A new open source foundation
Autor original: Jake Edge
Publicado originalmente no: lwn.net
Tradução: Roberto Bechtlufft
Em circunstâncias normais, uma fundação que vise à promoção de uma maior participação das empresas de software comercial nos projetos de software livre seria vista como algo positivo. Começar essa fundação com um caixa de um milhão de dólares também parece ser um bom indicativo de sucesso, ao menos a curto prazo. Mas se essa fundação for patrocinada (e bancada) pela Microsoft, imagina-se que ela seja recebida com uma boa dose de ceticismo. E foi exatamente o que aconteceu após o recente anúncio da formação da Fundação CodePlex.
Ainda que a nova fundação não esteja estritamente relacionada ao CodePlex.com (um repositório de código aberto da Microsoft, nos moldes do SourceForge), os dois compartilham o mesmo nome da “marca CodePlex“, além de apoiarem a “mesma missão“, de acordo com o FAQ da fundação. Assim como o CodePlex.com, a Fundação CodePlex é voltada para os desenvolvedores de software comercial que, evidentemente, não estejam sendo atendidos pelas organizações existentes. Embora não esteja nem um pouco claro o que falta nos sites e organizações existentes, o FAQ deixa claro que a Fundação CodePlex pretende preencher essa lacuna:
O CodePlex.com foi lançado em junho de 2006, nascido da necessidade de um site para hospedagem de projetos que operasse de maneira diferente dos outros “forges”, com recursos e estruturas que tivessem valia para os desenvolvedores de software comercial. O próximo capítulo para a solução desse desafio é a Fundação CodePlex (Codeplex.org). A fundação irá resolver desafios parecidos, com o objetivo final de unir os desenvolvedores de código aberto e de software comercial em um lugar em que possam colaborar. A fundação é absolutamente independente do site de hospedagem de projetos, mas está essencialmente apoiando a mesma missão, só que resolvendo uma parte diferente do desafio, uma parte que o Codeplex.com não foi desenvolvido para resolver.
É de se imaginar que as fundações existentes (GNOME, Linux, Mozilla, Apache e afins) também estejam interessadas em unir os desenvolvedores de software comercial e livre. Na verdade, essa fundações vêm obtendo bastante sucesso nesse sentido. Pode haver algum valor na existência de uma uma fundação de abrangência total, que não sirva a um subgênero específico de software livre, mas é um pouco difícil de enxergar a Fundação CodePlex preenchendo esse vazio.
Para começar, o conselho da fundação será dominado pela Microsoft, com três pessoas que atualmente estão empregadas na empresa ocupando metade das seis cadeiras. Além disso, Sam Ramji, que até pouco tempo liderava os esforços de código aberto da Microsoft, atuará como presidente interino da fundação e como presidente do conselho. Recentemente, Ramji anunciou que estaria saindo da Microsoft para ingressar em uma startup de computação em nuvem no Vale do Silício, mas, enquanto ex-empregado, seu distanciamento da visão da Microsoft não está claro. Os dois integrantes externos são Miguel de Icaza da Novell (desenvolvedor do Mono/Moonlight) e Shaun Bruce Walker (desenvolvedor do DotNetNuke), ambos com fortes laços com a Microsoft.
De certa forma, a composição do conselho de diretores não surpreende muito, mas é de se admirar que também haja tantos empregados da Microsoft no conselho consultivo. Seis dos doze membros do conselho consultivo (listados à direita na página linkada acima) são empregados da Microsoft. Há alguns integrantes aparentemente independentes no conselho consultivo, incluindo Larry Augustin da SugarCRM e o desenvolvedor do MySQL, Monty Widenius, da Monty Program AB. Como a ideia é de que o conselho consultivo apenas faça sugestões ao conselho de diretores, que toma todas as decisões, colocar gente no conselho consultivo dá a impressão de que a fundação não passará de porta-voz da Microsoft.
Em um extenso post em seu blog, Andy Updegrove analisou os estatutos [PDF] e a constituição da fundação. Updegrove é um advogado conhecido por sua atuação no processo dos padrões ODF e OOXML (e sua aparente subversão pela Microsoft), e é o diretor de estratégia de padrões da Linux Foundation, o que obviamente faz dele um observador que tem muito interesse no assunto. Ele observa, no entanto, que ajudou a estabelecer muitos “consórcios e fundações baseados no consenso” ao longo dos anos, o que dá a ele uma boa base para avaliar a Fundação CodePlex.
Updegrove comenta que há várias áreas problemáticas na fundação, na forma como se apresenta. Para que uma organização seja encarada como neutra, é bom que tenha vários parceiros e membros, mas a fundação não foi estabelecida como uma organização de associações. Os estatutos ditam que seja eleito um novo conselho de cinco membros dentro de cem dias, mas como não há membros que possam votar para as cadeiras do conselho, o conselho interino realizará a eleição. Esses cinco novos membros do conselho terão controle total sobre a fundação, e estarão eleitos por quatro anos.
Além disso, como é necessária uma maioria de 2/3 para alterar muitas partes do estatuto (como o tamanho do conselho, o texto dos contratos com os contribuidores etc), bastam votos de dois membros do conselho para que tais alterações sejam bloqueadas. Portanto, mesmo se o conselho permanente tiver apenas um empregado da Microsoft (o que parece pouco provável) e um membro “amigo”, a empresa já conta efetivamente com poder de veto sobre quaisquer alterações fundamentais que o conselho possa querer realizar.
