Recentemente assisti à versão remasterizada do clássico “O Poderoso Chefão”. Este novo remaster é a versão lançada neste ano em comemoração aos 50 anos de lançamento deste filme que aparece em 10 de 10 listas sobre as maiores obras cinematográficas de todos os tempos. Além do primeiro filme, os outros dois que formam a trilogia também ganharam um novo tapa no visual.
Uma particularidade técnica o difere de outros relançamentos desta trilogia. Pela primeira vez podemos assistir Don Corleone e cia em 4K. Ao comentar com um amigo que assisti essa nova versão, ele me fez a seguinte pergunta: como é possível que um filme tão antigo receba uma versão em 4K?
Com base nesta pergunta, que também já foi alvo de um próprio questionamento meu há alguns anos, resolvi trazer este artigo. Vamos entender como um filme antigo, clipe musical ou até mesmo programa de TV pode ganhar versões com qualidade de imagem e som conforme tecnologias atuais.
Analógico x digital
Compreender como é possível que uma gravação super antiga receba uma versão remasterizada passa pela compreensão das duas maneiras de captação: analógico e digital.
Estamos diariamente em contato com arquivos de vídeo digital, e uma de suas particularidades são os pixels. A contagem de pixels tem relação direta com a qualidade final de um vídeo. O número de pixels deixa escancarado a diferença entre assistir um conteúdo em HD e outro em 4K. Estamos falando de quase 1 milhão de pixels num vídeo em HD e um pouco mais de 8 milhões destas micropartículas na resolução 4K.
Mas nem sempre o digital balizou a indústria do entretenimento. A sétima arte foi forjada com base no mundo analógico, com gravações em película. Os famosos filmes fotográficos.
Estes filmes se diferem radicalmente das captações digitais. Estamos tratando de um processo químico. Que nada lembra a captação digital e sua contagem de pixels como balizador de qualidade final. Até mesmo o sentido de resolução, atributo ligado ao mundo digital, não cabe perfeitamente ao mundo analógico, mas ajuda a entender o x da questão.
Ao longo do século passado, as mais variadas produções, dos mais variados segmentos, foram capturadas através de filmes fotográficos, com variações entre as bitolas. Filmes de 8mm, 16mm, 35mm, 65mm e 70mm foram a base para registrar diversos clássicos que cultuamos até hoje.
As variações entre o uso de determinada bitola tinha relação com o custo final e também com a visão geral de produção e determinado take. Até hoje temos produções feitas em película, porém não é mais uma regra. Transformou-se num capricho visual, ou até mesmo apego do diretor a uma determinada visão de cinema.
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Qual a diferença entre Ultra HD e 4K?
O renomado diretor Quentin Tarantino é um grande defensor da captura em película. Seu mais recente longa metragem “Era uma Vez em Hollytwood”, lançado em 2019, manteve a sua visão de utilizar filme fotográfico. O diretor usou películas de 8mm, 16mm e 35mm na obra.
Conheço pessoas que simplesmente abominam o aspecto inerente a uma captura em película, como a famosa granulação, preferem completamente o digital. Mas uma coisa é inegável, foi pelo uso de filmes que hoje conseguimos reassistir clássicos numa qualidade que é quase inacreditável, pelo fato das películas terem um limiar amplo quando pensamos numa escala de resolução.
Uma analogia que cabe aqui pra você entender melhor seria a comparação de uma imagem em vetor e outra em bitmap. A imagem vetorial pode ser ampliada em escalas muito maiores que o arquivo original e seguir com alta definição, o mesmo não se aplica a um bitmap, a cada nova ampliação a definição vai sendo prejudicada. O filme fotográfico seria um vetor, pensando neste sentido da possibilidade de escalar o material em resoluções comuns hoje em dia.
Mesmo uma gravação dos anos 50,como “Ben Hur”, segue absolutamente à frente do que a indústria do entretenimento pode entregar pra você numa versão dita como remasterizada. Embora não seja possível precisar exatamente a que resolução uma determinada bitola poderia alcançar, filmes captados em 70mm, caso do Ben Hur, poderiam, em teoria, ser lançados numa versão 12K e 13K. Sim, é isso mesmo que você leu.
