Era dos dinossauros

o primeiro microchip, o 4004, foi lançado pela Intel em 1971. Ele era um chip bastante primitivo, que processava instruções de 8 bits, transferia os dados através de um barramento de apenas 4 bits e operava a apenas apenas 740 kHz.

O 4004 era tão lento que demorava 10 ciclos para processar cada instrução, ou seja, ele processava apenas 74 mil instruções por segundo, contra os vários bilhões de instruções por segundo processadas por um chip atual. Hoje em dia esses números parecem piada, mas na época era a última palavra em tecnologia. O 4004 era cerca de 15 vezes mais rápido que o ENIAC e permitiu o desenvolvimento das primeiras calculadoras eletrônicas portáteis.

Pouco tempo depois, a Intel lançou um processador de 8 bits, o 8008, que foi logo substituído pelo 8080, uma versão aperfeiçoada que fez sucesso durante muitos anos.

Embora ainda fosse um processador de 8 bits, o 8080 era muito mais rápido que o 8008 e oferecia suporte a algumas instruções de 16 bits, que podiam ser carregadas com a ajuda de três pares de registradores. Ele operava a 2 MHz e era capaz de processar 500 mil instruções por segundo, o que na época era um valor assombroso. Como se não bastasse, ele era capaz de acessar incríveis 64 kbytes de memória, mais do que qualquer mortal poderia sonhar… 🙂

O 8080 foi o chip usado no Altair 8800 que, lançado no final de 1974, é considerado por muitos o primeiro computador pessoal da história. Na época, computadores eram grandes e absurdamente caros, por isso poucos tinham oportunidade de ter contato com um. Mesmo nos cursos de programação, tudo era feito em papel e apenas os mais sortudos tinham a chance de rodar os programas em um computador real. Tendo isso em mente, não é difícil de imaginar o furor que o lançamento do Altair gerou:

Capa da revista “Popular Electronics” e um anúncio do kit do Altair 8800

No modelo básico, o Altair custava apenas 439 dólares na forma de kit (onde você precisava soldar manualmente todos os componentes). Em valores corrigidos, isso equivale a quase 4 mil dólares, mas na época esse valor foi considerado uma pechincha, tanto que foram vendidas 4000 unidades em apenas 3 meses, depois que ele foi capa da revista Popular Eletronics.

Esse “modelo básico” consistia nas placas, luzes, chips, gabinete, chaves e a fonte de alimentação, junto, claro, com o manual de montagem. Existia a opção de comprá-lo já montado, mas custava 182 dólares (da época) a mais.

Ele vinha com apenas 256 bytes de memória, realmente bem pouco, mesmo para os padrões da época. Estava disponível também uma placa de expansão para 4 KB, que custava US$ 264 na forma de kit. Em teoria, seria possível instalar até 64 KB, mas o custo tornava o upgrade inviável.

Hoje em dia, com módulos de 2 GB custando menos de 100 reais, pode parecer estranho que os computadores da época usassem tão pouca memória RAM. Como pode imaginar, a questão central não era a vontade ou a utilidade, mas sim a questão do preço. Em 1974 a memória RAM custava cerca de US$ 50 por kbyte (2 GB de memória custariam 100 milhões de dólares…), o que tornava impraticável o uso de mais do que 4 ou 8 KB em computadores pessoais.

Em sua versão básica, o Altair não tinha muita utilidade prática, a não ser a de servir como fonte de aprendizado de eletrônica e programação. Entretanto, pouco tempo depois, começaram a surgir vários acessórios para o Altair: um teclado que substituía o conjunto de chaves que serviam para programar o aparelho, um terminal de vídeo (bem melhor que ver os resultados na forma de luzes…), um drive de disquetes (naquela época ainda se usavam disquetes de 8 polegadas), placas de expansão de memória e até um modelo de impressora. Até mesmo Bill Gates (antes mesmo da fundação da Microsoft) participou, desenvolvendo uma versão do Basic para o Altair.

Se você tivesse muito dinheiro, era possível chegar a algo que se parecia com um computador moderno, capaz de editar textos e criar planilhas rudimentares. Algumas empresas perceberam o nicho e passaram a vender versões “completas” do Altair, destinadas ao uso em empresas, como neste anúncio, publicado na revista Popular Eletronics, onde temos um Altair “turbinado”, com terminal de vídeo, impressora, dois drives de disquete e 4 KB de memória:

O Altair serviu para demonstrar a grande paixão que a informática podia exercer e que, ao contrário do que diziam muitos analistas da época, existia sim um grande mercado para computadores pessoais.

