Antes da Netflix, do Zoom e dos relógios inteligentes, um comercial de TV lançado nos EUA já mostrava tudo isso em ação. Era 1993 quando a AT&T, uma gigante da telecomunicação americana, surpreendeu o público com a campanha
(Você vai) — uma série de vídeos futuristas que, com tom cinematográfico e uma pergunta provocadora, desenhavam como seria o nosso dia a dia com a tecnologia.
À primeira vista, parece que a empresa estava adivinhando o futuro. Mas não era bem isso. O que torna a campanha realmente marcante é que ela não “previu” essas tecnologias — ela as antecipou. Muitas das inovações mostradas já estavam sendo desenvolvidas silenciosamente nos laboratórios da própria empresa, o lendário Bell Labs, responsável por invenções como o transistor, o sistema Unix e as primeiras redes de fibra óptica.
Em 1993, o Bell Labs já testava Picturephone Meeting Service (videoconferências corporativas), trabalhava com sistemas de reconhecimento de voz e IA (como o Flight Information System de 1989) e desenvolvia codecs de compressão de vídeo e infraestrutura de fibra óptica. O Plan 9 explorava sistemas distribuídos, enquanto o UTF‑8 se tornava padrão internacional de codificação.
A campanha, portanto, não foi um exercício de ficção. Foi uma jogada ousada de tornar visível o que estava sendo gestado nos bastidores da engenharia.
Mudar o curso da imagem pública
No início dos anos 90, a AT&T enfrentava um problema grave: o público não a via como uma empresa inovadora. Pesquisas mostravam que marcas como Sony e Panasonic estavam dominando o imaginário tecnológico, especialmente entre os mais jovens.
Foi aí que a AT&T decidiu agir: se não era percebida como inovadora, por que não mostrar ao mundo o que já estava construindo?
A ideia virou uma campanha publicitária grandiosa. A agência N.W. Ayer & Partners reuniu um time criativo de peso, com roteiro de Gordon Hasse, direção de arte de Nick Scordato e produção de Gaston Braun. E para a direção dos vídeos, trouxeram um nome que ainda daria muito o que falar: David Fincher, recém-saído de Alien 3 e prestes a se tornar um dos grandes nomes de Hollywood.
“Você já…?” — a pergunta que projetava o amanhã
Cada comercial seguia uma estrutura simples, quase hipnótica. A narração — feita pelo ator Tom Selleck, famoso na época pela série Magnum — começava com uma pergunta:
“Você já fez uma chamada pelo seu relógio?”
“Já participou de uma aula sem sair de casa?”
“Já usou seu computador para ver um filme sob demanda?”
E então vinha a promessa:
“Você vai. E com a AT&T.”
As cenas que acompanhavam essas perguntas mostravam pessoas comuns usando tecnologias que, hoje, fazem parte da rotina:
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Videoconferências com qualidade surpreendente para a época
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Smartwatches respondendo chamadas com um toque
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Streaming de filmes, antes mesmo da palavra “streaming” existir
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Aulas online, com alunos conectados de diferentes países
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Telemedicina, com diagnósticos feitos à distância
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Pagamentos automáticos em pedágios (como o Sem Parar)
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Tradução simultânea com ajuda de inteligência artificial
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Compras de ingressos por computador
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Kiosques para renovação de documentos, sem filas
Tudo isso com uma estética retrofuturista, que lembra Blade Runner e O Vingador do Futuro, mas com um toque quase familiar. Era o futuro… só que apresentado com naturalidade.
A precisão era assustadora. Mas a execução não foi da AT&T
É impossível assistir hoje aos comerciais da campanha You Will sem ficar impressionado com o nível de acerto. Praticamente todas as tecnologias mostradas se tornaram reais — algumas com ainda mais sofisticação do que o previsto.
Mas há uma ironia: a maioria delas não foi popularizada pela própria AT&T.
Empresas como Apple, Google, Amazon e Netflix — muitas nem sequer fundadas na época — acabaram levando ao mercado o que a AT&T apenas antecipou. A gigante americana acertou no conteúdo, mas não foi quem colheu os frutos.
A Vox, inclusive, apontou esse contraste: a AT&T tinha a visão, mas faltava-lhe o ecossistema de inovação que o Vale do Silício começava a construir.
Um marco na história da publicidade e da tecnologia
A campanha foi tão marcante que se tornou estudo de caso em escolas de publicidade, design e futurologia. Em 1994, um dos banners digitais da AT&T — também parte dessa linha — entrou para a história como o primeiro banner da internet, com a frase:
“Já clicou aqui com o mouse? Você vai.”
Em 2018, nos 25 anos da campanha, a AT&T lançou uma nova versão, tentando antecipar temas como cidades inteligentes, 5G e inteligência artificial.
A recepção foi tímida, mas serviu como lembrança de um momento raro em que a publicidade não só vendeu um produto, mas ajudou a traduzir o futuro.
## A memória viva de uma campanha visionária
A campanha *You Will* nunca saiu totalmente de cena. Em 2018, no aniversário de 25 anos da sua estreia, a AT&T lançou uma nova versão com foco em tecnologias emergentes como 5G, cidades inteligentes e inteligência artificial.
Mas mesmo depois disso, o legado seguiu reverberando.
Em 2022, a própria AT&T voltou a destacar a campanha nas redes sociais. Em uma publicação nostálgica no X, a empresa relembrou um dos anúncios mais icônicos — aquele que imaginava um telefone instalado no seu pulso.
It’s giving Back to the Future. Our ads from 1993 pretty much predicted a lot of today’s top technology, including wearables. pic.twitter.com/DxiAU4cS9E
— AT&T (@ATT) July 26, 2022
A postagem, com tom bem-humorado e visual vintage, reforçou que, 30 anos depois, a campanha ainda ecoa como um raro exemplo de publicidade que não apenas *vendeu*, mas *avisou*.