A experiência do editor ranzinza com o GNOME 3

A experiência do editor ranzinza com o GNOME 3
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The Grumpy Editor’s GNOME 3 experience

Autor original: Jonathan Corbet

Publicado originalmente no: lwn.net

Tradução: Roberto Bechtlufft

Logotipo do Gnome 3Usar uma distribuição como o Rawhide tem vantagens e desvantagens. Por exemplo, os usuários do Rawhide experimentam programas novos bem antes da maioria dos usuários (excetuando-se os desenvolvedores e a turma encarregada de testar distros). Se isso é vantagem ou desvantagem, fica a cargo do leitor. Embora partes do GNOME 3 tenham começado a aparecer (por vezes sem que eu quisesse) no meu desktop há algum tempo, eu vinha evitando embarcar numa experiência completa com o GNOME 3. Mas nada dura para sempre, especialmente quando se fala em distribuições de desenvolvimento. Conforme os recursos do novo GNOME foram pipocando, eu fui me convencendo de que seria uma boa mergulhar de cabeça nele. Vou compartilhar com vocês minhas impressões sobre os rumos do GNOME.

Os primeiros dias do GNOME 2 foram marcados por uma incansável campanha de caça e eliminação de opções de configuração que pareciam desnecessárias – só que o conceito de “desnecessário” usado foi um pouco amplo demais. Curiosamente, os usuários não gostaram muito disso, e várias das opções cortadas acabaram sendo reincorporadas mais tarde. O GNOME 3 dá sinais de querer repetir essa história, e o resultado final pode ser o mesmo.

Opções de configuração

Isso saltou aos meus olhos quando a fonte usada para vários elementos do desktop (como para o menu de aplicativos e as barras de ferramentas, por exemplo), subitamente mudou e ficou maior. Isso fez com que o meu desktop cuidadosamente organizado virasse uma zona, com barras de rolagem e menus do tipo “mais favoritos” onde antes não havia nenhum. Quem acompanha os lançamentos do GNOME sabe que ele adora esquecer as escolhas de configuração dos usuários… obviamente isso tinha acontecido novamente. E lá vamos nós resolver o problema. Minha suposição parecia válida – cursores piscantes em áreas de texto faziam seu desagradável retorno naquele momento – mas dessa vez a coisa tinha sido diferente.

Uma das mudanças mais evidentes do GNOME 3 é a nova janela de “configurações do sistema”. Agora, essa janela não traz nenhum tipo de utilitário de seleção de fonte. Depois de pesquisar um pouco, encontrei outras pessoas que também queriam saber como mudar as fontes no novo GNOME – e há uma resposta para isso: é só entrar na seção “acesso universal”. De fato, a seção de acesso universal tem um menu para “tamanho do texto” com três opções: “normal”, “grande” e “maior”. Que ilusão a minha achar que teria minhas velhas fontes de dez pontos de volta. E parece que quem quiser mudar suas fontes com mais liberdade vai ter que mergulhar no registro de configurações do GNOME, já que não há planos para se restaurar a escolha de fontes na interface. E por que isso? Eis o que me disseram:

Há dois casos bastante específicos nos quais ter mais um applet de painel de controle não é bom: primeiro, para descobrir as configurações que os usuários *deveriam* querer mudar, e segundo, em termos de suporte, usuários que mudam a fonte, não sabem o que fizeram e precisam chamar o $parente_que_manja_de_linux ou o $suporte_técnico_corportativo. Incluímos esse mecanismo mais acessível porque ele é seguro, permite a mudança das fontes e não exige um applet exclusivamente para isso.

Diálogo de configurações do sistema do GNOME 3

Diálogo de configurações do sistema do GNOME 3

Como fui além do território das “configurações que os usuários *deveriam* querer mudar”, acho que me dei mal. Diante das minhas reclamações, foi sugerido que talvez a opção “menor” fosse adicionada, mas até agora nada.

Esse tipo de filosofia aparece em todo o GNOME 3. Não vai mais ser possível configurar o que acontece quando a tampa do laptop é fechada. A janelinha bacana que permitia restaurar a tecla CTRL à sua posição original também não existe mais. Ao menos o xmodmap ainda funciona. A configuração do protetor de tela parece ter dançado completamente. Agora, todo mundo vai ficar com o protetor que escurece a tela. O papel de parece escolhido pelo usuário só pode vir da pasta de imagens, e obviamente não dá para mudar essa localização (no caso, a pasta estava na home). É evidente que ninguém mais quer acionar cliques do mouse com toques rápidos no touchpad. E por aí vai. É esse o mundo que o GNOME visualiza, mais uma vez. É óbvio isso é encarado como uma melhoria de usabilidade que trará muitos usuários novos à plataforma. Correção:parece que algumas dessas opções ainda existem, confiram a nossa seção de comentários.

