Informática educacional: entre o aprendizado e o marketing

Informática educacional: entre o aprendizado e o marketing

Na área da educação durante muitos e muitos anos uma das principais ferramentas utilizadas pelos professores para transferir o conhecimento para os alunos era o velho quadro negro e o giz. Mas no final da década de 90 outra ferramenta começou a entrar em cena nas escolas (nas brasileiras é claro, nos EUA desde os anos 80), o computador. Este equipamento logo de início parecia um grande elefante branco, os professores olhavam para ele e se questionavam como utilizá-lo como auxilio em suas aulas. Na maior parte das vezes as escolas adquiriam um pacote de softwares que incluía enciclopédia eletrônica, dicionário e jogos educativos. Mas talvez o principal item ainda não estava disponível, um planejamento estruturado de como utilizar o computador como uma ferramenta de aprendizado. Nesta época a grande maioria dos professores não sabia nem mesmo como utilizar o computador para tarefas simples como editar textos e criar planilhas o mínimo para o uso de um computador. Como então usar os recursos computacionais para auxiliar nas aulas ou mesmo como incluir a computação na grade curricular das escolas?

Por incrível que pareça essa pergunta até hoje (mais de 10 anos depois) ainda causa dúvidas.

Diversão ou educação?

Fora das empresas à visão que as pessoas tinham do computador era de um brinquedo de luxo. Era possível jogar, ouvir música, desenhar e por ai afora. No entanto dentro do âmbito educacional não deveria ser desta forma, o computador teria que ser utilizado como ferramenta de auxilio ao aprendizado e também de acordo com o planejamento ser usado como objeto de estudo, ensinando aos alunos os conceitos científicos e matemáticos que culminaram na criação do computador e a importância destes conhecimentos para o desenvolvimento de soluções utilizando a lógica computacional bem como o uso dos softwares que auxiliam na execução de tarefas como editores de texto e planilhas eletrônicas.

Mas toda essa fundamentação era deixada de lado, e o computador das escolas era sinônimo de brincadeira, ou seja, os alunos viam no laboratório de informática um parque, com diversas brincadeiras eletrônicas, disfarçados de “jogos educativos” os alunos ficavam os minutos da aula brincando com joguinhos que na maioria das vezes não tinham objetivo educativo algum. (Note que é importante salientar que existem softwares realmente educativos que daqui a pouco trataremos)

Nesta época a internet ainda era muito restrita, na maioria das escolas era inviável compartilhar uma conexão discada para todas as máquinas do laboratório, então o uso de softwares instalados era o principal atrativo para o uso do equipamento. A grande parte das escolas não diferenciava muito quando se tratava de aula de computação o ensino infantil do fundamental, o professor colocava um “joguinho” e deixava os alunos brincarem, no máximo auxiliando os com maior dificuldade, mas como eram muito atrativos para os alunos, eles aprendiam a lógica dos jogos muito rapidamente. Para o ensino fundamental a variação era escrever o nome num editor de textos, e pouco mais que isso.

Tive a oportunidade de participar num projeto da escola que estudava no último ano do ensino médio (na época ainda colegial), em que o laboratório possuía diversas máquinas, mas sem uso visto não existir projeto para utilizar o laboratório, existiam além das máquinas uma biblioteca muito grande de softwares enviados pelo governo (a escola era pública), sem uso já por alguns anos. Então um professor resolveu selecionar dentre os alunos da própria escola um grupo para colocar as máquinas em funcionamento, e treinar os professores para utilizar os computadores e os softwares destinados a cada matéria. Pois bem ao final do projeto (final do ano 2000) o laboratório estava em pleno funcionamento, com os softwares instalados, professores habilitados para o uso e até internet em todas as máquinas (conexão discada muito lenta, mas para os padrões de 2000 aceitável). Algumas máquinas estavam até com dual boot entre Windows 98 e Linux (conectiva 4 se não me engano). Realmente uma experiência muito bem sucedida. As aulas auxiliadas pelo uso do computador tinham um aproveitamento muito bom pelos alunos do ensino fundamental e médio. Com base na experiência adquirida na participação deste projeto, a partir de 2002 comecei a trabalhar com o ensino de informática na educação infantil e fundamental. No entanto minha formação é computação, com foco mais precisamente em infraestrutura (redes, hardware e eletrônica). Percebi que nesta época não havia um consenso bem definido acerca do que ensinar as crianças. O material de apoio era ainda escasso, e divergindo em muitos pontos. Um deles é com relação ao ensino de lógica de programação, enquanto algumas publicações defendiam o ensino desde o primeiro ano do ensino fundamental (com a linguagem logo), outras defendiam o uso lúdico do computador focando mais em jogos que em teorias e fundamentos. Por conta disso resolvi traçar minha própria metodologia de ensino.

