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Como é que é? Vamos estudar história? Eu sei que a história não costuma ser muito usada para se fazer previsões sobre tendências da computação, mas é fato que por vezes ela nos ajuda a entender o presente. Vários líderes da indústria já se viram diante do mesmíssimo dilema da Microsoft. Suas histórias são lições a serem aprendidas.

Vamos começar pela IBM. Quando os dinossauros dominavam a Terra, a IBM Corporation conquistou o monopólio no único segmento de computação corporativa de sua época, os computadores mainframe. Na verdade, a IBM era tão dominante que os analistas se referiam ao mercado como “IBM e os sete anões”. Só que os anões não tinham como aguentar a posição dominante da IBM por muito tempo. Quando a década de 70 chegou os anões já estavam mortos, e os únicos concorrentes da IBM eram as empresas que clonavam mainframes dela. As arquiteturas alternativas sumiram.

A IBM monopolizou o hardware de mainframes e também os sistemas operacionais que rodavam nele. Com isso, o Departamento de Justiça norte-americano acusou a IBM de monopólio em um famoso caso que se estendeu ao longo de mandatos de quatro presidentes norte-americanos, de 1969 a 1982. Apesar disso, o departamento de justiça nunca conseguiu baixar a bola da IBM (27). E acredite se quiser, mas o Departamento de Justiça voltou a atacar os mainframes da IBM no ano passado, 27 anos depois! (28)

O mercado de mainframes era enorme e muito importante naqueles tempos. Mas aí a tecnologia mudou de rumo. Os minicomputadores chegaram. A IBM não conseguiu se aproveitar dessa nova tecnologia, ou não a enxergou como uma ameaça, e quando todos voltaram seus olhos para o novo segmento surgiram novos líderes. A Digital Equipment Corporation (DEC) liderou essa nova onda tecnológica, com base em sua própria coleção de minicomputadores “anões”.

E a IBM? Ela entrou na briga dos minicomputadores com o System/7 em 1971 e a Série 1 em 1976, mas já tinha perdido para sempre a chance de expandir seu monopólio dos mainframes para o novo segmento de mercado.

Só no início de 90 a IBM ganhou uma grande fatia do chamado “mercado de médio porte” com suas linhas AS/400 e RS/6000. Nessa época, a IBM já tinha lutado a ponto de empatar em fatia de mercado com a Sun Microsystems e a Hewlett-Packard na área de servidores Unix. No entanto, seu monopólio nos mainframes nunca se expandiu para o mercado de médio porte.

Vamos à DEC. A mesma empresa que peitou a gigante dos mainframes durante a ascensão dos minicomputadores perdeu totalmente o bonde da história na hora de realizar sua própria mudança tecnológica. A princípio eles eram chamados de “microcomputadores”, mas hoje em dia todo mundo os chama de computadores pessoais. Ken Olsen, fundador e CEO de longa data da DEC, ficou famoso por fazer pouco dos PCs em 1977 (29).

As tardias investidas da DEC na arena dos PC foram desastrosas (lembram do Rainbow?) e a empresa desistiu de vez do mercado de PCs em 1986 (30).

O ramo de minicomputadores da DEC acabou sendo canibalizado pela tecnologia dos computadores pessoais que a própria empresa havia desprezado. Ken Olsen foi demitido em 1992, e a empresa fechou as portas em 1998 (31).

E por fim, a Microsoft. Quem se beneficiou da incapacidade da DEC de se adaptar aos computadores pessoais? A princípio, formou-se uma aliança tripla:

A Microsoft acabou rompendo a aliança com a IBM, e emergiu como clara vencedora na área de sistemas operacionais. A empresa conquistou o santo graal do monopólio com sua família Windows e com a suíte Office.

Assim como fez com a IBM nos tempos dos mainframes, o Departamento de Justiça norte-americano confrontou a Microsoft, acusando-a de comportamento monopolista. A princípio, a Microsoft assinou um acordo em 1994 (32), mas o Departamento de Justiça disse que a Microsoft não seguiu os termos desse acordo, e em 1998 lançou o processo antitruste.

O juiz Thomas Penfield Jackson emitiu um veredito de duas partes em 1999 (33). Ele julgou que a Microsoft havia cometido atividade monopolista ilegal. A sentença? Dividir a empresa.

A Microsoft ia ser dissecada, da mesma forma que o Supremo Tribunal dos EUA “desmontou” a Standard Oil em 1911.

Porém, o tribunal de apelações de Washington acolheu a decisão do juiz Thomas Jackson, mas não acatou a sentença. O caso foi entregue à juíza Colleen Kollar-Kotelly. No dia 6 de setembro de 2001, o Departamento de Justiça afirmou que não desejava mais a fragmentação da Microsoft, e que aceitaria uma pena antitruste menor (34).

Foi então que o ataque terrorista do Onze de Setembro ocorreu. A julgar por seus comentários na ocasião, ficou claro que o evento havia influenciado fortemente a visão que a juíza Kollar-Kotelly tinha do caso. Poucas semanas depois, ela declarou que as duas partes deveriam chegar a um acordo: “O tribunal enfatiza a importância de nos empenharmos em resolver o caso e resolver as diferenças entre as partes nestes dias de rápidas mudanças nacionais.” (35, negrito do autor).

A juíza Kollar-Kotelly deu sua sentença com base na reação que teve aos eventos do Onze de Setembro. A sentença fracassou completamente em lidar com os motivos que levaram a Microsoft a obter o monopólio e com os métodos que empregou para mantê-lo.

Procuradores gerais de nove estados se recusaram a assinar o acordo entre o governo federal e a Microsoft. Para eles, não bastava criar concorrência nos mercados de software para PCs. E eles estavam certos. A posição monopolista da Microsoft com o Windows e o Office se manteve.

O mais importante é que a Microsoft não mudou suas práticas corporativas para se distanciar do comportamento monopolista. Suas constantes derrotas em litígios relacionados às suas práticas comerciais no oriente desde 2000 – indo da União Europeia (duas vezes) e da Rússia até a Coreia do Sul e a Índia – dão embasamento a esse ponto de vista (36, 37, 38, 39, 40). Os detalhes sobre muitas das ações anticoncorrência da Microsoft estão registrados no site TechRights do Dr. Roy Schestowitz.

A Microsoft mantém seu monopólio nos sistemas operacionais de computadores pessoais, assim como a IBM mantém seu monopólio nos sistemas operacionais para mainframes. Mas assim como a IBM na década de 70 e a DEC nos anos 80, hoje a Microsoft enfrenta uma mudança ameaçadora no paradigma das plataformas. Será que ela vai superar esse desafio?

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