Gnome Shell

Foi nesse contexto que, um pouco receoso, eu habilitei o gnome-shell no desktop. Dadas as mudanças na plataforma, as queixas sobre o gnome-shell que ouvi por aí e algumas experiências iniciais, eu pensei que fosse odiar esse negócio. Depois usá-lo por duas semanas para trabalho real do dia a dia, não foi bem isso o que aconteceu. O gnome-shell não é tão ruim, e eu até gostei de algumas coisas nele. Mas também há muitas coisas que poderiam ser melhores, e é bem provável que eu volte ao GNOME anterior, ao menos por enquanto.

Minha experiência inicial com o gnome-shell foi dura. Ele rodou tão devagar que o desktop basicamente congelou. Eu digito bem rápido mas, teimoso, achei que o emulador de terminal conseguiria acompanhar o meu ritmo. Não foi o que aconteceu no gnome-shell. O problema foi causado por uma limitação dos chipsets gráficos da Intel, que não conseguem trabalhar com renderização 3D se a largura ou a altura da tela exceder 2048 pixels. O sistema em questão, operando com dois monitores, se encaixava nessa descrição problemática. Foi só desativar o segundo monitor para que as coisas funcionassem, mas a que custo.

Você até pode dizer que essa falha não tem nada a ver com o gnome-shell, mas ela é consequência da decisão de se exigir o suporte a 3D para a execução do ambiente. É provável que a quantidade de usuários do GNOME 3 enfrentando esse problema aumente conforme as pessoas forem experimentando o novo ambiente. Computadores que funcionam perfeitamente com o GNOME 2 podem não operar direito com o GNOME 3. Esperamos que a detecção desses computadores melhore no futuro. O gnome-shell deveria se recusar a operar nessas circunstâncias. A alternativa – um desktop praticamente congelado – não oferece a experiência de usabilidade incrivelmente aprimorada que os usuários estão esperando.

Mesmo sem esse problema, o desktop não responde tão bem quanto o do GNOME 2. Há um atraso perceptível na hora de rolar o conteúdo de janelas, por exemplo. As janelas do Emacs são corrompidas quando o efeito de composição é usado. O bug já foi relatado há algum tempo, mas pelo visto não há soluções em vista. Tirando isso, o gnome-shell oferece um desktop visualmente agradável, com belas sombras, efeitos de zoom e afins. Você pode estar se perguntando se isso tudo vale a viagem, mas a renderização 3D é algo que deveriafuncionar bem na maioria dos sistemas Linux a esta altura do campeonato. A decisão de fazer uso de renderização 3D acelerada por hardware no gnome-shell faz sentido, desde que as alternativas funcionem bem.

Os painéis do GNOME 2, que podem ser configurados para aparecer em qualquer lugar da tela (meu laptop tem um único painel vertical na margem esquerda) foram substituídos por uma barra negra e quase sem recursos que fica presa ao topo da tela. Com certeza os lançadores são coisa do passado. Em vez deles, temos que clicar no botão de atividades (ou simplesmente lançar o ponteiro do mouse contra o canto superior esquerdo); diante disso, o desktop diminui o zoom e exibe as janelas dos aplicativos (não sobrepostas), um “painel” no lado esquerdo da tela e uma faixa representando os espaços de trabalho no lado direito.

O “painel” parece um lançador de aplicativos, só que um pouco diferente. Ele reúne os aplicativos que estão em execução e os “favoritos” do usuário. Clicar em um ícone pode fazer duas coisas diferentes: 1) lançar o aplicativo se não houver outra instância dele em execução ou 2) abrir a instância que já está em execução. Quem quiser abrir uma segunda janela do navegador, por exemplo, vai ter que clicar no ícone com o botão direito e escolher “nova janela”. Logo, uma operação que antes era realizada com apenas um clique em um ícone no painel agora exige o seguinte procedimento: 1) mover o ponteiro do mouse até o canto superior direito da tela, 2) clicar com o botão direito em um ícone e 3) selecionar uma entrada no menu, um sequência longa e mais lenta de eventos.

