo de permanência dos usuários em sua página, e alavancar serviços agregados como o e-mail. Segmento que o Yahoo começou a investir pesado após a aquisição da Rocket Mail em 1997 por 92 milhões de dólares. Na época, o Rocket Mail concorria diretamente com o Hotmail da Microsoft.

O Yahoo estava mais interessado em potencializar sua atuação como uma grande plataforma de mídia e serviços online. Enquanto o Google queria ser uma ponte entre o usuário e o que ele estava buscando, o Yahoo queria mais é que você ficassem em seus domínios. 

Também havia o fato da diferença de abordagem do Yahoo para as buscas, comparado ao que o Google estava oferecendo. No Yahoo, a organização dos sites era feita de forma manual por um grupo de editores. Esses funcionários organizavam manualmente o conteúdo. Sites desse perfil recebem o nome de diretórios. 

Com o Google a ideia era completamente diferente. O algoritmo é que cuidava desse ranqueamento, retornando o resultado que seria mais relevante para o usuário. Modelo que conhecemos como um site de busca automatizado.

Tínhamos então duas objeções. A primeira é que, naquele momento, o Yahoo não estava pensando em despender mais recursos numa área que era entendida como distração perante as pretensões da empresa, e o segundo é que o Google tinha uma maneira totalmente diferente em lidar com as buscas.

Um novo rumo

Com a negativa de potenciais compradores, Larry Page e Sergey Brin fizeram o que restava: resolveram tocar o projeto em frente. Eles fariam aquilo acontecer. Mas sem grana não dava. Era preciso um investidor, alguém que desse um empurrão inicial. E eles conseguiram.

Ainda em 1998, os fundadores do Google conseguiram o investimento de US$ 100 mil de Andy Bechtolsheim, cofundador da Sun Microsystems. A partir de agora, quando você lembrar do Google, considere inserir o nome de Andy na conta dos responsáveis diretos por fazer isso acontecer. Esse investimento foi determinante para que a ideia desse buscador revolucionário virasse uma realidade.

Andy Bechtolsheim

Com os US$ 100 mil e a carta de confiança de um nome de peso do mercado, os jovens empresários conseguiram convencer amigos e familiares e entrarem nessa também, permitindo que eles alcançassem esse primeiro 1 milhão. 

Dinheiro adquirido, chegou a hora de deixar a faculdade de lado e se dedicar ao projeto de forma integral. Page e Brin abandonaram definitivamente Stanford e dai pra frente o crescimento do Google foi meteórico.

Dando uma repassada sobre os momentos iniciais cruciais do Google temos o seguinte:

  • 1995: Larry Page e Sergey Brin se conhecem em Stanford;
  • Janeiro de 1996: lançamento do BackRub;
  • 15 de setembro de 1997: registro do domínio google.com;
  • Agosto de 1998: Andy Bechtolseim investe US$ 100 mil na ideia de Page e Brin;
  • 04 de setembro de 1998: lançamento da Google,inc.

A parceria

Os caminhos do Google e do Yahoo se cruzaram novamente em junho 2000, quando o Google já recebia em, média, 15 milhões de buscas diárias. O Yahoo anunciou uma parceria. Tornaria o Google como o mecanimo de busca padrão do seu site. A ideia parecia excelente, já que o site de buscas mais eficiente do mercado, em termos em indexação de páginas, estaria a serviço do Yahoo. Parecia a estratégia perfeita.

Naquele momento, o Google já estava integrado como mecanismo de busca em mais de 70 portais, o Yahoo se somaria a lista.

Com a associação ao Google, a qualidade em termos de valor de busca do Yahoo melhorou consideravelmente. A parceria deu vida até mesmo a um ícone gráfico na página do Yahoo que dizia “powered by Google”.

Era a chancela que o Google precisava. Essa frase funcionou como a maior cartada de marketing que Page e Brin poderiam ter. O que o Google precisava naquele momento era aumentar o seu poder de expansão de marca, reconhecimento. Mais e mais pessoas acessando a página e conhecendo o que era o Google.

O Yahoo, além de pagar para ter o Google como seu mecanismo de busca, ainda concedeu esse trunfo de marketing ao parceiro/concorrente. 

A interface do Google era clean, objetiva. O foco em garantir a eficiência ao usuário estava mais claro que um cristal. Enquanto o Yahoo tinha aquela clássica aparência de portal, com muitas informações, link, etc. Distrações abundantes. Visto o aumento na qualidade das buscas, graças a integração ao Google, e a diferença de usabilidade entre as páginas, muitos usuários começaram a se perguntar:

Bom, se o Google fornece a busca para o Yahoo, é ele  o responsável pelo salto de qualidade dos resultados, e ainda oferece uma interface mais amigável. Por que diabos vou continuar pesquisando via Yahoo? É melhor fazer isso direto pela página do Google.

