O Google Chrome OS e a comunidade

O Google Chrome OS e a comunidade

Google Chrome OS and the community
Autor original: Jonathan Corbet
Publicado originalmente no:
lwn.net
Tradução: Roberto Bechtlufft

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No dia 7 de julho, o Google contou ao mundo sobre um projeto chamado “Google Chrome OS”. É um novo sistema operacional, feito para rodar (a princípio) em netbooks. Como era de se esperar do Google, vai haver uma forte ênfase em aplicativos web; parece que o Google vem trabalhando bastante em uma inicialização rápida, na segurança e em uma interface de usuário simplificada. O Google promete abrir o código lá para o fim do ano; espera-se a comercialização do produto para o segundo semestre de 2010.

A maior parte da imprensa vê o Chrome OS como um ataque direto à Microsoft, e é provável que seja mesmo. Por hora, a Microsoft parece ter recuperado o controle na plataforma dos netbooks, mas o Windows não é exatamente a escolha ideal para esse tipo de plataforma. Só que não é só a Microsoft que está se sentindo incomodada pelo novo sistema operacional; também não está claro se o Chrome OS vai ser bom para o Linux. Isso vai depender muito da forma como o Google trabalha com a comunidade do software livre, e a história mostra que pode haver motivo para preocupação.

Os críticos do Linux gostam de destacar o vasto número de distribuições disponíveis. Eles alegam (com razão) que a fragmentação causou grandes danos ao Unix proprietário; o Linux, dizem eles, é bem mais fragmentado do que o Unix. Na verdade, a fragmentação tem se mostrado um problema relativamente pequeno para o Linux. Vale a pena dedicar um minutinho para entender o porquê disso.

Um dos motivos mais óbvios é o fato de todas as distribuições Linux serem baseadas no mesmo kernel. Alguns distribuidores aplicam mais patches do que outros, mas em termos práticos, trata-se da mesma plataforma. O processo de desenvolvimento acelerado adotado no kernel 2.6 ajudou nesse sentido; o código útil vai tão rápido para a linha de produção principal que não há muito motivo para que os distribuidores apliquem patches que tragam funcionalidades expressivas em seus kernels. Coroando o sistema, a ética de “prioridade ao upstream” garante que as melhorias no kernel estejam disponíveis a todos os distribuidores e, consequentemente, a todos os usuários.

Além disso tudo, a camada estrutural do kernel é a mesma para todos os distribuidores. A disponibilidade e o gerenciamento de bibliotecas funciona bem o suficiente para que na maioria das vezes seja possível mover binários complexos entre distribuições com confiança de que eles vão funcionar. Esse é um alto grau de compatibilidade para uma plataforma “fragmentada”. O resultado é uma enorme flexibilidade para a maioria dos usuários do Linux. A capacidade de mudar para uma distribuição diferente sem deixar de rodar o Linux é uma das maiores forças da plataforma; é uma manifestação direta do valor do software livre para seus usuários. Enquanto essa capacidade de mudar continuar sendo um recurso tão fundamental do Linux, não precisamos temer a fragmentação.

Por isso, a pergunta é: será que o novo sistema operacional do Google vai jogar de acordo com as regras que proporcionaram tamanha consistência entre as distribuições Linux? Essa resposta não vai vir agora. Mas o Google Chrome OS não vai ser o primeiro sistema operacional do Google baseado no Linux; esse posto já pertence ao Android. Talvez nós possamos ter uma ideia de como as coisas vão funcionar vendo o que foi feito com o Android:

  • O kernel era Linux mesmo, mas o Android passou bem longe do lançamento típico de uma distribuição Linux. Uma boa parte do código foi adicionada a portas fechadas, e embutida na plataforma antes de qualquer tipo de lançamento ou análise pública. A maior parte desse código não tem chances de sequer entrar na linha de produção principal do kernel. Agora, embora o código do kernel do Android esteja disponível em uma árvore pública do git, esse kernel é desenvolvido em separado da linha de produção principal. Com algumas pequenas exceções, ninguém do Google está trabalhando de verdade para que o código do Google passe pela análise da comunidade ou para que seja integrado ao kernel oficial.

