Linux e a identidade de marca

Linux e a identidade de marca

Linux and branding

Autor original: Joe ‘Zonker’ Brockmeier

Publicado originalmente no: lwn.net

Tradução: Roberto Bechtlufft

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Marketing não é a primeira palavra que associamos à comunidade Linux, mas é uma atividade necessária para quem quer trazer novos usuários para o seu time (e talvez ainda faturar uns trocados no processo). A recente mudança de identidade do Ubuntu, e a subsequente repercussão na mídia, nos proporciona uma boa oportunidade para consideramos uma questão mais ampla, que á identidade de marca das distribuições Linux e dos projetos de código aberto.

A identidade de marca de um projeto inclui o nome, o tema, a arte, as fontes, os logotipos e até os sons que fazem parte dele. Os projetos da comunidade, especialmente aqueles que contam com um patrocinador principal, têm um conjunto único de desafios e considerações relacionadas a esse assunto. As empresas que promovem projetos proprietários podem gastar milhões na criação de marcas coesas e ditar decisões de marca de cima para baixo. Ninguém na Microsoft precisa se preocupar se as decisões de marca vão afetar as distribuições comunitárias do Microsoft Office, porque elas não existem. Os tomadores de decisão de Redmond não precisam se preocupar com eventuais problemas com a equipe de arte de uma comunidade ao impôr mudanças na marca, nem se preocupar com a falta de talentos na hora de desenvolver e implementar uma marca.

Mas na distribuições comunitárias e projetos abertos é diferente. O forte envolvimento da comunidade tem seu preço: um grupo variado de investidores quer dar seu pitaco na criação da marca, mas oferece muito menos dinheiro ou talentos para desenvolvê-la.

Identidade de marca corporativa e comunitária

A Canonical criou uma situação um tanto confusa com a marca do Ubuntu, que é uma marca corporativa e comunitária ao mesmo tempo. Ela foi criticada por usar sua marca comunitária, especificamente a marca comercial do Ubuntu, tanto nas ofertas proprietárias quanto comunitárias de sua distribuição. A marca do Ubuntu também causou problemas no passado, quando a equipe da comunidade não conseguiu criar arte que correspondesse ao padrão de qualidade de Mark Shuttleworth.

Desta vez, a Canonical reuniu integrantes de subprojetos diferentes para trabalhar na recriação da marca para a versão 10.04. Nem todos ficaram satisfeitos, e a decisão de reorganizar os botões das janelas tem gerado muita chiadeira. De modo geral, porém, a Canonical parece ter se saído bem com a comunidade.

Enquanto a Canonical almeja uma identidade única para o Ubuntu, outras empresas tentam a abordagem de usar uma marca derivada da marca corporativa em seu projeto comunitário, como no caso do openSUSE e do OpenSolaris. Essa estratégia tem seus méritos, mas pode levar a vários problemas. Pode ser um desafio para um projeto comunitário manter a coordenação com uma equipe de comunicação de marketing corporativa. Como acontece com uma marca única, isso significa que os esforços corporativos e comunitários ocasionalmente vão entrar em choque, com a comunidade querendo seguir por um caminho e a empresa querendo seguir pelo outro.

Coordenar materiais gerados pela comunidade com um departamento de arte corporativo também leva a desafios inesperados. Os integrantes da comunidade costuma usar ferramentas livres para gerar arte, como era de se esperar. Ferramentas como o Inkscape, o GIMP e o Evince avançaram muito na geração e exibição de artes de visual profissional. Ainda assim, continua sendo um desafio fazer com que essas ferramentas enviem um trabalho para um departamento de arte profissional, que trabalha com ferramentas proprietárias e vice-versa. Enquanto o Evince, por exemplo, é perfeitamente capaz de exibir a maioria dos PDFs com fidelidade razoável, a saída do arquivo nem sempre é perfeita. Ao desenvolver arte para as caixas e camisas do openSUSE vendidas nas lojas, por exemplo, eu ainda dependia do Adobe Reader para ter certeza de que a saída seria condizente com o que sairia na impressora.

Além disso, vincular a marca e o nome da comunidade à marca corporativa tem efeitos colaterais. O lado positivo é que um projeto bem-sucedido e saudável terá reflexos positivos na marca corporativa. Se o projeto comunitário for muito conhecido e popular, terá um efeito positivo sobre a marca comercial, e será benéfico para o marketing da corporação. O lado ruim é que a associação vale nos dois sentidos, e se o lado corporativo ou o projeto comunitário fizer feio, o outro também vai pagar o pato.