Até mesmo produções captadas em 35mm podem ir além do 4K. A película em 35mm é o equivalente à resolução 6K, mas algumas amostras atestam ser possível ir além. Em 2020, a empresa alemã OMNIMAGO conseguiu restaurar imagens em 35mm do canal japonês NHK para 8K, utilizando o scanner de negativo OXSCan 14K da dft. A resolução preterida depende do scanner de negativo utilizado. O ArriscanXT, por exemplo, permite digitalizar até a resolução 6K.
Se levarmos o assunto para as películas do padrão IMAX o patamar é ainda mais elevado. A película IMAX em 70mm teria como equivalência digital a resolução 18K, aproximadamente 16 milhões de pixels!
A partir dessa possibilidade de escalar o analógico para o digital é que conseguimos ter acesso a versões especiais e comemorativas de alguma determinada produção. Mantendo a essência do original com refinamentos de hoje. No entanto, é evidente que, na prática, não é tão fácil quanto parece.
Ter o negativo de uma super obra em mãos não é a garantia de que o resultado digital será satisfatório. Vamos passar agora para outro aspecto muito importante do processo. A restauração!
Restauração
Restaurar uma obra com base em película é um trabalho árduo e muito caro, é por isso que muitas obras, capturadas em filme, jamais verão a luz do dia numa versão repaginada em 4K ou outra resolução. Não há apelo comercial que faça os detentores dos direitos se engajarem nesta empreitada.
Com a mais recente restauração da trilogia “O Poderoso Chefão” o processo demorou 3 anos. É um trabalho artesanal que leva milhares de horas para recriar e proporcionar uma experiência de imagem e som excelentes.
A nova restauração utilizou como base uma restauração de 2007. O processo envolveu uma árdua pesquisa e procura dos negativos em mais de 300 latas de películas de filmes relacionados a trilogia e mais de 4.000 horas foram dedicadas ao processo de restauração.
Restaurar um filme em película é um trabalho que passa por diversas etapas, desde a restauração dos negativos, em scanners, e a reparação de manchas, rasgos e outras anomalias relacionadas às películas. A restauração une o processo automatizado, com softwares e até mesmo tecnologias patenteadas pelos estúdios e empresas especializadas, com o trabalho humano.
Mesmo com a conservação ideal da película, os negativos vão sofrendo com o passar do tempo. Em 2009, com a edição em comemoração aos 70 anos de aniversário de “O Mágico de Oz”, uma das maiores dificuldades da equipe de restauração da Warner Bros foi a remoção de anomalias, como sujeira, da imagem. O processo de restauração levou cerca de 18 meses para ser concluído.
Pode ocorrer também a desgranulação, em que a equipe encontra um meio-termo sobre a presença da granulação na imagem. Ou seja, não a elimina completamente, mas também não reproduz em excesso. Eventualmente, os efeitos em CGI podem ser refeitos, assim como a remixagem das trilhas de áudio.
Outro aspecto crucial é a correção de cor. Quando bem feito, mantém-se a intenção do diretor com determinado take, e, via softwares atuais, é colocada em prática uma melhoria em contraste, brilho, tonalidade, entre outras coisas.
Nem sempre uma restauração a partir de uma película é bem sucedida. O caso mais emblemático e tosco aconteceu com a famosa série “Buffy, a Caça-Vampiros“, que ganhou uma versão remasterizada há alguns anos.
O resultado reúne tudo o que não pode ser feito e aceito em termos de restauração. Cores ridiculamente alteradas, enquadramentos que matam a narrativa, e um desleixo total em relação à proporção. Uma obra captada em 4:3, padrão antigo da TV, nem sempre vai funcionar quando é esticada para widescreen (16:9).
Em determinada cena de um dos episódios, é possível observar a câmera Panavision e os membros da equipe de filmagem. É simplesmente inaceitável que um produto deste foi lançado oficialmente.
Os estúdios de cinema cooperam com diversas empresas especializadas na digitalização dos filmes fotográficos, como é o caso da Criterion Collection, que, desde os anos 80, já remasterizou diversos filmes para Laser Disc, DVD e Blu Ray.
Outro nome importante desta indústria é a Cinelab, que atuou na remasterização do clipe da música “Last Christmas“, lançado em 1984 pelo Wham. Com a restauração, o clipe ganhou uma versão em 4K.
Abaixo separei mais algumas opções de conteúdos captados em película e que ganharam versões em resoluções atuais, e com resultado impressionante!
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