A Prefeitura de São Paulo criou um benefício polêmico que tem chamado atenção: procuradores municipais agora podem solicitar até R$ 22 mil a cada três anos para comprar produtos eletrônicos de uso pessoal. O subsídio, apelidado informalmente de auxílio-iPhone, é custeado por honorários advocatícios pagos por pessoas ou empresas que perderam ações judiciais contra a cidade.
O que é o tal do “auxílio-iPhone”?
Apesar do nome que remete ao smartphone da Apple, o valor liberado não é exclusivo para iPhones. O benefício cobre uma lista com mais de 40 eletrônicos — incluindo tablets, notebooks, monitores, teclados mecânicos, mouses gamers, Kindles e até adaptadores. Modelos de iPhone de R$ 10 mil e MacBooks de R$ 16,5 mil são alguns dos campeões de reembolso, segundo informações obtidas pelo portal UOL.
O processo é simples: o procurador realiza a compra, apresenta a nota fiscal e solicita o reembolso junto à Procuradoria-Geral do Município (PGM). Não há exigência de justificativa técnica. O único critério é permanecer no cargo por pelo menos dois anos após o ressarcimento.
Quem paga a conta?
A verba usada para esse tipo de despesa não vem diretamente do orçamento público tradicional, segundo a PGM. O recurso é formado por honorários recebidos em ações judiciais vencidas pela prefeitura e por parte do valor arrecadado em dívidas pagas por contribuintes. A justificativa é que esses recursos pertencem à categoria dos procuradores e, por isso, podem ser destinados à compra de equipamentos pessoais usados no exercício das funções.
Esse entendimento tem como base uma mudança feita no Código Civil em 2015, que passou a permitir o pagamento de honorários a advogados públicos. No entanto, há controvérsia jurídica. Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a soma entre salário e honorários não pode ultrapassar o teto do funcionalismo, hoje fixado em R$ 46.366,19.
Quanto isso custa?
Atualmente, São Paulo tem 397 procuradores municipais na ativa. Se todos solicitarem o reembolso, o impacto financeiro pode ultrapassar R$ 8 milhões em um único ciclo de três anos.
Entre os reembolsos já realizados, destaca-se o do secretário da Fazenda, Luis Arellano, que também atua como procurador de carreira. Ele gastou R$ 22,3 mil com um iPhone 15, um MacBook Air e um adaptador. Em outros casos, foram reembolsadas compras de monitores gamer, celulares de alto valor e kits completos de periféricos, somando cifras semelhantes.
Críticas e reação política
A iniciativa foi alvo de críticas de parlamentares e gerou questionamentos sobre o uso privado de uma verba que, embora juridicamente classificada como honorária, ainda tem origem em receitas geradas a partir da atuação do poder público.
A deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP) acionou o Ministério Público pedindo a revogação do benefício, classificando a prática como um desvio do propósito público desses recursos. Ela também relacionou o caso ao atual prefeito Ricardo Nunes (MDB), com quem disputou as eleições municipais de 2024.
É um absurdo o que estão fazendo com o seu dinheiro.
A PGM de São Paulo achou razoável criar um “auxílio-iPhone” de R$ 22 mil para seus membros – a elite do funcionalismo, que já recebe, em média, R$ 46 mil por mês.
O nome disso é apropriação privada de recursos públicos. pic.twitter.com/vuTDfJ94lB
— Tabata Amaral (@tabataamaralsp) May 14, 2025
Em nota, a PGM argumenta que, embora a prefeitura forneça computadores para uso nas dependências institucionais, os demais equipamentos usados pelos procuradores no trabalho remoto ou externo não são contemplados. Assim, a compra de aparelhos de uso pessoal seria necessária para manter a produtividade dos advogados públicos.
Mesmo com a explicação, o embate permanece. A discussão envolve não apenas os valores envolvidos, mas também o princípio da razoabilidade e da moralidade no uso de verbas com alguma vinculação à esfera pública. Para muitos críticos, o benefício representa mais um episódio da série de penduricalhos que fazem com que salários ultrapassem o teto legal.