Celulares chineses

Pesquisando em qualquer loja online, você vai rapidamente encontrar centenas de imitações do iPhone ou de aparelhos da Nokia, da HTC e de outros fabricantes, produzidos por empresas chinesas e vendidas sob diversas marcas. Veja, por exemplo, estes dois modelos anunciados na DealExtreme:

À primeira vista, parecem um Nokia N95 e um iPhone, mas são na verdade um “NokLa N95” e um SciPhone; dois clones made in China. Apesar da interface tentar imitar o sistema original, eles oferecem apenas algumas funções básicas (agenda, editor de texto, reprodução de arquivos MP3, AAC e vídeos 3GP, etc.) combinadas com uma câmera que tira fotos borradas e um navegador WAP, sem permitir a instalação de aplicativos e sem suporte a 3G ou qualquer outra função mais avançada.

Naturalmente, eles não rodam o S60 nem o iPhone OS, mas sim um sistema bem mais simples (mais a seguir). Eles são feitos com o objetivo de enganar o público que não sabe bem o que é um smartphone e não conhece as funções dos produtos originais e, infelizmente, têm obtido sucesso na empreitada, a ponto de alguns chegarem a recomendá-los em fóruns e comunidades.

Tendo o aparelho em mãos, não é muito difícil perceber que se trata de uma cópia (mais leve, acabamento ruim, tela touchscreen mesmo em em aparelhos que imitam o S60 3ed., botões de atalho impressos na parte inferior da tela, e assim por diante). O grande problema é que eles são muitas vezes vendidos em sites de leilão, como se fossem aparelhos originais. O vendedor pode jurar que se trata de um Nokia N95, mas ao comprar você recebe, na verdade, a imitação.

O mais interessante é que, mesmo entre os clones, existem aparelhos de melhor e de pior qualidade, pois é comum que um fabricante copie o firmware de um modelo lançado pelo outro e passe a produzir uma cópia similar (ou seja, um clone do clone), definitivamente uma situação esquisita. A maior parte destes aparelhos não passam pelos testes de emissão eletromagnética e muitos não possuem sequer um IMEI válido, ou seja, são simplesmente aparelhos ilegais, considerados um problema até mesmo na própria China.

Além das cópias, existem também diversos modelos originais, geralmente produzidos pelos mesmos fabricantes, que oferecem funções similares. Estes são menos ruins, já que pelo menos você sabe o que está comprando. É o caso dos “Foston”, que são bastante comuns aqui no Brasil:

Apesar do preço ser convidativo, eles são, na verdade, apenas celulares burros, que não suportam sequer a instalação de aplicativos em Java. Você pode ouvir música, assistir alguns formatos de vídeo, assistir TV, usando o receptor analógico presente em alguns dos modelos, abrir arquivos TXT e fazer ligações de voz, mas nada muito além disso. Gostando ou não dos aplicativos pré-instalados, você fica restrito a eles. A única possibilidade de alterações no sistema reside em encontrar um firmware modificado, mas nesse caso as chances de sucesso são baixas, devido à grande quantidade de modelos e variações.

Tudo começou com os MP3 players, destinados a tocar música. Quando o padrão MPEG4 (para arquivos de vídeo) passou a ganhar popularidade, alguns fabricantes decidiram pegar carona, lançando os “MP4”, capazes de reproduzir vídeos de baixa qualidade, no formato 3GP. Eventualmente, alguém teve a idéia de incluir câmeras nos aparelhos, aproveitando a grande disponibilidade de sensores para webcams (onde as imagens são capturadas com resolução de 320×240 ou 640×480 e são, em seguida, interpoladas até chegarem aos 2.0 ou 5.0 MP prometidos). Aproveitando o precedente, decidiram chamar os aparelhos de “MP5”, dando origem à seqüência.

O próximo passo foi incluir os componentes de telefonia, fazendo com que os aparelhos oferecessem também a função de celular. Surgiram então os “MP6”, que foram logo seguidos pelos “MP7”, que incorporam um sintonizador analógico, servindo como uma TV de bolso.