Os rascunhos do contrato de contribuição [PDF] e do contrato de atribuição de direitos autorais [PDF] podem dar uma ideia do que a fundação almeja. Os dois concedem direitos amplos (incluindo licenças para patentes de posse do contribuidor que cubram o código contribuído) à fundação e àqueles que obtiverem o código dela. Os slides introdutórios mencionam especificamente a passagem desses direitos para os “desenvolvedores do downstream“, mas nada comenta sobre o upstream. Pode ser exagero pensar nisso, mas é possível que também seja uma tentativa de isolar a GPL do ecossistema da Fundação CodePlex.
Exatamente por que alguém iria querer contribuir com código para a fundação é algo que ainda não foi especificado. Às vezes há bons motivos para a atribuição de direitos autorais, mas a fundação não esclareceu quais seriam os benefícios disso para os desenvolvedores. Como disse Updegrove:
Eles não são ruins, se a intenção for transmitir os direitos para criação de código que possa ser distribuído sob qualquer tipo de licença de código aberto. Mas por que um desenvolvedor ou contribuidor iria querer assinar uma licença tão abrangente? Linhas de código são contribuídas para projetos definidos, e não para um banco de código onde possam ser arquivadas para a posteridade.
Como muitos novatos no software livre, bem como alguns participantes já estabelecidos, a Microsoft claramente não se sente confortável trabalhando com as organizações e comunidades existentes. Ela quer criar seu próprio campo de jogo, onde possa exercer domínio e controle, se necessário. Ao usar contratos com os contribuidores e estatutos favoráveis aos seus interesses, potencialmente às custas daqueles que participarem, ela está criando uma situação com a qual se sinta confortável.
Sob certos aspectos, é parecido com o controle que a Sun tem exercido até agora sobre as comunidades do OpenSolaris e do Java. Tanto na Sun quanto na Microsoft, há uma aversão corporativa à atitude de permitir que a comunidade governe os rumos dos projetos. Mas essa é uma das principais características do sucesso do desenvolvimento de software livre. Várias empresas aprenderam essa lição com o tempo, e é possível que isso também aconteça com a Microsoft. Há cinco, ou talvez três anos, seria inimaginável que ela fosse criar uma fundação voltada para o código aberto; está claro que houve progressos.
A preferência da Microsoft por absorver as ideias dos outros, para depois distorcê-las para seus próprios fins (por exemplo, o “adotar, ampliar e extinguir”) leva muitos interessados a um escrutínio mais cuidadoso da Fundação CodePlex do que o que seria realizado se ela tivesse sido criada por outra empresa. Há um nível de desconfiança dentro da comunidade do software livre que só pode ser apagado por meio de mudanças fundamentais no comportamento da Microsoft por um período prolongado. É certamente possível que a fundação seja um passo na direção certa, mas os sinais conflitantes que ela continua a enviar sobre o software livre contrariam essa impressão. Updegrove expressa essa preocupação:
A menos que a Fundação CodePlex seja estabelecida de maneira verdadeiramente neutra, ela vai fazer com que muitos temam que a Microsoft queira criar e legitimar o “seu” tipo de ambiente de desenvolvimento, no qual possa se sentir segura lançando projetos (todos os projetos iniciais que estão sendo considerados são projetos da Microsoft) envoltos por regras de direitos de propriedade intelectual e licenças que se enquadrem em sua visão do que o código aberto deva ser.
Embora Updegrove critique bastante a estrutura atual da fundação, ele também tem sugestões específicas quanto às mudanças que poderiam ser realizadas. Coisas como aumentar o tamanho do conselho e diminuir o número de funcionários da Microsoft que o constituem, além da retirada de 3/4 do caixa de fundação inicial, que seria substituído por contribuições de outros membros corporativos, estão entre elas. A ideia por trás dessas sugestões é a de tornar a fundação realmente neutra, para que ela não seja apenas um braço da Microsoft:
Mas se realmente houver a necessidade dos desenvolvedores individuais e fornecedores comerciais se unirem sob uma nova organização, então membros da comunidade terão que sentir que a Fundação CodePlex é um lugar seguro. No momento, não vejo como isso possa acontecer sem que a estrutura de gerência proposta atualmente seja repensada profundamente.
De modo geral, a ideia da fundação parece mal planejada. O anúncio talvez tenha sido apressado para dissolver um pouco da publicidade negativa dos últimos dias – na forma das patentes que a Microsoft tentou vender para trolls de patentes – ou para diminuir o impacto da saída de Ramji, mas é certo que a coisa não está muito bem-acabada. Com o tempo, ela pode evoluir para algo útil para a comunidade do software livre, mas isso só o tempo dirá.
Esse é o “x” da questão. Obviamente, é razoável especular acerca das motivações e dos planos da Microsoft, mas vamos ter que esperar para ver o que, de fato, essa fundação vai fazer. A constituição do novo conselho, bem como quaisquer alterações no conselho consultivo, provavelmente vão indicar o rumo da fundação. Também vai ser interessante ver quantos desenvolvedores de software comercial irão se “unir” à fundação. Com base no que estamos vendo hoje, no entanto, não seria muito surpreendente se a fundação fosse definhando silenciosamente ao longo dos anos.
Créditos a Jake Edge – lwn.net
Tradução por Roberto Bechtlufft <info at bechtranslations.com.br>
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