Pouco depois, em 1976, foi fundada a Apple, tendo como sócios Steve Jobs (que continua ativo até os dias de hoje) e Steve Wozniak, que apesar de não ser tão conhecido quanto o sócio, fez quase todo o trabalho pesado de desenvolvimento. Uma curiosidade é que a Apple só foi fundada porque o projeto do Apple I (desenvolvido pelos dois nas horas vagas) foi recusado pela Atari e pela HP. Uma frase de Steve Jobs descreve bem a história:

– Então fomos à Atari e dissemos: “Ei, nós desenvolvemos essa coisa incrível, pode ser construído com alguns dos seus componentes, o que acham de nos financiar? Podemos até mesmo dar a vocês, nós só queremos ter a oportunidade de desenvolvê-lo, paguem-nos um salário e podemos trabalhar para vocês”. Eles disseram não, fomos então à Hewlett-Packard e eles disseram “Nós não precisamos de vocês, vocês mal terminaram a faculdade”.

Apesar da fama, o Apple I passou longe de ser um grande sucesso de vendas. Foram vendidas pouco mais de 200 unidades a 666 dólares cada uma (pouco mais de US$ 5000 em valores corrigidos). Mesmo assim, os lucros sustentaram a Apple durante o primeiro ano, abrindo caminho para o lançamento de versões mais poderosas. Quem comprou um, acabou fazendo um bom negócio, pois hoje em dia um Apple I (em bom estado) chega a valer US$ 50.000.

Diferente do Altair, o Apple I era vendido já montado. A placa era vendida “pelada”, montada sobre uma tábua de madeira e embalada em uma caixa de papelão, por isso era comum que os Apple I fossem instalados dentro de caixas de madeira feitas artesanalmente.

O Apple I era baseado no processador MOS 6502, um clone do Motorola 6800, que era fabricado pela MOS Tecnology. Ele era um processador de 8 bits, que operava a apenas 1 MHz. Em termos de poder de processamento, o 6502 perdia para o 8080, mas o Apple I compensava a menor potência bruta oferecendo espaçosos 8 KB de memória, suficientes para carregar o interpretador BASIC (que ocupava 4 KB de memória), com 4 KB livres para escrever e rodar programas.

Uma das vantagens é que o Apple I podia ser ligado diretamente à uma TV, dispensando a compra de um terminal de vídeo. Ele possuía também um conector para unidade de fita (o controlador era vendido separadamente por 75 dólares) e um conector proprietário reservado para expansões futuras:

Apple I

Naquela época, as fitas K7 eram o meio mais usado para guardar dados e programas. Os disquetes já existiam, mas eram muito caros.

Os grandes problemas das fitas K7 eram a lentidão e a baixa confiabilidade. No Apple I, os programas eram lidos a meros 1500 bits por segundo e em outros computadores o acesso era ainda mais lento, com taxas de leitura de 250 a 300 bits. Era preciso ajustar cuidadosamente o volume no aparelho de som antes de carregar a fita e, conforme a fita se desgastava, era preciso tentar cada vez mais vezes antes de conseguir uma leitura sem erros.

Na época, existiam até programas de rádio que transmitiam softwares como parte da programação. O locutor avisava e em seguida “tocava” a fita com o software. Os interessados precisavam ficar com o aparelho de som à mão para gravar a cópia. Esses programas de rádio foram a primeira rede de pirataria de softwares de que se tem notícia, décadas antes da popularização da Internet.

Fita K7 com o BASIC para o Apple I

O Apple I foi logo aperfeiçoado, dando origem ao Apple II, lançado em 1977. Diferente do Apple I, que era produzido artesanalmente, o Apple II foi produzido em escala industrial, com um gabinete de plástico injetado e um teclado incorporado, bem mais parecido com um computador atual.

A versão mais básica era ligada na TV e usava o famigerado controlador de fita K7, ligado a um aparelho de som para carregar programas. Gastando um pouco mais, era possível adquirir separadamente uma unidade de disquetes:

Apple II

O preço era um pouco salgado: US$ 1298, que equivalem a quase 10.000 dólares em valores corrigidos. Apesar disso, ele fez um grande sucesso, sendo inclusive adotado por várias universidades e escolas de segundo grau, principalmente nos EUA.

O Apple II vinha com apenas 4 KB de memória, mas incluía mais 12 KB de memória ROM, que armazenava um interpretador BASIC e o software de bootstrap (similar ao BIOS dos PCs atuais), lido no início do boot. Isso foi uma grande evolução, pois você ligava e já podia começar a programar ou a carregar programas. No Apple I, era preciso primeiro carregar a fita com o BASIC, para depois começar a fazer qualquer coisa.

O BASIC era a linguagem mais popular na época (e serviu como base para diversas linguagens modernas). Ele tem uma sintaxe simples se comparado com o C ou o Assembly, utilizando comandos derivados de palavras do Inglês.

Este é um exemplo de programa em BASIC simples, que pede dois números e escreve o produto da multiplicação dos dois:

10 PRINT "MULTIPLICANDO"
20 PRINT "DIGITE O PRIMEIRO NUMERO:"
30 INPUT A
40 PRINT "DIGITE O SEGUNDO NUMERO:"
50 INPUT B
60 LETC=A*B
70 PRINT "RESPOSTA:", C

Este pequeno programa precisaria de 121 bytes de memória para rodar (os espaços depois dos comandos são ignorados pelo interpretador, por isso não contam). Ao desenvolver programas mais complexos você esbarrava rapidamente na barreira da memória disponível, o que obrigava os programadores a otimizarem o código ao máximo. Aplicativos comerciais (e o próprio interpretador BASIC) eram escritos diretamente em linguagem de máquina, utilizando as instruções do processador e endereços de memória, de forma a extraírem o máximo do equipamento.

