Um vídeo sobre exploração infantil publicado pelo influenciador Felca causou um impacto sem precedentes nas denúncias de crimes contra crianças e adolescentes no Brasil. Em apenas seis dias, o conteúdo que expõe um esquema de exploração online acumulou impressionantes 35 milhões de visualizações e desencadeou uma avalanche de novas denúncias contra esse tipo de crime, revelando a dimensão assustadora do problema no ambiente digital.
Os números impressionam: o Disque 100, canal oficial do governo federal para denúncias de violações de direitos humanos, registrou mais de mil ocorrências desde o dia 6 de agosto, data da publicação do vídeo. Já a SaferNet, organização não governamental dedicada à segurança digital, reportou um aumento ainda mais expressivo, com crescimento de 114% nas denúncias durante o mesmo período.
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O efeito do vídeo de Felca acontece em um cenário já preocupante. No início deste ano, a própria SaferNet havia alertado sobre um aumento de 80% na quantidade de canais ativos no Telegram contendo imagens de abuso e exploração sexual infantil. Esses grupos reúnem aproximadamente 1,4 milhão de usuários, segundo a organização. Até o momento, o Telegram não se pronunciou oficialmente sobre essas acusações, mantendo o silêncio que tem caracterizado a plataforma em questões polêmicas.
Para especialistas em proteção infantil, o crescimento nas denúncias pode indicar tanto um aumento real nos casos quanto uma maior conscientização da população sobre a importância de reportar esse tipo de crime. A juíza Vanessa Cavalieri, da Vara da Infância e Juventude do Rio de Janeiro, trouxe um alerta importante ao explicar ao Jornal Nacional que muitas dessas redes de pedofilia são alimentadas por imagens aparentemente inocentes de crianças, publicadas pelos próprios pais nas redes sociais.
Mobilização nacional contra crimes digitais
O impacto do vídeo viral também chegou ao Congresso Nacional, onde parlamentares se mobilizam para a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) destinada a investigar a atuação de influenciadores e plataformas digitais envolvidos na exploração de crianças e adolescentes. Até o momento, 70 senadores já assinaram o requerimento para a instauração da comissão, sinalizando um raro consenso político em torno do tema.
Entre os nomes que devem ser convocados para prestar depoimento está Hytalo Santos, um dos influenciadores apontados por Felca em seu vídeo. Em paralelo, o governo federal prepara o envio de um projeto de lei nas próximas semanas que prevê punições mais severas para empresas de tecnologia que permitam a divulgação de conteúdos criminosos em suas plataformas.
A juíza Cavalieri fez um alerta que merece atenção especial de pais e responsáveis: “Quando extraímos o conteúdo de computadores e celulares em grupos de pedofilia, 90% do material encontrado não são imagens explícitas, mas fotos e vídeos absolutamente normais da rotina de uma criança, que qualquer mãe ou pai posta nas redes”. Segundo ela, é fundamental entender que “a internet é a rua, um lugar público perigoso”.
O fenômeno observado no Brasil se insere em um contexto internacional de combate a crimes digitais contra crianças. No ano passado, o país alcançou a quinta posição entre os que mais contribuíram para a detecção global de páginas contendo material de abuso sexual infantil, segundo relatório da associação internacional InHope. Nesse ranking, o Brasil fica atrás apenas de Bulgária, Reino Unido, Holanda e Alemanha.
A SaferNet ressalta, contudo, que a hospedagem desse tipo de conteúdo representa apenas uma parte do problema, que envolve também a criação, distribuição e consumo de material de abuso sexual infantil. “O abuso e a exploração sexual de crianças são problemas generalizados em todo o mundo e nenhum país está imune”, alerta a organização, lembrando que a ausência de informações sobre hospedagem em determinada região não significa que o abuso não esteja ocorrendo.
Para quem deseja denunciar casos de exploração e abuso infantil, os canais oficiais incluem o Disque 100 e o site da SaferNet, que recebe denúncias de forma anônima e segura. A mobilização coletiva demonstrada após o vídeo de Felca evidencia que, apesar da gravidade do problema, a sociedade brasileira está cada vez mais atenta e disposta a combater crimes contra crianças e adolescentes no ambiente digital.