A revolução da fabricação sob encomenda

A revolução da fabricação sob encomenda

The Made-To-Order revolution: custom flexible manufacturing is here

Autor original: Terry Hancock

Publicado originalmente no: freesoftwaremagazine.com

Tradução: Roberto Bechtlufft

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Ao longo dos anos, os custos de manufatura vêm caindo; o processo encolheu e tornou-se mais barato. Agora é possível fabricar produtos sofisticados como telefones celulares, PDAs, brinquedos, roupas, livros e até casas em qualquer formato que você quiser, com alto nível de personalização. A barreira da produção em massa caiu, e hoje todo mundo pode criar quase qualquer coisa utilizando componentes manufaturados, seja por intermédio de algum serviço específico ou pelo uso de equipamentos de fabricação doméstica disponíveis a preços acessíveis. Às vezes, as duas coisas se combinam.

Havia um tempo em que tudo era feito sob encomenda, uma unidade de cada vez. No começo do século XIX isso mudou, e com a revolução industrial ficou bem mais barato produzir em massa. Com o tempo, essa economia de escala se tornou muito grande, e os custos da criação de protótipos foram ficando cada vez maiores.

Nós acabamos nos tornando muito dependentes desses objetos, e seu modelo de produção em massa impôs uma certa conformidade materialista à sociedade: dirigimos carros produzidos em massa; falamos em telefones, vemos programas em TVs, cozinhamos em fogões, usamos roupas e teclamos em computadores, e todos esses produtos foram produzidos em massa.

A produção manufatureira foi centralizada, e a economia se concentrou em vender milhões de objetos idênticos para milhões de clientes.

Porém, desde a invenção do computador, essa tendência começou a se inverter lentamente. Máquinas programáveis podem criar muitas peças diferentes, em vez de ficar repetindo sempre as mesmas peças. Por anos, as vantagens em termos de custos e flexibilidade desse modelo foram valorizadas pela indústria, porque o equipamento era muito caro. Mas no fim do século XXI, os preços da maioria dos equipamentos de manufatura de boa parte dos produtos de consumo caíram ao ponto de se adequarem ao bolso de pequenos comerciantes ou dos hobbistas mais dedicados.

Somado a isso, o crescimento do software livre, da cultura livre e do hardware aberto produziram enormes bibliotecas de dados de design a partir dos quais novos designs poderiam ser criados.

Com tendências da internet como as redes sociais, o crowd sourcing (trabalho de grande quantidade de pessoas) e com a ampla difusão do acesso à rede em pequenas empresas, surgiu uma nova tendência: a dos serviços manufatureiros online fáceis de usar. Com os designs abertos de hardware, tornados possíveis pelas ferramentas de design de software livre, esses serviços se tornaram uma forma de transformar designs livres em hardware personalizado, feito sob encomenda.

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As tecnologias de design e manufatura chegaram ao nível das tecnologias de produção, trazendo a manufatura sob encomenda de volta aos holofotes.

Ainda temos um longo caminho pela frente até que os custos de criação de protótipos de produtos caiam ao nível dos custos de sua produção em grandes quantidades, mas hoje em dia, essas quantidades podem estar entre 10 e 100 unidades, e não na casa das 10 mil. E para muitos produtos do tipo impresso, um único protótipo pode custar menos que o dobro do custo marginal.

Onde antes havia enormes barreiras iniciais a serem superadas para a criação de produtos novos, hoje a única barreira real é a quantidade de tempo e trabalho que você está disposto a investir na criação de um design personalizado. Os custos de manufatura ainda não são insignificantes, mas já são bastante acessíveis.

Corte, fabrique, monte, programe, use…

Muitos designs envolvem uma gama relativamente limitada de componentes fabricados, que precisam ser montados. Um telefone celular comum, por exemplo, geralmente combina uma placa de circuito impresso (PCB), vários chips de circuito integrado, uma coleção de componentes eletrônicos isolados, um punhado de fios (não muitos), uma bateria recarregável, um teclado plástico ou de borracha e um chassi plástico ou metálico. Telefones mais incrementados, como os novos smartphones, também precisam de um display LCD colorido, que provavelmente é o elemento de produção em massa que vai representar o maior obstáculo para você.

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Telefones celulares são equipamentos sofisticados, mas hoje em dia eles podem ser montados com o design feito por mero hobby, suas peças podem ser fabricadas por manufatureiros que trabalham com serviços avulsos, e esses telefones podem ser montados em casa e programados inteiramente com software livre (créditos da foto: Nesnad@Wikipedia/CC By-SA, Isageum@Wikipedia/CC By-SA)

Hoje, telefones celulares podem ser projetados com hardware aberto; suas peças podem ser fabricadas através de serviços manufatureiros online que trabalham sob encomenda, e ainda podem ser montados em casa. O hardware final pode ter um sistema operacional em software livre, e uma “pilha” para smartphones como o Android pode ser instalada nele, permitindo que você projete seu próprio smartphone do zero, exatamente com as capacidades que você quer, e com a aparência que preferir.