Isso significa que o principal investidor terá um claro interesse na forma como a comunidade lida com a marca, particularmente no que tange às marcas comerciais e logotipos, que são derivados da marca principal. Com isso, a comunidade pode acabar tendo uma política de marcas corporativas mais restrita, tendo que depender mais da equipe de comunicação de marketing do que das decisões da comunidade. Isso também vale para marcas compartilhadas, obviamente. Mesmo quando o patrocinador corporativo não interfere muito com a marca comunitária, como era o caso quando eu trabalhava com o openSUSE, ele continua causando pequenos problemas. Por exemplo, o SUSE escolheu uma fonte proprietária (Cholla) para o seu logotipo e para as marcas associadas, prática que se manteve com a Novell.

Isso quer dizer que membros da comunidade interessados em produzir arte para eventos, artigos diversos e projetos derivados, ficavam fora de sintonia com a marca openSUSE “oficial”. Foi necessário criar uma fonte parecida chamada FifthLeg, que se saiu relativamente bem.

No lado oposto temos o projeto Debian. Sem um patrocinador principal, a comunidade do Debian pode desenvolver sua marca como achar melhor, sem interferência externa. Mas o Debian fez relativamente pouca coisa com essa liberdade. O projeto tem uma equipe de arte, e criou um site para contribuições artísticas da comunidade, além de ter logotipos oficiais e não oficiais, que contam com instruções claras de uso. Mas não há muito no sentido de um esforço organizado para a produção de uma “marca” coerente do Debian além dos logotipos e artes relacionadas.

Uma abordagem mais prática e simpática à comunidade voltada para projetos patrocinados pode ser a adotada pela Red Hat com o Fedora. Ao usar uma marca separada, porém fornecendo ao menos algum suporte corporativo para o desenvolvimento dessa marca em conjunto com as equipes comunitárias, é possível evitar conflitos entre os lados comercial e comunitário. O Fedora tem uma relativa liberdade na criação de arte para a distribuição, e a maioria das diretrizes são orientadas em torno de questões práticas e não dos patrocinadores – exceto pela proibição a artes envolvendo chapéus.

As diretrizes de marca comercial da Red Hat em torno da marca do Fedora, porém, geraram algum atrito com a comunidade. A empresa vem mostrando interesse em tentar cuidar de algumas das reclamações mais razoáveis relativas às suas diretrizes de marca comercial, mas raramente é possível agradar a todos com um acordo de licenciamento de marca comercial.

Distribuições: como a identidade da marca afeta os projetos

Quando um projeto muda sua identidade de marca, o impacto é sentido em todos os projetos afiliados dependentes dele que também façam uso da marca. Todas as grandes distribuições têm um ou mais projetos derivativos ou versões que usam o núcleo da distribuição, mas incluem alterações expressivas.

Isso significa que quando o projeto-pai, como o Ubuntu, faz alterações, elas se refletem no Kubuntu, no Xubuntu e em outros derivados. O Fedora tem suas versões (ou “respins”), e o openSUSE já tem várias versões alternativas como o Education Project ou versões personalizadas geradas via SUSE Studio.

Os derivados têm questões técnicas e legais a considerar. Quando uma distribuição encoraja derivados, tem que garantir que seja relativamente fácil mudar a identidade da distribuição. Isso implica em oferecer diretrizes claras, como no caso do Fedora, dizendo o que é permitido ou não no uso de marcas comerciais e da identidade de marca de distribuições remixadas.

As distribuições também precisam oferecer ferramentas e orientações para a criação da nova identidade. O Fedora, por exemplo, tem diretrizes para a substituição da marca em pacotes lançados para a distribuição que garantem que as marcas comerciais do Fedora e da Red Hat sejam removidas das distribuições derivadas. O projeto openSUSE fornece instruções e uma ferramenta chamada Rembrand para a criação de derivados – embora “respinners” mais ativos possam achar mais fácil usar o SUSE Studio para criar derivados do openSUSE com uma nova marca.