  • A camada estrutural é totalmente diferente; o Google aprontou sua própria biblioteca em C para o Android. As motivações desse trabalho não estão completamente claras, mas parece que o Google se esforçou para fugir de código licenciado pela GPL, e mais especialmente de código pertencente à Free Software Foundation.

  • Vários de seus aplicativos são proprietários.

O resultado final é que, embora baseado no Linux, o Android (em sua forma padrão) não parece muito com um sistema Linux. Os aplicativos comuns do Linux não funcionam no Android. Com algum esforço, é possível complementar o Android com os recursos necessários para rodar um Linux “normal”; dá até para encaixar um ambiente Debian completo nele. Mas ele fica como um complemento, e não como parte da plataforma em si.

Pode-se argumentar que o Android pertence a um nicho especial: roda em telefones celulares e precisa, dentre outras coisas, operar de uma maneira que seja aceitável para os fabricantes de portáteis e operadoras de celular, empresas que nem sempre são lá muito boas de jogo. Só que o Google Chrome OS tem foco nos aplicativos para desktops. Ele vai operar em um nicho no qual o Linux pode ser encontrado; talvez isso o leve a ser mais parecido com um Linux comum. É hora de dar uma olhada mais atenta no anúncio:

  • O código vai ser lançado “até o fim do ano”. Mas já faz um tempo que esse projeto corre, e daqui para frente ele deve ser seguir adiante rapidamente. Sendo assim, nós não estamos começando com um desenvolvimento com base comunitária; o que vamos ter é outro pacote de código daqui a alguns meses.

  • O Google está “redesenhando completamente a arquitetura de segurança por trás do sistema operacional”. Não está claro como será aplicado esse modelo de segurança – que pode envolver mudanças no kernel ou ser embutido em uma máquina virtual. De um jeito ou de outro, não parece ser um recurso que vá aumentar a compatibilidade com outras distribuições Linux. A segurança é importante, e não é uma boa quando é desenvolvida a portas fechadas. Se o Google tiver uma maneira melhor de lidar com a segurança no Linux, ele deveria compartilhar suas ideias e contar com a opinião da comunidade agora; apresentar um novo modelo como um fato consumado meses depois não vai ajudar muito.

  • Não há mais detalhes disponíveis além do fato de que haverá um novo sistema de janelas. Até que ponto isso vai ser novo e diferente? O Google Chrome OS vai rodar aplicativos do X?

A situação dá sinais de se assemelhar à do Android: uma plataforma que pega várias partes do Linux, mas que não é como o Linux, e não dá nada em troca ao Linux.

Mas talvez eu esteja enganado. Quem sabe se o Google não está trabalhando em segredo com um ou mais distribuidores do Linux, ou com projetos como o Moblin ou o Maemo, que estão fazendo um ótimo trabalho para alcançar os objetivos que o Google definiu para seu novo sistema operacional. Talvez, quem sabe, o Google esteja trabalhando para fortalecer os projetos nos quais baseia seu trabalho, em vez de tentar substituí-los. Quando o Google diz:

Temos muito trabalho pela frente, e definitivamente vamos precisar de muita ajuda da comunidade de código aberto para realizar essa visão.

Pode ser que esteja mesmo querendo trabalhar com a comunidade, e não apenas absorver o trabalho dela. Eu espero que sim, mas acho que isso exigiria uma abordagem diferente da que o Google adotou em relação à comunidade no passado.

O Android é algo positivo: ele trouxe o Linux para uma nova classe de plataformas e criou uma nova comunidade de desenvolvimento baseada no software livre. Os desenvolvedores do Android repensaram a forma como o sistema funciona e tentaram aplicar abordagens inovadoras; isso nunca é demais. Não há dúvida de que o mesmo se aplicará ao Google Chrome OS; vai ser interessante ver o que eles vão aprontar. Mas também não há dúvida de que o Google Chrome OS poderia ser bem melhor se fosse desenvolvido dentro da comunidade, e não por cima dela. Eu desejo ao Google toda a sorte do mundo nesse projeto ambicioso, e espero que a comunidade como um todo possa ser parte disso.

Créditos a Jonathan Corbetlwn.net

Tradução por Roberto Bechtlufft <info at bechtranslations.com.br>

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