Sam Ramji: On the CodePlex Foundation and more
Autor original: Jake Edge
Publicado originalmente no: lwn.net
Tradução: Roberto Bechtlufft
Há poucas semanas nós demos uma olhada na recém-anunciada Fundação CodePlex. Naquela ocasião, pairavam algumas dúvidas quanto à fundação e seus planos. Pedimos a Sam Ramji, presidente interino da fundação (e ex-diretor sênior de estratégia de plataforma da Microsoft) que preenchesse algumas lacunas. Seguem as respostas que ele deu às nossas perguntas, indo da gestão e dos planos da fundação à sua opinião sobre a estratégia de código aberto da Microsoft, além de informações sobre sua nova empresa e seu relacionamento com o software de código aberto.
LWN: Para abrirmos a discussão sobre a Fundação CodePlex, você poderia nos dar uma visão geral da fundação e sua missão? A ideia é que ela sirva à comunidade de código aberto, às empresas de software ou às duas?
Às duas. A missão da Fundação CodePlex é possibilitar a troca de código e um entendimento entre as empresas de software e as comunidades de código aberto. Nós nos organizamos para servir tanto à comunidade de código aberto quanto às empresas de software, e foi por isso que escolhemos operar como uma fundação independente e sem fins lucrativos. Como o LWN e outros observaram, já existem fundações – GNOME, Mozilla, Apache, Linux e Eclipse, por exemplo – com objetivos semelhantes, embora essas fundações tenham um foco tecnológico específico. Nós vimos a necessidade de uma organização que lidasse com o processo de participação nas comunidades de código aberto de forma mais abrangente. Nas minhas incursões pelo código aberto, notei que os desenvolvedores corporativos de software muitas vezes não participam tanto quanto se esperaria dos projetos de código aberto dos quais fazem uso. Estamos trabalhando para oferecer uma resposta à pergunta: sendo uma empresa de software ou um desenvolvedor corporativo de software, como posso contribuir com meu código ou projeto para um projeto ou fundação de código aberto?
LWN: Como presidente interino, você, o conselho de diretores e o conselho consultivo foram incumbidos de apontar um diretor executivo e membros permanentes para os dois conselhos. Qual foi o prazo que deram a você para fazer essas escolhas? A adoção de um estatuto para a fundação se dará em prazo semelhante, ou isso ficará por conta dos novos conselhos? Você vai permanecer como presidente depois disso, ou essa função caberá ao novo diretor executivo?
Os prazos que definimos são bem apertados. Nos primeiros cem dias, vamos recompor o conselho de diretores, indicar um novo presidente e contratar um diretor executivo full-time. Espero que os novos membros do conselho estejam distribuídos igualmente entre empresas de software e a comunidade de código aberto, o que deve afastar o centro de influência da Microsoft. Aliás, se você der uma olhada na formação atual do conselho, vai ver que três de nós não são empregados da Microsoft, e por isso eu diria que esse equilíbrio já está sofrendo alterações. Além disso, o conselho consultivo representa um time de especialistas da indústria e da comunidade; temos gente com histórico no MySQL, na VA Linux e em projetos .NET de código aberto.
Nós continuaremos recrutando novos membros para o conselho consultivo. A intenção do conselho é fazer com que o conselho consultivo represente de forma mais precisa a colaboração entre empresas de software e as comunidades de código aberto. Quando o conselho permanente assumir, ele terá a tarefa de formular o estatuto da fundação, então é provável que esse documento tome forma dentro de cinco meses.
Nos primeiros cem dias, eu vou atuar como presidente interino, mas depois vou retornar ao setor privado: sou vice-presidente de estratégia da Sonoa Systems, uma empresa de infraestrutura de nuvem no Vale do Silício. Depois que minha função como presidente da fundação se encerrar, continuarei trabalhando com a fundação, provavelmente como membro do conselho consultivo. Não sou candidato à função de diretor executivo. Só para explicar: a função de presidente (que é uma função do conselho de diretores) e a de diretor executivo (trabalho full-time e remunerado) são bem diferentes. Há algumas exceções a esse modelo, como Jim Zemlin, que é gerente operacional e porta-voz/líder ao mesmo tempo, mas de modo geral, em organizações que não visam o lucro, o diretor executivo tem participação bastante ativa nas operações, enquanto o presidente oferece a direção de alto nível e faz os pronunciamentos mais importantes.