Eu não sei se isso vai melhorar muito a usabilidade, mas a justificativapara a mudança é a seguinte:

No caso de muitos aplicativos, como XChat IRC, Telepathy, Evolution, Calculadora ou Xadrez, faz mais sentido rodar apenas uma instância. Portanto, exibir a janela da instância que já está aberta é o que o usuário quer. No entanto, no GNOME 2, o usuário tinha que saber se o aplicativo já estava rodando antes de decidir clicar no lançador para abrir uma nova janela. Abrir a calculadora duas vezes, por exemplo, abre outra janela dela e bagunça o desktop. Também pode acontecer do usuário fazer login duas vezes no IRC. Ao combinar o lançador de aplicativos e o alternador de aplicativos à cópia em execução do aplicativo, damos ao usuário a certeza de que, ao clicar no ícone correspondente, a coisa certa vá acontecer.

Como eu ainda vivo numa feliz ignorância da ameaça das calculadoras desnecessárias que aguardam uma chance de dominar meu desktop, não consegui curtir muito esse novo jeito de se fazer as coisas.

Felizmente, o gnome-shell não eliminou o conceito de espaços de trabalho, apesar de algumas pessoas dizerem que eles são uma das coisas no Linux que mais confundem os usuários. Os espaços de trabalho se tornaram mais dinâmicos, e não existem até que arrastemos janelas para eles. Quem faz uso pesado de espaços de trabalho pode sentir falta do velho esquema, onde eles eram fixos. No meu desktop, o espaço de trabalho 2 é onde eu escrevo para o LWN, o 3 é para programação e o email fica escondido no 1, onde posso ignorá-lo por longos períodos. A edição de fotos costuma acontecer no espaço de trabalho 4. Com o gnome-shell fica mais difícil saber onde está tudo sem a necessidade de procurar. Logo a gente aprende que é bom ser cuidadoso na hora de criar espaços de trabalho.

Para alternar entre os espaços, é preciso mover o ponteiro do mouse para o canto superior esquerdo para afastar o zoom, ir até o lado direito da tela para selecionar o espaço de trabalho em questão e clicar em uma janela (ou apertar esc) para aproximar o zoom. Demorado, hein? O lado bom é que ainda dá para usar atalhos de teclado para se movimentar rapidamente entre os espaços de trabalho, então não é preciso fazer essa dança toda.

Como outros já disseram, o gnome-shell eliminou os botões de minimizar e maximizar das barras de título das janelas. Eu nunca usei muito esses botões mesmo, então não sinto falta deles. Por outro lado, maximizar janelas arrastando-as para o topo da tela é pouco intuitivo, inesperado e indesejável. É fácil de resolver, mas incomoda.

Resumindo…

Há muitas outras esquisitices em prática em nome da usabilidade. Por exemplo, não há opção visível para desligar o computador. O usuário tem que clicar no próprio nome no canto superior direito da tela e segurar a tecla Alt enquanto o menu estiver visível. Clicar no nome até pode ser mais intuitivo do que ter que entrar no menu “Iniciar” para desligar o computador, mas é meio estranho mesmo assim, e até um pouco narcisista. Ocultar um item de menu útil (todos nós desligamos os nossos computadores de vez em quando) por trás da tecla Alt, por outro lado, parece propositalmente confuso.

Reclamações à parte, não achei o gnome-shell um ambiente desagradável para se trabalhar. Ele tem um visual legal, e as funcionalidades ausentes não parecem muito distantes da inclusão. Dizem que ele foi criado de forma a facilitar aprimoramentos por meio de extensões em JavaScript. No momento são poucas as extensões, mas dá para imaginar os desenvolvedores usando essa possibilidade no futuro para melhorar consideravelmente a experiência com o gnome-shell.

Por enquanto eu vou ficar com o meu GNOME antigo, porque preciso do segundo monitor e do Emacs. Mas se o gnome-shell fosse a única alternativa disponível, até que não seria tão ruim. Lá pela versão 3.4, quando as opções de configuração importantes voltarem, o GNOME 3 tem boas chances de ser um desktop agradável, flexível e poderoso. Mas a estrada até lá está repleta de obstáculos…

Por fim, eu gostaria de agradecer aos inúmeros desenvolvedores do GNOME que responderam às minhas perguntas. Nós discordamos em alguns pontos, mas eles sempre se mostraram muito bem dispostos em responder às minhas perguntas e em me ajudar a resolver problemas.

Créditos a Jonathan Corbet lwn.net

Tradução por Roberto Bechtlufft <info at bechtranslations.com.br>

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