Não é muito diferente do que temos atualmente, onde os sistemas operacionais e muitos softwares complexos são escritos em C ou C++, enquanto aplicativos mais simples e jogos são escritos usando linguagens de alto nível, que oferecem um desempenho mais baixo, mas permitem um desenvolvimento mais rápido.

Voltando ao Apple II, a memória RAM podia ser expandida para até 52 KB, pois o processador Motorola 6502 era capaz de endereçar apenas 64 KB de memória, e 12 KB já correspondiam à ROM embutida. Um dos “macetes” naquela época era o uso de uma placa de expansão, fabricada pela recém formada Microsoft, que permitia desabilitar a ROM e usar 64 KB completos de memória.

Além dos jogos, um dos programas mais populares para o Apple II foi o Visual Calc (ou VisiCalc), ancestral das planilhas atuais:

Foto de um manual antigo que mostra a interface do Visual Calc

A linha Apple II se tornou tão popular que sobreviveu até o início dos anos 90, quase uma década depois do lançamento do Macintosh. O último lançamento foi o Apple IIC Plus, que utilizava um processador de 4 MHz (ainda de 8 bits) e vinha com um drive de disquetes de 3.5″, similar aos drives atuais.

Outra inovação dos Apple I e Apple II em relação ao Altair e outros computadores anteriores foi o tipo de memória usada. O Apple I foi o primeiro a utilizar memórias DRAM, que é essencialmente a mesma tecnologia utilizada até hoje.

Ao longo das primeiras décadas, a memória RAM passou por duas grandes evoluções. No ENIAC, não existia uma unidade de memória dedicada. Parte das válvulas eram reservadas para armazenar as informações que estavam sendo processadas. Não existia unidade de armazenamento, além dos cartões perfurados e as anotações feitas manualmente pelos operadores.

Na década de 50 surgiram as memórias core, um tipo antiquado de memória onde são usados anéis de ferrite, um material que pode ter seu campo magnético alterado através de impulsos elétricos, armazenando o equivalente a um bit 1 ou 0). Esses anéis de ferrite eram carinhosamente chamados de “donuts” (rosquinhas) e eram montados dentro de uma complexa rede de fios, que transportavam os impulsos elétricos usados para ler e escrever dados.

Cada anel armazenava apenas um bit, de forma que você precisava de 8.192 deles para cada KB de memória. Inicialmente a malha de fios era “tecida” manualmente, mas logo começaram a ser usadas máquinas, que permitiram miniaturizar bastante as estruturas.

Este é um exemplo de placa de memória core. Ela mede 11 x 11 cm (um pouco menor que um CD), mas armazena apenas 50 bytes:

Placa de memória core de 50 bytes e o detalhe da interligação dos anéis

Essas placas eram ligadas entre si, formando “pilhas” organizadas dentro de estruturas maiores. Imagine que, para atingir 1 MB de memória no início da década de 1960, você precisaria de quase 21 mil dessas plaquinhas.

Este é um exemplo de unidade de memória, construída usando placas de memória core, que está em exposição no museu do MIT. Apesar do tamanho, ela possui apenas 64 KB:

Por serem muito caras e precisarem de um grande número de circuitos de apoio, as memórias core ficaram restritas aos computadores de grande porte.

O Altair já utilizava memórias “modernas” na forma de chips de memória SRAM (dois chips de 128 bytes cada um), que eram rápidos e confiáveis, porém muito caros. Na memória SRAM, são usados de 4 a 6 transistores para cada bit de dados (as do Altair usavam 4 transistores), o que multiplica o custo dos chips. Atualmente, as memórias SRAM são usadas nos caches dos processadores, o tipo mais rápido e caro de memória que existe.

O Apple I inovou utilizando um “novo” tipo de memória, as DRAM (Dynamic RAM), onde é usado um único transistor para cada bit de dados. Embora à primeira vista pareçam mais simples, os chips de memória DRAM são muito mais complicados de se trabalhar (principalmente se considerarmos as limitações da época), pois são capazes de armazenar os dados por apenas uma pequena fração de segundo. Para conservar os dados, eles precisam de um circuito de refresh, que lê e regrava os dados a cada 64 milissegundos (ou menos, de acordo com o projeto).

Apesar de todas as dificuldades, foi o uso de memórias DRAM no Apple I que permitiu que ele viesse com 8 KB de memória, custando pouco mais que um Altair, que vinha com meros 256 bytes. A partir daí, as memórias DRAM se tornaram norma, o que continua até os dias de hoje.

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