LWN: Houve críticas quanto à formação inicial dos conselhos, especialmente da parte de Andy Updegrove (continuando aqui), pelo fato dela ser dominada pela Microsoft. Ele alega que, ao menos superficialmente, a fundação parece ter foco na Microsoft, sem muito espaço para opiniões externas, e o que é mais importante, incapaz de agir com independência da Microsoft. Essa descrição lhe parece adequada? Caso contrário, por quê? O que dá à fundação a capacidade de agir de forma independente?
Eu tenho muito apreço pelos comentários de Andy. Ele dedicou bastante tempo à análise da estrutura e da gestão da fundação, e as sugestões dele estão orientando o conselho em sua busca pelo diretor executivo e pelo presidente permanentes.
Entendo que a composição inicial do conselho tenha levado os observadores à conclusão de que a fundação seja dominada pela Microsoft, mas a meta de 100 dias que definimos para reformular os conselhos deve tranquilizá-los, mostrando que há espaço de sobra para outros pontos de vista. Quanto mais empresas aderirem, e quanto mais pontos de vista tiverem representação, melhor.
A doação que a Microsoft realizou para abrir a fundação nos deu a capacidade de operar de maneira independente. Isso pode não parecer muito óbvio, mas com o patrocínio, a Microsoft deu à fundação a capacidade de abrir uma conta no banco, contratar funcionários, repensar sua missão, reconsiderar a forma como a fundação é governada e formular um plano de trabalho para seguir adiante. Essa formação inicial botou a bola para rolar, e agora a fundação está seguindo por um caminho diferente e só seu.
Para atrairmos mais patrocinadores, estamos certos de que precisaremos de equilíbrio e independência não apenas em nossas ações, como também na forma como a fundação é governada e na composição do conselho de diretores. Estamos trabalhando seguindo as sugestões de Andy e de outras pessoas com experiência na área. Você verá algumas mudanças após o período de cem dias.
LWN: Quais são os critérios para a entrada de novos membros no conselho de diretores e no conselho consultivo? Aumentar a diversidade desses conselhos (com menos funcionários da Microsoft e/ou mais vozes que não pertençam à esfera de influência da Microsoft) é um dos objetivos do processo de seleção? Em caso positivo, como isso pode ser feito, e em caso negativo, por que não?
Estamos procurando por membros para o conselho que tenham pensamento independente. Eles precisam entender o código aberto, saber o valor do código aberto em um contexto comercial e ter a capacidade comprovada de juntar as duas coisas. Alguns bons exemplos de pessoas assim estão nos conselhos atuais. Esses parâmetros significam que estamos fazendo nossa busca em um grupo bastante variado de candidatos. No momento, por exemplo, acho que precisamos de um membro do conselho com experiência em aspectos legais do código aberto, além de alguém que tenha conduzido o uso do código aberto em ambientes corporativos que não se limitem à indústria de software. Estamos procurando por pessoas nas comunidades de código aberto e também em empresas de software comercial fora da esfera de influência da Microsoft. A expectativa é de que a Microsoft continue sendo representada – afinal, ela é a patrocinadora que fundou a CodePlex – mas haverá muitas outras vozes. Além disso, o conselho interino tem um compromisso com o sucesso a longo prazo da fundação; sabemos que vamos ser julgados pelo que fizermos, e não apenas pelo que dizemos fazer.
LWN: A fundação vai patrocinar projetos específicos, como a Fundação Apache faz? Qual será o critério usado para decidir quais projetos merecem o patrocínio? Quais seriam os benefícios para um projeto que se tornasse parte da Fundação CodePlex?
Ainda estamos desenvolvendo o processo para aceitação de projetos, e vamos falar sobre nossos progressos em nosso site, no meu blog e no blog de Mark Stone. Em outubro, vamos postar um rascunho público do processo de aceitação de projetos e do processo de gestão da fundação, além de começarmos a analisar os projetos que nos forem submetidos.
LWN: Até pouco tempo, você era o “homem do código aberto” da Microsoft. Passos importantes foram dados no período em que você ocupou essa função. O que você pensa das iniciativas de código aberto da Microsoft, tirando a Fundação CodePlex? Para onde você acha que a Microsoft está seguindo em termos de participação em código aberto?
