Certas personalidades podem passar a vida inteira alheia de uma grande popularidade do grande público, mas suas contribuições são fundamentais para o dia a dia de toda a humanidade. Esse é o caso de John Bannister Goodenough. Provavelmente você nem saiba de quem se trata, mas esse vencedor do Prêmio Nobel está diretamente ligado a uma tecnologia que é fundamental para uma vastíssima gama de dispositivos que utilizamos diariamente: as bateriais de íons de lítio, que equipam de smartphones a carros elétricos.
Goodenough faleceu no último domingo (25), um mês antes do seu aniversário de 101 anos. Com uma vida marcada pela resiliência e altivez, o cientista alemão cresceu no nordeste dos Estados Unidos, teve uma infância conturbada, relacionamento atribulado com os pais, e até mesmo uma certa dificuldade no aprendizado, devido ao quadro de dislexia, mas a persistência o transformou numa peça singular, e, ao mesmo tempo, silenciosa para o grande público, no avanço de uma tecnologia fundamental que foi determinante para a consolidação do mercado mobile que temos hoje.
Em meados dos anos 70, Goodenough já era doutor em física pela Universidade de Chicago, e nesta época,l o químico britânico-americano Stan Whittingham descobriu a capacidade do lítio em ser um grande doador de elétrons, tornando este material um candidato fortíssimo para ânodo de bateria. Mas nos moldes como foi desenhado por Whittingham, com o sulfeto de titânio como cátodo, a bateria explodia quando sobrecarregada.
A contribuição de Goodenough revitalizou o projeto, já que ele promoveu uma mudança. Na década de 80, quando já estava na Universidade de Oxford, na posição de chefe do Laboratório de Química Inorgânica da Universidade, ele promoveu a seguinte alteração: o cátodo seria de óxido de cobalto. A troca garantiu mais estabilidade e maior capacidade, comparado com outras tecnologias. Nesta mesma década, o japonês Akira Yoshino substituiu do ânodo de lítio metálico pelo coque de petróleo, material feito de carbono e que poderia ser intercalado com íons de lítio.
Num esquema parecido com a passagem de elétrons, esse curso do desenvolvimento, com as contribuições de Whittingham, Goodenough e Yoshino estabeleceram a segurança necessária para o uso de baterias de íons de lítio, que começou a ganhar espaço no mercado em 1991. Naquele ano, a gigante japonesa Sony colocou no mercado a câmera Sony CCD-TR1, que utilizava a bateria Sony BP-819, simplesmente a primeira bateria de íons-de-lítio recarregável produzida em escala.
O reconhecimento público desses grandes personagens ficou abaixo do que mereciam, mas pelo menos entre seus pares acadêmicos o trabalho foi chancelado. Em 2019, o trio recebeu o Prêmio Nobel de Química. Naquele momento, Goodenough tinha 97 anos, a pessoa mais velha a receber esse prêmio. Além do nobel, o físico recebeu outras condecorações ao longo da vida, Medalha Nacional de Ciência, o Prêmio Japão, o Prêmio Charles Stark Draper, Medalha Benjamin Franklin, Prêmio Enrico Fermi, Prêmio Robert A. Welch, Medalha Copley, entre outros
O professor Ramasamy Murugan, da Universidade Pondicherry definiu as qualidades que, em sua visão, representavam Goodenough: gentileza, integridade, senso de humor e, acima de tudo, uma risada única.
“O legado de John como um cientista brilhante é imensurável – suas descobertas melhoraram a vida de bilhões de pessoas em todo o mundo”, disse o presidente da UT Austin, Jay Hartzell. “Ele foi um líder na vanguarda da pesquisa científica ao longo das muitas décadas de sua carreira e nunca deixou de buscar soluções inovadoras de armazenamento de energia. O trabalho e o compromisso de John com nossa missão são o reflexo final de nossa aspiração como Longhorns – que o que começa aqui muda o mundo – e ele fará muita falta entre nossa comunidade UT”, pontua um trecho do comunicado da Universidade do Texas.
Goodenough não teve filhos, foi casado por 70 anos com Irene Wiseman, que faleceu em 2016, e nos últimos anos seguia trabalhando normalmente, em seu espaço num pequeno escritório da Universidade do Texas, em Austin.
Em 2017, 37 anos após sua contribuição inicial com o desenvolvimento das baterias de íons de lítio, Goodenough sugeriu uma alteração. A equipe do Instiuto de Ciência dos Materiais e Engenharia da Universidade dos Texas, liderada por Goodenough e pela professora portuguesa Maria Helena Braga, apostaram na troca do meio líquido (eletrólito) na composição da bateria por um eletrolíto sólido de vidro. Além da eliminação de detritos, essa nova concepção garante três vezes mais densidade energética.
Segundo o comunicado da Universidade do Texas, Goodenough frequentemente doava seus prêmios monetários para apoiar estudantes de pós-graduação em engenharia e pesquisadores.
A devoção às pesquisas e ao desenvolvimento de tantos outros que poderiam ser iguais a ele nortearam a trajetória de John B. Goodenough!
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