E assim foi. O Yahoo tem total relação com a expansão do Google como serviço, o reconhecimento público que já vinha aumentando disparou.

Em 2002, o Yahoo percebeu que estava “dormindo com o inimigo”, e começou a se movimentar, fazendo aquisições importante, como a compra do buscador Inktomi e da Overture, que já era dona da antiga concorrente do Yahoo, o AltaVista. A ideia era reforçar sua tecnologia e revitalizar seu próprio modo de busca. O Yahoo chegou a comprar o Cadê, site de busca que foi muito popular no Brasil.

Naquele ano o Yahoo chegou a tentar comprar o Google. Sim, agora os papeis estavam invertidos. Era o Yahoo que estava interessado na aquisição. Ofereceu US$ 3 bilhões, o Google fez uma contraposta, sugerindo que fosse US$ 5 bilhões. O Yahoo recusou.

Em 2004, o Yahoo encerrou a parceria com o Google, que já dominava o mercado global de buscas. Foi justamente em 2004 que o Google lançou o Gmail, mais um duro golpe ao Yahoo. O Google já tinha transformado a opinião pública sobre o que é um buscador eficiente, e agora faria o mesmo sobre serviços de e-mail gratuitos, mercado que também era crucial ao Yahoo.

Frustração e lamento

A onda desfavorável do Yahoo não parou por aí. Em 2008, a empresa já estava enfrentando uma forte crise financeira. A Microsoft então fez uma proposta de US$ 44,6 bilhões para comprá-la. O Yahoo negou.

A recusa gerou uma onda de incertezas e instabilidade sobre o futuro da empresa. Funcionários importantes resolveram sair e buscar oportunidades em outros lugares. Pra piorar, o Yahoo vinha de uma sucessiva alternância de CEOs, demonstrando claramente que a empresa estava perdida. Enquanto isso, o Google seguia crescendo, e, assim como fez o Yahoo no passado, foi fechando aquisições importantes, como a compra do Android em 2005 e do Youtube em 2006.

Nesse momento, o Google estava incomodando gregos e troianos. A ascensão meteórica da empresa de Page e Brin sacudiu o vale do silício, até mesmo a Microsoft se sentia ameaçada. Diversos talentos da engenharia de software abandonaram a gigante do Windows para ir pro Google. Bill Gates mostrou publicamente seu incômodo, chegando a afirmar que a ferramenta de busca do Google era um “modismo passageiro”.

Em 2019, durante sua participação em um evento organizado pela Village Global, Bill Gates declarou que seu maior erro de gestão na Microsoft foi não ter conseguido impedir a derrota de sua empresa para o Android do Google.

“O maior erro de todos os tempos foi alguma falha de gestão da minha parte que fez a Microsoft não ser o que o Android é hoje. Ou seja, o Android é a plataforma padrão para celulares que não são da Apple. Era algo natural para a Microsoft conquistar”, disse Gates.

Problemas de gestão e as mudanças do mercado também penalizaram duramente o Yahoo. Após perder a oportunidade de ser arrematada em 2008 pela Microsoft, a empresa foi vendida em 2016 para a Verizon por um valor bem mais baixo: US$ 4 bilhões.

Além de não ter comprado o Google e recusado a oferta de venda para a Microsoft, o Yahoo acumula outros arrependimentos. Recentemente, Marissa Meyer, que foi CEO da empresa por seis anos, declarou ao site Tech Brew, que se arrepende pela compra da rede social Tumblr, ao invés de investir em outras possibilidades levantadas naquele momento, como uma possível aquisição da Netflix.

Marissa Meyer

 

O Yahoo comprou o Tumblr em 2013 por US$ 1,1 bilhão de dólares. Em 2017, se desfez da plataforma, vendendo por algo em torno de US$ 3 milhões de dólares.

Um conjunto de decisões equivocadas penalizaram duramente aquele que já foi um dos portais referência no mercado. Agora imagine se o Yahoo tivesse comprado o Google lá no início. A web seria completamente outra, e por que não dizer também: o mundo seria outro.

Sobre o Autor

Editor-chefe no Hardware.com.br, aficionado por tecnologias que realmente funcionam. Segue lá no Insta: @plazawilliam Elogios, críticas e sugestões de pauta: william@hardware.com.br
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