A defesa do código aberto vem crescendo na Microsoft há anos. Manter a força desse movimento era o meu trabalho, e tive sucesso nesse sentido. Nós promovemos a ideia de que o código aberto complementa os negócios de base da Microsoft. A contribuição dos drivers de dispositivos para Linux na OSCON foi uma boa prova disso: esse trabalho é complementar ao Hyper-V e ao ramo de virtualização. Quando deixei o cargo, vi que o número de defensores do código aberto na empresa havia crescido, graças ao êxito que tivemos ao trabalhar com o PHP, com o OpenPegasus e com o MPICH2, e à aparição natural de talentos da indústria. Em um empresa com 91.000 pessoas e que está sempre contratando pessoas, é impossível contratar engenheiros com menos de 30 anos que não tenham experiência com código aberto; é impossível fugir desse novo paradigma. A visão coletiva deles cria uma pressão interna para que a empresa adote e trabalhe com o código aberto. O mesmo vale para desenvolvedores mais experientes e líderes de negócios que vieram para a Microsoft depois de trabalhar com empresas que fazem um forte uso do código aberto, como por exemplo, Lee Nackman da IBM, que trabalhou no projeto Eclipse, agora é vice-presidente corporativo da Microsoft. A minha expectativa é a de ver as participações e contribuições aumentarem, com um claro foco em áreas que levem a um crescimento sustentável e a longo prazo em negócios de base como sistemas operacionais e bancos de dados.
LWN: Muitos desenvolvedores do Linux estão preocupados com os ataques relacionados a patentes da Microsoft contra a TomTom e sua tentativa de vender 22 patentes para empresas consideradas agressivas e injustas na defesa de patentes. O que você diria a esses desenvolvedores para convencê-los de que a Microsoft está bem-intencionada, e de que cooperar com ela (por meio da fundação ou por outros meios) é a coisa certa (e segura) a se fazer?
Sua pergunta contém uma questão autêntica e um alarme falso. Quanto ao alarme falso: pelo que eu entendi, essas 22 patentes foram oferecidas à Red Hat e à IBM individualmente antes de serem vendidas à Allied Securities Trust, que não tem fins lucrativos e lista tanto a Red Hat quanto a IBM entre seus integrantes. É de se estranhar que elas tenham aberto mão da compra das patentes, aceitando os benefícios subsequentes quanto ao uso da licença dessas patentes provindos de sua associação à AST, para depois levarem a público a questão dos riscos que as patentes e a AST representam, agindo para comprá-las através da OIN. Não me parece uma atitude muito honesta.
Quanto à questão autêntica, que é o litígio de patentes, eu acho que a Microsoft não age de maneira muito diferente de outras grandes empresas de software – a IBM, por exemplo, tem um histórico maior de litígio de patentes, e questões semelhantes com o gerenciamento de seu portfólio de patentes. O problema estrutural que vejo nessa indústria é como a guerra fria e a proliferação nuclear que ela acarretou: grandes empresas sentem a necessidade de se proteger das outras, e agem para garantir que seu arsenal seja forte, chegando a realizar testes nos tribunais e em outros veículos. Essa ações acabam causando muito medo em outras pessoas e empresas, e costumam inibir a inovação na indústria. Pessoalmente, eu gostaria de ver uma solução estrutural como uma reforma legislativa ou mesmo uma revisão da aplicação de patentes de software com foco nos direitos autorais, como era nos anos 70 e 80. Até que isso aconteça, não acredito que nenhuma grande empresa vá mudar o seu comportamento.
Por fim, o trabalho na Fundação CodePlex é um trabalho bastante independente do trabalho na Microsoft. Estamos construindo um porto seguro para a colaboração das empresas de software e das comunidades de código aberto. Uma das maneiras pelas quais pretendemos fazer isso é exigindo que as empresas de software concedam uma licença de patentes para todo o código que contribuírem para a fundação, para que então essas patentes sejam relicenciadas sem custos a todos os usuários e desenvolvedores, incluindo seu uso em trabalhos derivados. Acredito que para os projetos e empresas que participarem de projetos da Fundação CodePlex, essa será uma valiosa inovação que permitira que mais desenvolvedores participem do código aberto.
LWN: O que você pode nos contar sobre o seu novo trabalho? Dizem que é em uma startup de computação em nuvem, é isso mesmo? Essa empresa usa (ou pretende usar) tecnologias de código aberto? Em caso positivo, de que maneira?