Metodologias

Devido às divergências encontradas, e até por desconhecimento pelas diretoras das escolas a respeito do tema precisei desenvolver a metodologia utilizada por mim para lecionar informática no ensino infantil (pré-escola) e fundamental (do 1º ao 9º ano). Basicamente dividi o ensino da informática em duas vertentes, ensino infantil focado no uso do computador como ferramenta numa alternativa ao quadro negro e giz e ao papel e lápis, realmente um complemento a metodologia existente. E no ensino fundamental o estudo da computação como ciência e uso das ferramentas computacionais, abrangendo desde a história da computação até o uso das ferramentas existentes como editores de textos, planilhas, sistemas operacionais, lógica de programação e a internet e seus recursos ensinado não só o seu uso, mas o conceito por trás de tudo isso.

Típico laboratório de informática em escolas de ensino fundamental

Típico laboratório de informática em escolas de ensino fundamental

A partir de 2007 trabalhando paralelamente em uma grande universidade paulista (na área de T.I.) pude contatar diversos professores ligados a pedagogia, que apesar de no meu ponto de vista ainda estarem pensando na informática de uma forma vamos dizer assim, menos modernista em relação ao ensino, me passaram uma base conceitual muito importante no que tange aos conceitos pedagógicos, ou seja, pude mesclar os conhecimentos acerca da computação com os da pedagogia podendo desta forma diferenciar o ensino da informática do que vemos em escolas profissionalizantes do ensino de informática nas escolas no âmbito educacional infantil e fundamental. Esta junção entre duas ciências é o que eu considero como informática educacional. Um profissional da área da educação e um profissional da área da computação, podendo ser ambos os profissionais a mesma pessoa (formada em uma das áreas com especialização na outra) ou profissionais diferentes trabalhando juntos. Acredito ser desta forma que a informática pode ser ensinada visando não só a estática de o professor falar e o aluno escutar mas sim na dinâmica de aluno por meio do conteúdo passado pelo professor desenvolver suas próprias observâncias do mundo digital e o que ele pode nos proporcionar. Não só aprendendo informática, mas utilizando a informática para o aprendizado das demais matérias.

Resultados

Os resultados são notáveis, após a introdução de uma aula de informática estruturada e integrada as demais disciplinas o rendimento dos alunos é muito satisfatório. Tanto na própria aula de informática como no aprendizado das demais ciências. Aprender a usar a internet como uma poderosa ferramenta de comunicação e inclusão transforma a maneira como os alunos vêem o mundo da computação. A lógica de programação atrelada à matemática cria uma motivação extra para a compreensão da matéria.

Uso como marketing

Se levarmos em conta todas as possibilidades da informática na educação teríamos muitas e muitas páginas de conteúdo. É realmente um tema ainda muito debatido e com muitas variáveis. Mas de uma forma geral o foco de diversos profissionais da área da educação com relação à informática e o ensino são positivos. Pedagogos e licenciados em diversas áreas procuram sempre um equilíbrio entre estes conceitos, o problema está quando a escola não leva a sério esta gama de conceitos e possibilidades. As escolas públicas variam muito, mas com relação a estas é complicado, pois no projeto tudo é maravilhoso, mas na prática… Agora as particulares, muitas delas principalmente as menores (obviamente não generalizando, pois o tamanho e a localização da escola não têm relação direta com a qualidade do ensino) possuem estampado em sua propaganda “possuímos laboratório de informática”, mas o que eles possuem é uma sala de jogos eletrônicos onde as crianças brincam com alguma atividade lúdica que tem muito pouco a oferecer em termos educacionais. Quando é disponível o acesso a internet eles acessam sites de jogos on-line, sites de relacionamento, redes sociais e chats. E ai vem à pergunta, o que isso ensina de relevante para um aluno nos primeiros anos do ensino fundamental? Tudo bem que é importante conhecimento destas ferramentas e recursos da internet e saber utilizá-las, mas somente isso? Usar na escola, na aula de informática o mesmo que ele usa em casa não trás muitos benefícios. Certa vez uma mãe me questionou:

– Minha filha tem computador em casa, para que usar na escola também.

Sutilmente respondi:

– O que ela aprenderá na escola é importante para o aprendizado dela, os conteúdos vistos na escola são específicos e com fundamentação pedagógica. Se pensássemos desta forma ela não chegaria nem a vir à escola, pois ela tem também em casa lápis, papel e lanche.

Isso ocorreu por conta de que a aluna em questão não estava gostando das aulas, visto a professora anterior trabalhar da forma citada anteriormente, a aluna jogava e nada mais. Quando implementei minha metodologia a aluna não viu mais a aula de informática como um parque, e desta forma não queria mais participar. Quem possui filhos em escolas particulares e deseja saber se o que é ensinado nas aulas de informática é de alguma valia para o conhecimento deles basta contatar a direção da escola ou o (a) professor (a) de informática e questionar sobre a metodologia e plano de aula, se não tiver a aula provavelmente não tem muitos benefícios pedagógicos. Nestes casos o fato de escola ter um laboratório de informática não passa de marketing porque se não tivesse estaria um passo atrás dos concorrentes.

