A senadora Elizabeth Warren (Democrata de Massachusetts) voltou os holofotes para Jeff Bezos, fundador da Amazon, em uma carta direta e carregada de implicações políticas. Ela quer saber se Bezos recebeu alguma promessa, privilégio ou vantagem do então presidente Donald Trump após recuar de um plano que visava expor aos consumidores os custos das tarifas sobre produtos importados.
A preocupação de Warren não é trivial. Para ela, esse recuo abre espaço para suspeitas de favorecimento e conivência com políticas econômicas opacas. A senadora pede respostas sobre o conteúdo da conversa entre os dois bilionários, sobre quando exatamente a Amazon decidiu abandonar a ideia e se houve, de forma velada ou explícita, alguma ameaça ou recompensa oferecida por Trump para que a empresa desistisse da transparência tarifária.
Uma ligação, uma decisão e um elogio
O pivô do novo embate foi uma reportagem do Punchbowl News, que revelou que a Amazon cogitava mostrar aos consumidores o valor das tarifas de importação ao lado do preço total de produtos vendidos em sua loja Haul — um canal que comercializa itens diretamente da China.
Trump, segundo relatos, não gostou nada da ideia. A reação foi rápida. O então presidente telefonou para Bezos, irritado com o possível impacto político da medida. Pouco tempo depois, a Amazon divulgou um comunicado afirmando que não seguiria com a proposta e que tudo não passou de uma consideração interna.
O episódio terminou com Trump elogiando o bilionário. “Ele foi ótimo. Resolveu o problema rapidamente e fez a coisa certa”, afirmou o presidente, segundo o New York Times. Para Warren, esse desenrolar sugere mais do que uma coincidência: soa como mais um caso de aproximação entre um gigante da tecnologia e um governo sedento por controle narrativo.
Transparência engavetada, suspeitas acesas
Na avaliação de Warren, se a Amazon tivesse seguido adiante com o plano, os consumidores teriam acesso a informações cruciais sobre os impactos das tarifas nos preços dos produtos. Isso permitiria que cada cliente visse, com seus próprios olhos, parte do custo das políticas econômicas de Trump — muitas vezes caóticas e pouco previsíveis.
A senadora cobra detalhes: quando a empresa tomou a decisão de desistir da ideia? O que motivou a mudança de direção? Trump chegou a ameaçar a empresa com sanções ou punições regulatórias? Ou ofereceu incentivos em troca da desistência?
Quem também recebeu uma carta similar, foi Tim Cook, CEO da Apple, após a Casa Branca anunciar isenções tarifárias para smartphones e eletrônicos importados. A carta de Warren, obtida pela Bloomberg , aponta que a Apple “parece ter investido pesadamente em influenciar o governo Trump” por meio de ações como a doação de US$ 1 milhão para a posse de Trump e sua presença na posse, que contou com outros nomes de peso das Big Techs.
Uma relação que já foi tudo, menos amigável
A tensão entre Trump e Bezos é antiga. Lá em 2015, quando Trump ainda era pré-candidato, já chamava Bezos de manipulador e acusava o Washington Post — de propriedade do empresário — de ser usado como instrumento fiscal e político contra ele.
The @washingtonpost loses money (a deduction) and gives owner @JeffBezos power to screw public on low taxation of @Amazon! Big tax shelter
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) December 7, 2015
Bezos respondeu com ironia, sugerindo uma carona a Trump em um foguete da Blue Origin: “#SendDonaldToSpace”, escreveu na época.
Finally trashed by @realDonaldTrump. Will still reserve him a seat on the Blue Origin rocket. #sendDonaldtospace https://t.co/9OypFoxZk3
— Jeff Bezos (@JeffBezos) December 7, 2015
Desde então, os embates se multiplicaram. Trump pressionou publicamente o serviço postal dos EUA a aumentar os custos de entrega para a Amazon. Atacou a empresa em entrevistas e redes sociais, sugerindo que ela “sugava dinheiro do contribuinte”. Houve também a disputa bilionária pelo contrato JEDI do Pentágono, vencido pela Microsoft após o governo supostamente barrar a Amazon por motivos políticos — o que levou a uma ação judicial que acusava Trump de vingança pessoal.
De inimigos a aliados?
Mas o tom mudou. Após o fim do primeiro mandato de Trump, os ataques cessaram. Bezos, por sua vez, também passou por transformações — deixou o cargo de CEO da Amazon em 2021 e passou a cultivar uma postura menos combativa.
Durante as eleições de 2024, os sinais de reaproximação se intensificaram. Bezos elogiou Trump publicamente após o atentado em Butler, descrevendo-o como alguém que demonstrou “graça sob fogo literal”. Segundo o Axios, os dois conversaram por telefone pouco depois do ocorrido — um gesto simbólico que marcaria o início de uma nova fase.
Bezos mudou o tom do Washington Post
A guinada foi além da retórica. Em um gesto editorial raro, Bezos interferiu na decisão do Washington Post de não endossar Kamala Harris na eleição presidencial. Em um artigo, justificou que não queria associar o jornal a percepções de viés político. O recuo na tradição custou caro: milhares de assinantes cancelaram suas contas.
Mais tarde, Bezos publicou uma nova diretriz para a linha editorial do jornal, afirmando que os textos de opinião iriam defender “liberdades individuais e mercados livres”. Ele não deixou dúvidas: ideias que desafiem esses pilares seriam publicadas, mas por outros.
Colhendo frutos
A nova fase da relação rendeu frutos. Logo nos primeiros 100 dias do novo mandato de Trump, a Blue Origin, empresa aeroespacial de Bezos, venceu um contrato com a NASA no valor de US$ 2,3 bilhões. Para muitos, o símbolo definitivo da relação amistosa e estratégica que estão cultivando.