O esgotamento do IPV4

Embora (enquanto escrevo) a Internet ainda funcione quase que exclusivamente sobre o IPV4, o poço dos endereços está oficialmente seco desde fevereiro de 2011, quando as últimas faixas de endereços ainda não atribuídas, raspadas do fundo da panela pela IANA foram transferidas para registradores regionais em uma cerimônia solene em Miami. O poço já andava quase seco desde 2010, mas a transferência destas últimas faixas marcou uma mudança de paradigma importante, já que sem novos endereços para serem atribuídos, o reaproveitamento e o uso racional dos endereços existentes se tornou a bola da vez.

Diagrama com as faixas livres em novembro de 2010

A primeira coisa que é importante entender é que o esgotamento dos endereços IPV4 não significa que se tornou impossível obter mais endereços, apenas que eles se tornaram um bem finito, que precisa ser transferido entre empresas. Uma empresa com uma grande faixa de endereços, parcialmente não utilizada, pode decidir se desfazer de parte destes endereços inutilizados em troca de algum benefício monetário e estes endereços “recuperados” podem ser então cedidos a usuários finais mediante algum pagamento adicional para uso em servidores dedicados, VPSs, conexões domésticas e assim por diante.

Como ainda demorará alguns anos até que o IPV6 se popularize, deveremos ver nos próximos anos um encarecimento dos endereços IPV4, com planos de acesso e servidores com endereços dedicados se tornando mais caros e mais raros. Atualmente, os principais consumidores de endereços IPV4 são os provedores de acesso, que juntamente com grandes redes corporativas consomem grandes faixas de endereços, que são distribuídos aos usuários conforme eles se conectam. Na época do acesso discado, os endereços não eram um grande problema, já que como apenas parte dos usuários conectava de cada vez, uma simples faixa de endereços classe C era suficiente para atender vários milhares de assinantes. Com a popularização das conexões de banda larga entretanto, as coisas se complicaram, já que mesmo que o usuário não esteja navegando, muito provavelmente o modem continuará ligado, ocupando um endereço IPV4. 

Com isso, as operadoras passaram a adquirir endereços aos milhões, acompanhando o crescimento do número de usuários. 

O exemplo mais visível de como ainda existe muita gordura acumulada são empresas como o MIT, Xerox, Ford, Merck e outras, que mesmo não sendo grandes provedores de acesso, detêm o controle de faixas classe A com 16 milhões de endereços cada, das quais apenas um pequeno percentual é utilizado. O governo americano possui nada menos do que 12 faixas classe A, o que corresponde a mais do que o total de endereços em uso em toda a América Latina. 

O CIDR racionalizou a atribuição de novas faixas de endereços, permitindo que organizações recebessem frações de faixas de endereços classe A ou B, em vez de receberem faixas inteiras. Ainda assim, não foi feito nenhum esforço para recuperar essas enormes faixas de endereços não utilizadas atribuídas enquanto a Internet ainda caminhava. É quase um consenso que a IANA não possui autoridade para forçar essas empresas a devolverem os endereços não utilizados, mas a carência de endereços vai fazer com que isso acabe acontecendo mais cedo ou mais tarde, seja como um sinal de boa vontade ou (como é mais provável) em troca de compensações financeiras. Um bom exemplo é a Microsoft, que no início de 2011 pagou US$ 7.5 milhões pelos pouco mais de 600.000 endereços de posse da falida Nortel. 

Um mercado de compra e venda de endereços pode ser a solução para manter as coisas funcionando enquanto a migração para o IPV6 não ocorre, mas por outro lado ela também significa que teremos problemas à vista. 

Do ponto de vista técnico, o principal problema em ter empresas cedendo ou comercializando pedaços de suas faixas de endereços é que novas entradas precisam ser adicionadas nas tabelas de roteamento, consumindo mais memória e processamento dos roteadores, criando novos problemas de fragmentação e desempenho que podem prejudicar o desempenho da Internet como um todo.

Em seguida, temos a questão do custo para empresas e países subdesenvolvidos, que por terem entrado antes na corrida dos endereços, acabaram ficando com faixas menores e terão agora que negociar endereços adicionais com empresas de países ricos. Um bom exemplo é a Índia, que possui apenas 35 milhões de endereços para uma população de 1.2 bilhões de pessoas, enquanto os EUA possuem quase 1 bilhão de endereços para uma população de pouco mais de 300 milhões. 

No ramo dos servidores dedicados, pagar US$ 10 ou 20 por um endereço IP não chega a ser um grande problema, já que é possível dividir o mesmo endereço entre múltiplas páginas e serviços hospedados no mesmo servidor. Entretanto, o problema é mais complicado no caso das operadoras que vendem conexões domésticas, já que o número de assinantes não para de crescer e o número de endereços usados cresce proporcionalmente junto com o número de assinantes. Caso um mercado seja criado, as operadoras precisarão pagar valores cada vez maiores para obter novas faixas de endereços, o que vai encarecer as conexões e levar muitas a passarem a usar NAT em vez de endereços válidos, complicando o uso de diversos aplicativos por parte dos assinantes. 

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