Eu sou o responsável pela área de estratégias da Sonoa. Ela é uma empresa de infraestrutura de computação em nuvem focada na análise, no controle e na segurança dos serviços em nuvem. Nós temos visto uma enorme expansão dos serviços em nuvem – no ano passado, por exemplo, o eBay afirmou que 60% do seu tráfego vinha da nuvem, e não da web. Eram seis bilhões de chamadas de API por mês em 2008, indo direto para o backend deles, e não para o site. Conforme a “rede invisível” de conexões programáticas a serviços de negócios se expande, essas conexões se tornam mais críticas para os negócios que fazem uso delas, e há um valor em ser capaz de garantir a disponibilidade e o desempenho, o registro em logs e auditoria e também modificações dinâmicas na forma como isso tudo é oferecido a diferentes clientes e parceiros. Os produtos da Sonoa fazem isso. Temos um produto gratuito, o APIgee.com, que roda no ambiente EC2 da Amazon e permite a qualquer provedor de serviços em nuvem gerenciar o tempo de atividade, estabelecer limites para os assinantes e obter visibilidade dos assinantes atuais. Esse produto foi construído com base no ServiceNet, nosso produto pago que pode ser executado na nuvem (EC2) e localmente como uma appliance de software ou hardware. O ServiceNet tem muito mais recursos acessíveis do que o APIgee no momento – ele é efetivamente uma plataforma de roteamento de baixa latência para serviços em nuvem.
Usamos diversas tecnologias de código aberto, começando com o Linux, que é nossa plataforma básica. Embora boa parte do produto seja programada em C, estamos usando Java e, mais especificamente, tecnologias Apache no servidor. Usamos o Xen no empacotamento da nossa AMI para o EC2 e de alguns de nossos ambientes de clientes. Também temos um estúdio de design para diretivas de nuvem, que é um ambiente de autoração e edição baseado no Eclipse.
Eu acho que há muito mais a ser feito pela Sonoa nessa área, tanto na retribuição aos projetos dos quais nos beneficiamos diretamente com o produto quanto nos projetos dos quais nos beneficiamos enquanto empresa. Por exemplo, antes que as pessoas precisem dos nossos produtos, vão precisar ter serviços em nuvem, sejam APIs REST, APIs SOAP ou RSS feeds. Primeiro essas pessoas têm que criar essas coisas, e depois implantá-las. Não oferecemos nada nessas áreas – não somos provedores de servidores de aplicativos ou de IDEs. Pela lógica, nós deveríamos apoiar projetos como os frameworks Apache Axis2 e PHP REST. A estratégia de código aberto da Sonoa é uma página em branco, e essa é uma das coisas que me empolgam.
LWN: Há mais alguma coisa que você gostaria de dizer aos nossos leitores?
Foi um privilégio para mim trabalhar com vários líderes da indústria na função que eu ocupava na Microsoft. Eu aprendi muito com a equipe do Samba, e aprecio o otimismo deles ao se disporem a trabalhar comigo depois das experiências negativas que tiveram com a Microsoft no passado. O sucesso da nossa união nos permitiu levar muitas coisas a níveis melhores, como a nossa relação com a Linux Foundation. Geralmente as pessoas que dedicam algum tempo a entender o trabalho da minha equipe na questão da interoperabilidade com o Linux gostam do trabalho e dão boas dicas. Eu queria ter feito muito mais do que fiz, mas isso vai ficar para os meus sucessores e para a empresa como um todo. Estou feliz em poder continuar pondo em prática aquilo em que acredito na Fundação CodePlex, ou seja: que podemos construir uma indústria de software melhor fazendo com que as empresas de software contribuam sistematicamente com projetos de código aberto. Ainda assim, vou sentir saudades dos tempos em que guiava o progresso da Microsoft no âmbito do Linux e do código aberto.
Eu diria o seguinte aos seus visitantes: é através da educação que vamos diminuir os abismos que separam a indústria. Acredito que todo administrador de sistemas prefira ter menos trabalho para fazer sistemas operacionais diferentes funcionarem em um mesmo ambiente, e sei que todo desenvolvedor gostaria que seu trabalho tivesse um impacto maior, rodando em mais plataformas e computadores. Portanto, se você tiver conselhos a oferecer às pessoas que tomam decisões e elaboram estratégias, faça isso de maneira construtiva e seja paciente, porque mudanças significativas levam tempo.
Créditos a Jake Edge – lwn.net
Tradução por Roberto Bechtlufft <info at bechtranslations.com.br>
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