Quase todos estes aparelhos são baseados nos chipsets MTK MT6225 ou MTK MT6226, produzidos pela MediaTek (http://www.mediatek.com), que produz também um enorme volume de chips e controladores usados em DVD players e em aparelhos de GPS. Eles são chipsets integrados, baseados em processadores ARM7EJ-S, bastante lentos para os padrões atuais (clock abaixo dos 100 MHz), mas, em compensação, são bem baratos, daí a popularidade entre os fabricantes chineses.

A aparência externa, assim como o visual da interface, varia bastante de acordo com os aparelhos, mas as características básicas dos aparelhos baseados nos chips MTK são:

* Suporte a arquivos de áudio em MP3, AAC ou WAV;
* Suporte a vídeos 3gp (com o codec h.263) com resolução de 176×144 e até 12 FPS;
* “Leitor de e-books”, que suporta apenas arquivos TXT;
* Agenda, calculadora e alguns aplicativos simples;
* Menos de 1 MB de memória interna livre;
* Suporte a cartões de até 2 GB (e alguns dos cartões de 4 GB que não usam o padrão SDHC);
* Tela de 220×176 ou 320×240, com touchscreen;
* Sem suporte à instalação de aplicativos;
* Incluem alguns jogos simples em Java (que rodam usando o suporte nativo oferecido pelo processador, mais a seguir), mas não incluem uma JVM, o que impossibilita a instalação de outros jogos ou aplicativos em Java;
* Câmera de 640×480 (cujas imagens são interpoladas, resultando nos 1.3 MP, 2.0 MP, 3.0 MP ou qualquer que seja o valor incluído nas especificações).

Como comentei anteriormente, muitos modelos oferecem também um sintonizador de TV analógica, com uma antena retrátil e/ou o suporte ao uso de dois chips SIM, que funcionam em um sistema similar ao obtido ao usar um adaptador dual-sim, onde (embora tenha apenas um transmissor) o aparelho chaveia periodicamente entre os dois chips, o que permite receber ligações em ambos. Você pode, também, escolher entre os dois chips na hora de fazer chamadas.

Parte dos modelos são tri-band GSM (900/1800/1900) e não funcionam com a Vivo, enquanto outros são quad-band GSM (850/900/1800/1900) e funcionam com todas as operadoras. Todos oferecem suporte à rede de dados, mas ele é limitado ao GPRS, sem suporte a EDGE, muito menos a 3G. O navegador interno é um browser WAP bastante limitado, que não pode ser substituído devido à impossibilidade de instalar aplicativos.

Alguns aparelhos recentes são baseados em processadores MTK MT6227 ou MTK MT6229. A principal diferença é que estes chipsets oferecem suporte à câmeras de maior resolução. O MT6227 suporta câmeras de até 2.0 MP, enquanto o MT6229 suporta câmeras de até 3.0 MP. Naturalmente, o fato de existir suporte por parte do chipset não significa que os fabricantes realmente utilizem sensores de 2.0 ou 3.0 MP (que são bem mais caros que os de 640×480), apenas que a possibilidade existe.

Tanto os chips MTK MT6225 e MT6226 quanto os novos MT6227 e MT6229 são baseados no mesmo processador ARM7EJ-S. O que muda, são os clocks suportados (o MT6229 é o mais rápido, como seria de se esperar) e os componentes auxiliares incluídos no chip.

Os quatro são capazes de executar bytecodes Java nativamente (com suporte à extensão Jazelle), o que permite a inclusão dos jogos em Java presentes em quase todos os aparelhos. Alguns dos aparelhos mais recentes (como o Sciphone i68) incluem também uma JVM funcional, o que abre as portas para a instalação de aplicativos adicionais, embora de forma bastante limitada, devido às incompatibilidades e aos problemas de estabilidade.

Pesquisando na web, você encontra alguns dos firmwares com suporte a Java para download. Entretanto, não é possível usá-los para adicionar suporte a Java nos aparelhos antigos, pois os aparelhos com Java incluem uma quantidade maior de memória RAM.