Vou tentar usar um exemplo, nas minhas aulas para os primeiros anos do ensino fundamental ensino que o computador é composto por dispositivos de entrada e saída de informações e dados. Quando queremos realizar uma conta, por exemplo, 2X5 enviamos os dados através do teclado, a CPU recebe os dados 2 e 5 recebe também o que fazer com eles (multiplicar) e processa, o monitor exibe o resultado, ou seja, eles entendem o principio de entrada, processamento e saída.

A figura ilustra um simplificado algoritmo mostrando entrada, processamento e saída.

A figura ilustra um simplificado algoritmo mostrando entrada, processamento e saída.

Agora se só jogarem na aula e forem perguntados qual a função do teclado a resposta será:

“Para controlar o carrinho”.

E a CPU?

“Para ligar o teclado”.

E o monitor?

“Para mostrar o carrinho”.

Existe uma boa diferença entre as metodologias e os resultados delas.

A figura mostra a relação formada entre os componentes do computador e sua função com o uso de jogos não educativos.

A figura mostra a relação formada entre os componentes do computador e sua função com o uso de jogos não educativos.

Jogos educativos

Tratei até agora basicamente do ensino fundamental, mas e o ensino infantil, crianças em idades pré-escolares não sabem ler, e ainda desenvolvem sua coordenação motora, o que é trabalhado nas aulas de informática? Basicamente na informática para crianças em idades pré-escolares é desenvolvido o trabalho de complementação as atividades em sala de aula, ou seja, o computador é uma ferramenta de apoio. As atividades desenvolvidas nesta faixa etária trabalham a psicomotricidade, na aula de informática apenas é utilizado o computador ao invés da massa de modelar, ou do giz de cera ou do papel e lápis.

Criança utilizando jogo educativo.

Criança utilizando jogo educativo.

As atividades da mesma forma como que na sala de aula são lúdicas. Uma criança digamos com 4 anos dificilmente vai entender como utilizar um processador de textos ou fazer uma pesquisa na internet, simplesmente porque para isso é necessário o desenvolvimento de uma série de capacidades que ainda não foram estimuladas ou desenvolvidas completamente, nesta fase cada criança tem seu próprio ritmo de assimilação e desempenho o que deve ser analisado pelo profissional de educação. Com esses alunos os jogos educativos são de grande peso, jogos que trabalhem com números, letras, cores, seqüências lógicas e sons.

Uma coleção realmente muito boa neste quesito é a serie Coelho Sabido que possui versões desde o maternal (2 a 3 anos) até o ensino 3º ano do ensino fundamental estes softwares de uma forma lúdica ensinam diversos conteúdos variando da matemática a língua portuguesa cores e sons. Citei este apenas como um exemplo, no mercado existe um grande número de opções que podem ser utilizadas, mas sempre levando em consideração o lado pedagógico, jogos educativos sempre ensinam algo, literalmente a criança aprende brincando, em jogos comuns o único intuito é a diversão um jogo de corrida, por exemplo, o que ensina? Dentro da escola se não tiver um fundo pedagógico seu uso não trará muitos resultados.

O que um jogo de corrida está ensinando a uma criança na escola?

O que um jogo de corrida está ensinando a uma criança na escola?

Conclusão

Independente da visão que o profissional da educação e a escola tenham é importante ter um planejamento e um rumo a ser seguido no que tange a informática educacional. Somente o anuncio de um laboratório de informática na escola não significa que o ensino de informática está sendo realizado ou que a informática esta tendo algum beneficio para o aprendizado dos alunos. Assim como outras ciências a informática dentro do âmbito escolar precisa estar baseada em conceitos e os alunos devem aprender algo a respeito dela (ensino fundamental em diante) ou com ela (ensino infantil), diferenciando o ensino como infantil, fundamental e médio.

Não é possível voltarmos atrás, a informática e sua participação em nossas vidas é irreversível, assim como ler, escrever, contar e tudo mais que aprendemos na escola quando crianças o uso do computador deve ser adicionado a esse contexto de forma séria, a nova geração de alunos já vê o computador como algo normal, assim como muitos de nós víamos a televisão e o videocassete no início dos anos 80, assim como um mau uso da televisão e seu conteúdo pré-definido trazia maus resultados as crianças ainda mais do computador exponencialmente mais abrangente em conteúdo, as crianças precisam aprender seus recursos, seu lado positivo e os perigos que pode trazer, o quanto pode melhorar nossas vidas e o quando pode nos prejudicar caso não utilizemos corretamente. Visto que nossa primeira visão de mundo fora da família é a escola e nela aprendemos muito do que seremos durante a vida, o ensino da informática deve assim como as demais ciências ser visto como algo importante para a vida profissional e pessoal dos alunos e não somente como um dispositivo de marketing para anunciar na placa da escola e ser vista pelos alunos como a aula da diversão, a aula não precisa ser necessariamente um marasmo, mas também não deve ser um parque com jogos que o único objetivo é a diversão, o equilíbrio entre o lúdico e o pedagógico é a chave para a questão.

Por Onildo Henrique B. Filho <onildo.henrique [at] gmail.com>

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