De um lado uma legítima autoridade da web há pelo menos 2 décadas, um serviço enraizado na sociedade global de uma forma incontestável, com diversos tentáculos que abrangem os mais variados segmentos. Do outro, um novato altamente promissor, com potencial quebrar certos paradigmas, incluindo a própria predominância dessa grande autoridade.
Evidentemente estou me referindo ao Google e ao ChatGPT. Nos últimos meses, a inteligência artificial conversacional da Open AI, lançada em novembro do ano passado, está presente nos noticiários e em conversas nos mais variados ambientes. Há um misto de surpresa com uma pitada de receio. De tabela, o Google foi colocado contra a parede de uma maneira jamais vista.
A princípio, o pensamento que muitos podem ter é o seguinte: – que nada, falta muito para que o ChatGPT realmente possa ser mencionado como uma ameaça ao domínio do Google. O clássico “vai ter que comer muito feijão com arroz ainda”.
Mas vamos aos fatos. Quero trazer três constatações aqui:
Velocidade avassaladora de adeptos
A primeira delas é a velocidade em que o ChatGPT está acumulando adeptos. Em apenas 5 dias após seu lançamento, a plataforma alcançou 1 milhão de usuários. Até então, é o serviço baseado na web a alcançar uma marca tão representativa em tão pouco tempo. Atualmente, estima-se que sua base de usuários esteja na casa dos 100 milhões. Lembre-se, o ChatGPT está apenas se encaminhando para seu terceiro mês de vida.
Bard, e o erro de timing
O segundo ponto é em relação à lambança que o Google fez para tentar dar uma resposta rápida ao ChatGPT, uma prova clara que a plataforma realmente acendeu o sinal de alerta nos Googlers.
Durante uma conferência, John Hennessy, presidente da Alphabet, holding por trás do Google, declarou que a empresa não estava pronta para lançar a inteligência artificial Bard, concorrente ao ChatGPT.
A IA Bard foi revelada ao público na semana passada, e desagradou até mesmo os funcionários do Google, que classificaram internamente o lançamento como apressado e malfeito. Segundo apuração da CNBC, alguns funcionários nem sabiam que o anúncio iria ocorrer.
Pra completar o timing incorreto, considerando o resultado inicial apresentado, a IA errou uma informação. Quando indagada “que novas descobertas do Telescópio Espacial James Webb seria possível contar a uma criança de 9 anos, a IA citou 3 respostas, entre elas, a informação que o telescópio tirou as primeiras fotos de um planeta fora de nosso próprio sistema solar. Astrônomos desmentiram o fato. Na realidade, essas primeiras fotos foram capturadas pelo Very Large Telescope (VLT), do European Southern Observatory, em 2004.
Bard is an experimental conversational AI service, powered by LaMDA. Built using our large language models and drawing on information from the web, it’s a launchpad for curiosity and can help simplify complex topics → https://t.co/fSp531xKy3 pic.twitter.com/JecHXVmt8l
— Google (@Google) February 6, 2023
É claro que o ChatGPT também cometa gafes. O site CNET chegou a utilizar a plataforma para produzir alguns artigos sobre finanças, e análises mostraram que informações contidas no post sobre juros compostos estavam incorretas. Essas inconsistências fazem parte da IA, que seguirá progredindo com o tempo. O ponto aqui é a constatação de uma informação imprecisa num material oficial que divulga a plataforma, vendida como mais eficaz que seu concorrente, e com uma grande pressão para que uma resposta à altura seja dada. Nada poderia ser pior para o Google que esse início.
Não duvido que o Google realmente conseguirá ser um player importante também neste mercado que o ChatGPT tomou o estrelato, mas a percepção, principalmente do mercado, acontece nos detalhes. Um dia após o anúncio do Bard, as ações do Google caíram 7,7%, ruindo US$ 100 bilhões em valor de mercado.