O sistema operacional usado é o “MTK OS” que é, por sua vez, uma versão modificada do Nucleus OS (http://www.mentor.com/products/embedded_software/), um sistema RTOS para dispositivos embarcados. O termo “RTOS” (Real-Time Operating System) não se refere a um sistema operacional em especial, mas sim a uma classe de sistemas operacionais multitarefa, destinados a dispositivos embarcados, robôs e outros nichos, onde o tempo de resposta é um fator importante.

No caso dos telefones, o uso do MTK OS não tem muito a ver com ele ser um RTOS, mas, simplesmente, com o fato de ele ser um sistema leve, que oferece um bom suporte aos processadores usados e pode ser personalizado rapidamente. Essa facilidade de personalização deu origem às inúmeras interfaces diferentes usadas nos aparelhos (com cara de iPhone, de S60, etc.), muito embora trate-se, na verdade, do mesmo sistema:

Alguns exemplos de interfaces usadas nos aparelhos com o MTK OS

A maioria dos aparelhos utilizam chips de memória Flash de 4 MB como memória de armazenamento (com menos de 1 MB livre), combinados com mais 2 ou 4 MB de memória RAM, o que dá uma idéia de quão simples é o MKT OS. A pouca memória interna é, naturalmente, complementada por um cartão de memória Flash (alguns aparelhos incluem também uma unidade não-removível de 1 ou 2 GB), cuja capacidade é o que normalmente aparece nos anúncios.

Essa primeira geração de aparelhos, baseada nos chips MTK, tem sido gradualmente substituída por uma nova geração de clones, baseados em chips TI OMAP de 200 a 400 MHz, tipicamente com 64 ou 128 MB de memória RAM. A maior parte destes novos aparelhos rodam versões piratas do Windows Mobile (geralmente extraídas do firmware de aparelhos da HTC), mas também existem alguns modelos com cópias do S60 (extraído de firmwares de aparelhos da Nokia).

Naturalmente, eles são mais parecidos com os originais, já que, apesar dos bugs e dos componentes ausentes, rodam o mesmo sistema operacional. Alguns deles são imitações do iPhone, o que deu origem ao boato de que era possível instalar o Windows Mobile nele:

Modelo não identificado da Hitun e uma cópia do iPhone, ambos com o Windows Mobile

Estes aparelhos baseados em processadores TI OMAP são mais caros que os anteriores, já que os projetos são mais complexos e os componentes usados mais caros. Isso mostra que, quando usados componentes similares, a diferença de custo entre os aparelhos da Nokia (e de outros fabricantes) e os clones, na verdade não é tão grande assim.

A maioria dos aparelhos baseados em chips MTK custam (no exterior) entre 90 e 100 dólares (variando pouco, apesar das diferenças externas), enquanto os modelos novos custam, geralmente, entre 140 e 200 dólares. Alguns modelos com Wi-Fi e GPS chegam a ultrapassar a marca dos 300 dólares, como no caso desta cópia do HTC Touch:

Mesmo descartando todas as questões morais, eles não seriam boas opções de compra, pois possuem muitas das mesmas limitações óbvias dos modelos anteriores, como a falta de suporte a 3G ou EDGE (suportam apenas GPRS), falta de suporte a cartões SDHC e o uso de câmeras ruins. Outro problema é que o Windows Mobile e o Symbian são sistemas bem mais complexos que o MTK OS, o que resulta em muitos bugs e problemas de implementação.

Mesmo aparelhos de fabricantes como a Nokia e a HTC, que fazem um trabalho extensivo de correção de bugs e atualizações, são muitas vezes lançados no mercado com problemas graves na parte de software (geralmente corrigidos posteriormente, através de atualizações de firmware). Não seria muito inteligente esperar que fabricantes que produzem falsificações dos mesmos aparelhos, usando cópias do sistema extraídas de aparelhos com especificações diferentes, consigam fazer um trabalho melhor.

Um bom exemplo de fabricante especializado em produzir cópias é a HRF (também conhecida como Hi-Tech), que fabrica diversos modelos falsificados, incluindo aparelhos com cópias piratas do Windows Mobile, muitos deles rodando a interface TouchFlo (a usada pela HTC nos aparelhos da linha Touch), também pirateada. Estranhamente, é uma empresa de porta aberta, que aceita encomendas via web e mantém um catálogo no http://www.hrfpower.com/:

Estes aparelhos da HRF são o que podemos chamar de “cópias de primeira linha”. Depois deles temos inúmeros outros, de segunda, terceira, quarta, quinta, etc. que naturalmente não possuem sites e catálogos.