Os componentes isolados são altamente padronizados, e estão disponíveis através de vários manufatureiros. Eles são produzidos em massa, têm muitas aplicações diferentes e dificilmente vão desaparecer do mercado. Eu os compraria com a Mouser Electronics, mas há muitos fornecedores diferentes. A bateria, os contatos da bateria e os parafusos para a montagem podem ser adquiridos da mesma forma. Quanto aos componentes mecânicos (como pequenas engrenagens), você pode procurar na Stock Drive Products, na Berg ou na Small Parts. Ou talvez você prefira procurar tudo na loja de peças mais próxima da sua casa.

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Várias empresas oferecem serviços de fabricação de PCBs em quantidades pequenas. As placas podem ser muito sofisticadas hoje em dia (créditos da foto: Silver Circuits/PR)

Os chips são muito mais especializados, mas em alguns casos podem ser substituídos por FPGAs mais genéricos, que podem ser programados de forma semelhante à memória flash dos computadores, usando circuitos lógicos que implementam um design de hardware expresso em uma “linguagem de descrição de hardware” (ou HDL, como VHDL ou Verilog).

As duas maiores fabricantes de FPGAs são a Xilinx e a Altera.

A síntese de FPGA é uma parte complicada da cadeia de design; as ferramentas que a tornam possível ainda não são livres, embora haja binários do Xilinx’s Webpack e do Altera’s Quartus II Web Edition disponíveis gratuitamente.

Muitas tarefas de design eletrônico são possíveis com o sistema GEDA – o sistema de automação de design eletrônico do GNU. Os esquemas também podem ser projetados no xcircuit, no dia ou em outros programas.

Depois de projetado, o design da placa de circuito pode ser enviado para uma dentre muitas empresas que oferecem serviços de criação de protótipos de PCBs, como a Silver Circuits, a PCB Express ou a PCB Universe, para componentes de montagem through-hole ou de superfície (ou ambas) em placas com até 14 camadas (mesmo um celular muito sofisticado pode ser construído com uma placa que tenha de quatro a seis camadas).

Muitas dessas tarefas ainda seriam complexas demais, não fosse pela grande quantidade de dados de design disponíveis online. Quanto aos FPGAs, há o projeto Open Cores, que contém muitos designs lógicos que vão de simples substitutos para dispositivos lógicos comuns a microprocessadores completos. O Open Graphics Project continua trabalhando no design de uma placa de vídeo com aceleração 3D. Há muitos sites que contêm diagramas simples de circuitos, incluindo o Electronic Circuit Diagrams.

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Uma das tecnologias mais sensacionais para a criação de protótipos é a sinterização seletiva a laser, onde uma forma tridimensional é construída por meio da fusão seletiva de materiais pulverulentos com um laser. Com ela, quase qualquer forma imaginável pode ser criada (créditos do desenho: Materialgeeza@Wikipedia/CC By-SA)

O chassi ou o invólucro do telefone celular pode ser projetado em um software 3D, como o Blender (ideal para designs artísticos), o BRL-CAD ou o FreeCAD.

Esse chassi pode ser manufaturado com a sinterização seletiva a laser do plástico, um processo mais conhecido nos dias de hoje como “impressão 3D”. Embora provavelmente seja possível encontrar um teclado emborrachado em um telefone já existente ou com alguma outra fonte, os mais puristas podem preferir criar seu próprio teclado usando plástico flexível em um molde impresso com a mesma tecnologia de impressão 3D. Isso pode ser feito em uma oficina doméstica, com um mínimo de equipamentos.

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O Shapeways.com é um serviço online de impressão 3D que pode imprimir em diversos materiais diferentes, incluindo plásticos dos mais variados, arenito, vídeo e até aço inoxidável.

Depois que todos os componentes são fabricados, o telefone pode ser montado em casa usando-se pouca coisa além de uma chave de fenda e de um ferro de solda.

Quer ter uma capinha de celular única, projetada por você? Dá para criar um padrão especial, imprimi-lo em tecido bom e cortar em casa com serviços como o Spoonflower, que faz impressões personalizadas em tecidos variados, cobrando entre 16,20 dólares e 28,80 dólares por metro. Sua imagem pode ser criada no Gimp. Isso provavelmente não vai ter utilidade neste projeto específico, mas há serviços parecidos que fazem a impressão de papéis de parede, através da repetição de padrões ou de murais gigantes, como o Design Your Wall.

