O Projeto de Lei 2630/20, popularmente conhecido como PL das Fake News, gerou um verdadeiro embate entre o governo brasileiro e as Big Techs. Estou falando especialmente do Google e Meta, ambos conglomerados gigantescos de mídia.
Para você ter ideia, no final de abril o Google emitiu um comunicado em sua página principal do buscador onde dizia que o PL das Fake News pode “limitar a liberdade de expressão”. Isso “despertou a ira” do STF e de demais agências governamentais, que rapidamente reagiram e pediram que o Google tirasse a página do ar.
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Mas, ao que parece, Google e Meta não desistiram e conseguiram barrar (pelo menos temporariamente) o PL das Fake News. Mas o preço foi alto. Literalmente. Segundo reportagem do Estadão, o lobby das Big techs envolveu um gasto de mais de R$ 2 milhões, união com a bancada evangélica, diretores de ambas as empresas em peregrinação pelo Congresso, dentre outras ações.
Abaixo você confere um breve resumo de como o Google e Facebook conseguiram diminuir a força do projeto de lei dentro do Congresso.
Poderoso lobby das Big Techs mudaram posição de 33 deputados
Meta e Google lançaram uma forte campanha de lobby para barrar o Projeto de Lei 2630 (PL das Fake News) no Congresso brasileiro. Durante duas semanas, entre os dias 19 de abril e 2 de maio, as empresas pressionaram os deputados com ameaças de remoção de conteúdo e difamação online. Isso resultou na mudança de postura de 33 deputados.
Um site americano monitorou as posições de cada deputado, incentivando o público a enviar mensagens para os indecisos ou favoráveis ao PL. O papel do Google, que investiu cerca de R$ 2 milhões na campanha contra o projeto, está sob investigação da Polícia Federal.
Não sei se você lembra, mas a empresa até adicionou um link em sua página de pesquisa questionando a eficácia do PL. Paulo Pimenta, ministro da Secretaria de Comunicação, expressou preocupação com essa influência das big techs na política: “Hoje é esse projeto, amanhã pode ser qualquer outro”.
A urgência do projeto de lei foi aprovada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), em 25 de abril, com respaldo do governo do presidente Lula para acelerar o processo. No entanto, Arthur retirou a proposta da pauta no dia 2 de maio, alegando falta de votos suficientes para sua aprovação. Desse modo, o assunto inicialmente classificado como de extrema urgência acabou sendo deixado de lado. Mas como a situação chegou nesse ponto?
Diretores do Google e Meta foram pessoalmente ao Congresso várias vezes
Tudo começou no dia 19 de abril, quando as Big Techs começaram a chamar o PL 2630/20 de “PL da Censura”. Google e Meta lançaram campanhas online e offline para dissuadir deputados a apoiar o projeto. Nas redes sociais, foram iniciadas campanhas contra o PL, incentivando usuários a pressionar parlamentares favoráveis ou indecisos.
José Nelto (PP-GO) foi um dos deputados afetados por esta pressão. Ele reconheceu que alterou sua posição após o intenso lobby digital das big techs. “Eu era a favor de discutir o PL, mas mudei minha posição após a enxurrada de pressões que recebi“, contou ao Estadão. Postagens nas redes dos parlamentares clamavam por mudanças de votos, comemorando e agradecendo assim que um “não” era anunciado.
Lafayette Andrada (Republicanos-MG), presidente da Frente Parlamentar Mista da Economia e Cidadania Digital, afirmou que representantes das big techs pressionaram intensivamente o Congresso. “Eu recebi representantes de todas as plataformas, Google, Shopee, Youtube…. Era uma fila. Todo mundo ficou apavorado”, afirmou o político.
Diretores da Google e Meta visitaram a Câmara várias vezes durante a ofensiva. Marcelo Lacerda, do Google, esteve cinco vezes na Casa durante o período. Ele visitou comissões da Câmara, gabinetes de deputados e a liderança do União Brasil. Kaliana Puppi Kalache e Murillo Delgado Laranjeira, diretores da Meta, também fizeram pelo menos oito visitas no auge das discussões sobre o PL 2630.
Além disso, as plataformas focaram em membros da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), composta em sua maioria por deputados de direita e oposicionistas ao governo Lula. Joaquim Passarinho (PL-PA), vice-presidente do grupo, aconselhou as empresas a se anteciparem na criação de novas regras para evitar a reintrodução do projeto na pauta.
Bancada evangélica foi fundamental para impedir votação
Lobistas do Google e Meta advertiram parlamentares conservadores e evangélicos que poderiam deletar seus conteúdos se o PL das Fake News fosse aprovado. A lei imputaria às plataformas a necessidade de moderar conteúdos classificados como falsos, portanto, eles poderiam apagar os conteúdos de interesse dos conservadores e evangélicos.
Isso resultou em temores de censura, especialmente entre a bancada evangélica, que começou a propagar mensagens sobre a potencial censura a versículos bíblicos. A estratégia contra o projeto combinou ações online e offline, envolvendo atores-chave, como o presidente da bancada evangélica no Congresso, Eli Borges (PL-TO), e o popular pastor Silas Malafaia, que fortaleceu o discurso de censura e suposta falta de liberdade religiosa.
De fato, a “bancada da Bíblia” foi fundamental para vetar o PL das Fake News. Monitoramento realizado pela Casa Galileia destacou uma forte mobilização da bancada evangélica entre 19 de abril e 2 de maio nas redes sociais. Deputados como Marcel van Hattem (Novo-RS), Kim Kataguiri (União-SP) e Deltan Dallagnol (Pode-PR), entre outros, lideraram o debate.
Flávio Conrado, um dos autores da pesquisa feita pela Casa Galileia, falou o seguinte: “Teve um casamento de lobby fortíssimo. O campo evangélico percebeu que poderia aproveitar essa onda para se colocar no jogo, colocar as condições que gostaria de ter no jogo político na Câmara e as Big Techs entenderam que a linguagem religiosa poderia ser mobilizada nesse guarda-chuva da censura”.
PL das Fake News foi removido da votação e não tem previsão de retorno
Durante um evento em João Pessoa no dia 28 de abril, o presidente da Câmara, Arthur Lira, estava bastante preocupado com a votação do PL das Fake News. Apesar da urgência ter sido aprovada 3 dias antes, ele temia que a votação não fosse acontecer.
Identificando o Google como principal adversário do projeto, ligou para alguns colegas deputados e tentou convencê-los a votar a favor, mas sem sucesso. De um deles ele ouviu: “Você pode pedir para eu voltar qualquer coisa, menos essa.”.
A rejeição do PL das Fake News sinalizou uma mudança significativa nas relações do governo com o Congresso e entre Arthur Lira e seus colegas deputados. Ficou claro que nem a influência política de Lira, nem as emendas parlamentares foram suficientes para persuadir os deputados em questões ideológicas. Em 2 de maio, o projeto foi removido da pauta, sem previsão de retorno, e o governo não retomou a discussão.
Fonte: Estadão
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