Outro problema acontece com os LUGs (grupos de usuários do Linux) e com projetos de divulgação como o Spread Ubuntu. Com as mudanças no Ubuntu, todos os grupos de localização e projetos relacionados ficaram com material desatualizado. Os projetos devem seguir com cuidado, e lentamente, para mitigar esse tipo de problema.

Cooperação com os projetos relacionados

As distribuições não apenas precisam levar em consideração os efeitos da identidade da marca em projetos derivados, como também nos projetos originais dos quais fazem uso. Por exemplos, as decisões de identidade tomadas pelas distribuições têm um impacto direto na apresentação do GNOME ou do KDE.

Aaron Seigo, do projeto KDE, dedicou atenção especial às distribuições que mudam a identidade do KDE e criam “micromarcas”:

[…] nossas ações fazem com que seja difícil perceber o que estamos fazendo com o Desktop Linux, já que nenhuma das marcas são identificáveis como “pertencentes à mesma coisa”. Em vez disso, temos micromarcas que praticamente ninguém que não entenda de servidores ou que não seja um integrante hardcore da comunidade FOSS reconhece.

Muitos (a maioria) dos sistemas operacionais com pacotes do KDE oferecem logotipos e botões para lançar aplicativos próprios, muitos têm seus próprios conjuntos de ícones ou personalizações próprias (por questões de marca) do conjunto de ícones padrão, muitos distribuem seu próprio papel de parede, muitos mudam as bordas padrão das janelas ou os temas dos widgets.

Isso é algo ainda mais infeliz porque há poucos artistas de qualidade no mundo FOSS, e como cada distribuição ou projeto “afana” um para trabalhar com exclusividade, acabamos nos dividindo.

Embora essa abordagem possa fazer com que seus usuários que-creem-na-causa fiquem felizes, e talvez faça o gerenciamento corporativo pensar que está obtendo um bom marketing corporativo por contar com aquele logotipo fofinho no canto inferior esquerdo… isso obviamente tem inspiração na maneira antiga de se fazer as coisas, centrada na balcanização corporativa do espaço do consumidor: bandeiras ou frutas, certo? (Microsoft e Apple 🙂 Temos que enxergar além disso e considerar os benefícios a logo prazo de todo o ecossistema, porque cada um de nossos projetos prospera ou se retrai em sintonia com ele.

O que o KDE fez nesse sentido foi propôr um serviço que funcionasse com as distribuições para personalizar alguns elementos, para que se atingisse uma identidade visual compartilhada. Por exemplo, o openSUSE 11.2 inclui arte de Nuno Pinheiro, do KDE, em prol de um tema compartilhado.

Será que isso importa?

É preciso se perguntar o quanto a identidade de marca realmente afeta a adoção do código aberto. Embora o Ubuntu conte com muita atenção da mídia por conta da mudança de identidade da versão 10.04, isso só aconteceu porque o Ubuntu já é popular e bem-recebido, o que faz com que o esforço de recriação de marca seja digno de nota mesmo na imprensa “grande” de TI.

Alguém até pode argumentar que uma pequena parcela do sucesso do Ubuntu vem de esforços anteriores de criação de identidade de marca, mas seria uma parcela muito pequena. O que se mostrou mais eficiente para o Ubuntu é a distribuição em si e uma campanha de marketing eficaz, que vai além da marca. O ShipIt pôs a distribuição nas mãos de milhões de usuários (literalmente), e uma comunidade motivada de defensores proporcionaram um ótimo marketing boca a boca à distribuição.

Isso não quer dizer que o visual do projeto não seja importante. Há quem defenda, com bons argumentos, que a beleza é um recurso. É óbvio que um projeto que deseje ser aceito entre os grandes precisa ser suficientemente atraente para ficar pau a pau com o software proprietário, mas seria um erro presumir que a identidade da marca de uma distribuição é vital para o sucesso.

Por outro lado, ela pode ser a chave para o fracasso. Como Seigo e outros já apontaram, software feio e a criação de micromarcas dificultam a popularização com uma audiência maior. Projetos que queiram ter sucesso com o público predominante vão ter que dar atenção à marca e descobrir maneiras de tirar proveito da quantidade relativamente pequena de designers talentosos interessados em trabalhar com projetos abertos, ou encontrar novas maneiras de atrai-los.

Créditos a Joe ‘Zonker’ Brockmeierlwn.net

Tradução por Roberto Bechtlufft <info at bechtranslations.com.br>

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