Aliança poderosa
Agora vamos ao terceiro ponto, e esse realmente deve estar soando como um sino gigantesco nos tímpanos dos funcionários do Google. O ChatGPT tem plena capacidade de ameaçar o Google em muitas frentes, além do segmento das buscas. E com um adicional, uma das Big Techs está enraizada na Open AI e está sedenta que a plataforma siga sendo refinada. A Microsoft.
A Microsoft é uma forte investidora da Open AI e já está traçando um panorama para que a tecnologia por trás do ChatGPT seja uma aliada do Bing, do Microsoft Edge, do Azure, e até mesmo do Office. E muito mais deve vir por aí. E o ponto do monte pode ser uma aquisição. Segundo a Semafor, citando pessoas próximas, a Microsoft estaria negociando para abocanhar 49% da Open AI.
Segundo o The Verge, a meta da Microsoft é ousada ao ponto de imaginar a IA sendo utilizada para gerar textos completos no Word com um simples prompt ou até mesmo um gráfico no PowerPoint e no Excel. Inovações que evidentemente darão as caras na versão em nuvem do Office, concorrente direto das aplicações de escritório do Google que também podem ser usadas a partir da internet.
É curioso também observar a percepção pública negativa que o Google adquiriu nos últimos anos. Embora a Microsoft não seja uma novata, e muito menos uma presa oprimida pelo Google, há uma espécie de torcida no ar para que a gigante do Windows realmente consiga incomodar o Google no ramo das pesquisas, com o Bing, e dos navegadores, com o Edge.
Após o anúncio da integração da tecnologia do ChatGPT com o Bing e o Edge, os downloads desses apps cresceram 10x na App Store americana. Mais pessoas estão interessadas nesses apps da Microsoft considerando o plus que eles terão.
Até mesmo neste post aqui no nosso site, justamente sobre esse fato dos downloads do Bing e do Edge na App Store terem aumentado, é possível observar diversos comentários de pessoas manifestando uma certa positividade sobre essa chacoalhada que o ChatGPT está colocando no Google, e essa nova era que o Bing e o Edge terão.
Durante o anúncio da integração com o ChatGPT, Satya Nadella, CEO da Microsoft, considerou que estamos diante de uma nova era para as buscas. E por que não dizer também uma nova era para a publicidade online na Microsoft?
Atualmente, a participação de mercado do Bing em publicidade de pesquisa nos EUA é de apenas 5%, mas a empresa enxerga o ChatGPT como um pá de tirar neve para abrir caminho. Segundo Philippe Ockenden, analista financeiro da Microsoft, para cada aumento de 1% na participação na publicidade online da companhia, a receita de publicidade aumentará em US$ 2 bilhões.
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Até mesmo a Opera Software, responsável pelo navegador Opera, que há tempos tem uma participação irrisória de mercado, aventa o ChatGPT como uma galinha de ovos de ouro. A companhia anunciou recentemente que o ChatGPT será integrado ao browser. A hegemonia do Google também está presente no mercado de navegadores, o Chrome reina de forma absoluta, mas parece que o ChatGPT aquecerá até mesmo um segmento que não apresenta mudanças há tempos. As possibilidades são inúmeras.
Em meio a toda essa movimentação, a parcimônia sobre o futuro da IA, e suas implicações, nunca esteve tão em voga, e é fundamental abrir os olhos para isso. O verniz de autoridade que serviços como o ChatGPT podem seguir ganhando é perigosíssimo.
Como pontua Scott Zoldi, Chief Analytics Officer da FICO, o ChatGPT não está auxiliando ou aprimorando a criatividade humana, está regurgitando uma configuração dos dados nos quais foi treinado. Isso não equivale à inteligência.
“Sem um gerenciamento cuidadoso, essas decisões e interações baseadas em IA podem rapidamente se tornar insensíveis, cheias de erros, imprevisíveis e antiéticas”, frisa Zoldi.
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