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Várias empresas, como a Spoonflower, adotaram um modelo de comissão, permitindo a criação de designs por meio de crowdsourcing. O designer leva uma porcentagem das vendas do seu design, o que o motiva a compartilhá-lo.

Depois que acabar de montar seu telefone, você pode instalar uma distribuição GNU/Linux (ou Busybox/Linux) específica para sistemas embarcados. Se quiser começar com um sistema pronto para telefones celulares, pode optar pelo Android do Google. Como o Linux foi portado para praticamente todos os microprocessadores conhecidos, você tem bastante liberdade no design do hardware.

Quando estiver tudo pronto, talvez você queira publicar um manual usando um serviço de impressão sob demanda. Isso pode ser especialmente útil se você quiser compartilhar seu design com outras pessoas, que podem acabar querendo um igual ao seu.

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Outra técnica econômica e poderosa é o corte a laser, que pode ser usado para a realização de recortes muito complexos a partir de materiais comuns.

Para certos tipos de design, pode ser mais interessante usar o corte a laser. Pode sair mais barato do que a sinterização seletiva a laser, especialmente em peças grandes. O Inkscape pode ser usado para a criação de gráficos vetoriais SVG, usados por serviços de corte a laser como o Custom Laser Cutting. Isso pode incluir gravação a laser, que marca o material com sulcos em vez de cortá-lo (dá para marcar rótulos de botões desse jeito). Essa abordagem pode ser usada em uma grande variedade de materiais, que vão do plástico à madeira, do tecido à borracha. Para cortes de tecido mais avançados, feitos por designers que trabalhem com moda, há serviços especializados como o Laser Cut Fabric.

Outra opção é o uso de maquinário CNC. Dá para comprar um sistema CNC baseado em GNU/Linux na Sherline (que vende várias máquinas multifunção voltadas para pequenas oficinas amadoras). A usinagem tradicional geralmente dá mais trabalho, mas tem vantagens expressivas em situações nas quais sejam exigidas força mecânica, altas tolerâncias ou superfícies de alta qualidade. Exemplos incluem rolamentos, trilhos e quaisquer peças nas quais a força e o peso sejam críticos. Esse é o método empregado na maioria das peças de metal usadas na indústria aeroespacial, por exemplo.

É claro que não estou propondo seriamente que você fabrique seu próximo telefone celular desse jeito. Esse telefone sairia bem caro, e a maioria das pessoas estaria bem melhor servida com um telefone mais barato e produzido em massa. O que importa é que pelo menos isso já é possível, e até viável. E se você estiver querendo algo parecido com um telefone, só que com mais recursos – talvez um dispositivo dois-em-um que você nunca viu vendendo em lugar nenhum – talvez essa seja a única maneira de se conseguir um.

Essa história toda seria bastante parecida se você quisesse uma câmera digital ou filmadora, um dispositivo de gravação, uma televisão portátil, um controle remoto universal, um robô de brinquedo, uma boneca falante, um walkie-talkie, um laptop, um console de videogame (com os respectivos controles) e por aí vai. Você teria muitas alternativas para simplificar o problema, apelando para componentes prontos e produzidos em massa, mas há muito espaço para personalização. Para projetos realmente avançados, como um robô feito para um trabalho de faculdade ou um satélite CubeSat, a fabricação sob encomenda pode ser uma ótima pedida.

Para referência rápida…

Caso você esteja interessado em investir em algum projeto pessoal, aqui vai uma lista rápida de serviços:

Serviço
Fabrica…
Faça o design com…
Consulta a preços/encomendas
PCBs de 1 a 6 camadas
PCBs de 1 a 6 camadas
PCBs de 1 a 10 camadas
PCBs de 1 a 14 camadas
Formas 3D
(Login)
Tecido
Papéis de parede
Livros

Guia rápido para os serviços da seção anterior

Hardware aberto: um futuro brilhante

Na prática, isso significa que há grandes possibilidades para o inventor doméstico e para o hobbista. Com a queda dos obstáculos no caminho da manufatura, o maior problema passa a ser o design. E obviamente, como a história do software livre vem mostrando, essa barreira pode ser vencida com a cooperação de grupos de indivíduos.

Essa cooperação pode cuidar do design de núcleos de FPGAs e ASICs, circuitos e até de placas de circuito impresso. Há até designs de placas completas disponíveis, como é o caso do Arduíno.

O design criativo, por sua vez, já tem uma comunidade ativa. Serviços como Spoonflower, Shapeways e Lulu têm mecanismos especiais para usuários que compartilham seus designs no sistema (chegando a pagar comissões a esses usuários quando alguém compra um produto baseado no trabalho deles).

Créditos a Terry Hancockfreesoftwaremagazine.com

Tradução por Roberto Bechtlufft <info at bechtranslations.com.br>

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O código aberto e a reutilização de computadores antigos

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