Um bom lugar para se informar sobre os aparelhos fabricados na China e encontrar os fabricantes reais é o DIYTrade, um sistema B2B que lista os produtos da maior parte dos fabricantes, excluindo apenas os mais obscuros: http://www.diytrade.com

Não existe nenhum pudor com relação à natureza dos produtos. As cópias são anunciadas abertamente como sendo cópias, com informações sobre o fabricante real e sob as marcas sob as quais são vendidas. Este clone do Nokia N93i do screenshot, por exemplo, é anunciado como sendo “idêntico ao original”, muito embora rode o mesmo MTK OS com a interface que imita o S60, como quase todos os outros:

A maioria dos fabricantes oferece a opção de colocar a própria marca do revendedor nos produtos (basta comprar uma quantidade estabelecida de unidades), como é, por exemplo, o caso da Foston. Muitos acham que a Foston é um fabricante, mas na verdade trata-se apenas de uma importadora que revende alguns dos produtos no Brasil.

Concluindo, já começam a surgir no horizonte alguns aparelhos baseados no Android, que pode ser uma solução para alguns fabricantes saírem da ilegalidade e passarem a desenvolver seus próprios modelos. Como o Android é distribuído sob uma licença que permite a redistribuição, os fabricantes podem simplesmente passar a usá-lo nos aparelhos compatíveis, sem precisar piratear outros sistemas. Isso pode eventualmente dar origem a uma nova safra de modelos baseados nele.

Infelizmente, velhos hábitos não são fáceis de abandonar. O primeiro chinês com o Android é o “Sciphone Dream G2” (http://mysciphone.com/G2Specia.asp), uma imitação do HTC G1, produzido pela mesma empresa que inaugurou os clones do iPhone:


O Sciphone Dream G2

Apesar do nome, ele tem especificações bem inferiores às do HTC G1, a começar pela ausência do teclado QWERTY deslizante. A tela também usa uma resolução mais baixa (320×240, contra 320×480 do original), com uma película touchscreen menos sensível. O processador (um TI OMAP de 200 MHz) é consideravelmente mais lento, a câmera de “4 megapixels” usa, na verdade, um sensor de 1.3 MP (com interpolação via software) e ele também carece de suporte a 3G, ficando limitado ao GPRS e (diferente dos modelos anteriores) também EDGE.

Além da questão do aumento de custos (já que para oferecer suporte ao HSDPA é quase que obrigatório incluir um controlador adicional, para realizar o processamento dos sinais), outro motivo para os aparelhos fabricados na China não incluírem suporte a 3G é que o padrão em processo de implantação na China não é o UMTS (como usado na Europa e no Brasil), mas sim o TD-SCDMA, que é o padrão chinês.

Embora acabem sendo vendidos em várias partes do mundo, os aparelhos chineses são predominantemente destinados ao mercado doméstico (que não é nada modesto, já que o país tem mais de 1 bilhão de habitantes), de forma que, provavelmente, vai demorar até que os fabricantes passem a oferecer modelos com suporte ao UMTS, o que acaba anulando qualquer eventual vantagem com relação ao custo.

Concluindo, é importante enfatizar que nem todos os aparelhos fabricados na China são ruins ou são cópias de outros aparelhos. Além de todos os grandes fabricantes que possuem fábricas na China, existem também muitos fabricantes chineses respeitáveis que, com qualidade boa ou ruim, produzem seus próprios modelos, como a ZTE (que é relativamente desconhecida por aqui, mas é uma das maiores fabricantes na China) e a K-Touch.

O grande problema é que os fabricantes de aparelhos genéricos, que fabricam produtos de baixa qualidade, são os que têm melhores condições de venderem seus produtos a preços baixos, o que faz com que eles acabem sendo os mais exportados e, conseqüentemente, os mais conhecidos por aqui.

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