Em outubro de 2010, durante uma teleconferência sobre o balanço fiscal do trimestre, Steve Jobs se vangloriou de que a Apple havia vendido mais smartphones do que a RIM (Research In Motion), empresa que era responsável pelos aparelhos BlackBerry. Foram 14,1 milhões de unidades vendidas, 2 milhões a mais que sua concorrente.
Jobs ainda disse o seguinte: “Agora que ultrapassamos a RIM, não vejo eles nos alcançando no futuro, pois eles precisam se transformar em uma empresa de software.”
Embora a BlackBerry tenha igualado o número de vendas em outros momentos, a partir de meados de 2011, a Apple iniciou uma escalada meteórica com o iPhone, ultrapassando marcas como HTC, Ericsson, Alcatel, Kyocera, Huawei, ZTE, Motorola, LG e, é claro, a BlackBerry.
A ascensão do iPhone
Considerado por muitos analistas como uma das maiores apresentações de produto de todos os tempos, o anúncio do iPhone, em 9 de janeiro de 2007, desencadeou uma grande reviravolta no mercado de celulares, sendo um catalisador da queda de várias marcas. A BlackBerry foi uma das mais impactadas. Durante a apresentação, Jobs afirmou: “Vamos nos livrar de todos esses botões e usar uma tela gigante.”
Nenhuma marca estava tão associada a botões quanto a BlackBerry, famosa por popularizar os teclados QWERTY em aparelhos icônicos, como o BlackBerry 8300 Curve, lançado no mesmo ano do primeiro iPhone.

De acordo com esse compilado de dados que acompanha a evolução do mercado de celulares, em janeiro de 2014, a Apple já ocupava a segunda colocação em termos de vendas, atrás apenas da Samsung, enquanto a BlackBerry estava em décimo lugar, ficando atrás até de marcas como Yulong e Lenovo.
O desespero da BlackBerry: o lançamento do Storm

Segundo Matt Johnson, diretor do filme sobre a ascensão e queda da BlackBerry, disponível no Amazon Prime, “desespero” é o sentimento que resume uma das principais trapalhadas em sua história: o lançamento do BlackBerry Storm, em 2008, uma tentativa de responder ao iPhone.
Mas o resultado foi um desastre colossal. O Storm foi o primeiro smartphone da BlackBerry com tela sensível ao toque, uma característica que também estava presente no iPhone. Essa mudança representou uma completa quebra de paradigma. A grande marca da BlackBerry, o teclado físico, deu lugar a um painel touch com resolução de 480×360 pixels que ocupava grande parte da frente do aparelho. No entanto, havia um problema: péssima usabilidade e uma quantidade enorme de bugs.
Inicialmente, o aparelho vendeu bem, as pessoas acreditavam no peso da marca Blackberry, mas não demorou para que consumidores e crítica constatassem a “bomba” que era aquilo.
O Storm chegou ao Brasil em 2009, numa parceria entre a RIM e a TIM, por R$ 1.600. Os serviços de conectividade oferecidos pela Blackberry custava ao cliente mais R$ 70 por mês.
A crítica implacável ao Storm
A crítica destruiu o aparelho de todas as maneiras possíveis. O jornalista David Pogue, em um artigo no New York Times, afirmou que a falta de um teclado físico foi um grande tiro no pé da RIM, já que a solução virtual do touch não era de qualidade. Além da tela, o Storm foi criticado por outros problemas, como reinicializações abruptas, travamentos constantes e bugs ridículos, como a câmera sendo ativada ao inserir uma URL. Praticamente o primeiro milhão de unidades teve que ser substituído, um fracasso abissal para a imagem da empresa.
O erro estratégico da BlackBerry: subestimar o iPhone
O imediatismo desastrado em combater o iPhone foi precedido por um certo desdém, como se a BlackBerry não visse a Apple como uma ameaça real. De acordo com o livro Losing the Signal, lançado em 2015, os executivos da BlackBerry não acreditavam no potencial do iPhone. A empresa apostava que o foco na eficiência e segurança dos seus aparelhos, características que eram características notáveis da BlackBerry, superaria o iPhone, que tinha uma abordagem mais voltada para conectividade e consumo de mídia.
Em 2007, a realidade parecia estar ao lado da BlackBerry, com o crescimento de seu serviço de mensagens e o sucesso de vendas do aparelho Pearl. Tudo parecia nos trilhos. Mas rapidamente as coisas começaram a desandar. Com uma assertividade impressionante em marketing, a Apple conseguiu associar seu produto a uma imagem de modernidade, estilo e atratividade, algo que convenceu a mídia e o público. Lembre-se: não basta ser bom, é preciso parecer bom. Goste ou não da Apple, ela dominou essa arte com maestria, não apenas com o iPhone, mas antes com o iPod e depois com o iPad.
A transição para telas sensíveis ao toque e o impacto no mercado
A BlackBerry também se viu encurralada pela agitação causada pela Apple com a tela touch e sua parceria com a operadora AT&T. Concorrentes como Vodafone e Verizon não estavam mais interessadas em vender celulares com teclados físicos, agora que a Apple havia colocado os holofotes sobre as telas sensíveis ao toque.
O plano A da BlackBerry era manter o teclado físico, mas o que aconteceu foi o plano B: a empresa foi obrigada a apostar na tecnologia touch que vinha desenvolvendo, a qual havia encantado os executivos da Vodafone e Verizon. A ideia era combinar o touch com feedback tátil, simulando a sensação de um teclado físico, mas na prática, isso resultou no Storm — um fracasso total.
Anotou a placa?
A partir de 2008, a Apple começou a “alugar um triplex” na mente dos executivos da RIM. Em apenas um ano, a Apple alcançou 17% do mercado americano de smartphones, enquanto a RIM caiu de 45% para 40%. Também foi nesse ano que a empresa de Jobs lançou uma dos grandes acertos da indústria da tecnologia: a App Store. A adesão foi massiva, e o crescimento no número de apps disponíveis fez o iPhone parecer ainda mais útil, com infinitas possibilidades através dos aplicativos. O sucesso da App Store criou todo um potencial para o mercado de desenvolvimento de apps.
Em seu site, a Apple relembra que App Store abriu as portas para qualquer desenvolvedor. “Com ela, profissionais independentes e grandes estúdios que tivessem uma boa ideia poderiam criar um app de alta qualidade e oferecê-lo sem dificuldades a um número cada vez maior de clientes no mundo todo”, diz a companhia,
Nos anos seguintes, a situação da BlackBerry só piorou, incluindo uma nova derrota para a Apple no mercado de tablets. O iPad simplesmente aniquilou a tentativa da BlackBerry de emplacar o PlayBook que rodava o sistema Blackberry Tablet OS, enquanto os celulares da empresa utilizavam o Blackberry OS.
O robô implacável
Em 2013, a RIM mudou oficialmente seu nome para BlackBerry, alinhando-se à marca mais reconhecida pelo público. No entanto, o crescimento do Android como plataforma foi outro golpe significativo para a empresa. A flexibilidade do Android, adotado por diversos fabricantes, tornava cada vez mais inviável a sobrevivência de outros sistemas operacionais no mercado. Com exceção da Apple, que manteve seu ecossistema fechado com o iOS, nenhuma outra plataforma conseguiu coexistir de forma relevante ao lado do Android.
A BlackBerry tentou novos lançamentos — incluindo aparelhos que rodavam Android —, mas a notícia de maior impacto que marcou os últimos anos da empresa foi sua venda. Ainda em 2013, a companhia foi comprada pela firma de investimentos Fairfax, que já possuía 10% das ações da BlackBerry.
Em 2022, a empresa saiu de vez do mercado de celulares, confirmando a venda de suas patentes para a americana Catapult por US$ 600 milhões.
Foco em robótica
Atualmente, a BlackBerry está focada no desenvolvimento de software, principalmente para robótica. Em fevereiro, a empresa firmou uma aliança com a AMD para trabalhar em um sistema que oferece melhor desempenho, confiabilidade e escalabilidade em dispositivos robóticos para os setores industrial e de assistência médica.